O prejuízo do ‘ranço ideológico’ de Lula – Editorial O Estado de S.Paulo
A indefensável ideologização da política exterior tem causado grandes danos ao País. Agora, ninguém menos que o ministro da Defesa alerta que ela está prejudicando a própria Defesa nacional.
A sujeição do Itamaraty ao sectarismo do presidente Lula da Silva inflige danos à política externa e aos negócios. Mas não só. A Defesa também está prejudicada ante as investidas ideológicas do Planalto.
Quem alerta é ninguém menos que o ministro da Defesa. Em evento na Confederação Nacional da Indústria, José Múcio disse que as Forças Armadas enfrentam retrocessos nos investimentos e adversidades sem precedentes causadas por “ranços ideológicos”. Para bons entendedores, meia palavra basta. Mas, na falta deles, Múcio explicitou os embaraços à sua pasta.
O Exército tem previsão orçamentária e competência para comprar as armas de que precisa e organizou uma licitação para adquirir 36 obuseiros – blindados com canhões. Foram escrutinadas empresas de 18 países e não há surpresa que tenha vencido Israel, um país que é celeiro de algumas tecnologias militares mais avançadas do mundo, há muito utilizadas pelas forças de segurança do Brasil.
“Venceram os judeus, o povo de Israel”, disse Múcio, “mas por questões ideológicas não podemos aprovar.” A compra foi travada pelo chanceler paralelo de Lula, Celso Amorim. O Tribunal de Contas da União, em defesa da segurança jurídica, não autorizou contratar o segundo colocado, advertindo que não existem embargos da ONU ou tratados firmados pelo Brasil que impeçam a comercialização com nações em guerra.
Mas o governo não só fabrica argumentos sem esteio legal para inviabilizar importações das Forças Armadas, como subverte esses argumentos para inviabilizar suas exportações. Após impedir a venda de ambulâncias à Ucrânia, o Planalto vetou a venda de munição à Alemanha. “Fizemos o negócio, um grande negócio”, disse Múcio. “(O governo) não faz porque senão a Alemanha vai mandar para a Ucrânia, a Ucrânia vai usar contra a Rússia e a Rússia vai mexer nos nossos acordos de fertilizantes.” Israel trava uma guerra de defesa, mas o governo não compra suas armas pretextando que é “agressor”. Ao mesmo tempo, não vende para a agredida Ucrânia e abastece os cofres da agressora Rússia.
O governo poderia buscar alternativas aos fertilizantes russos e insumos como o potássio não só mais baratas, mas domésticas. O Brasil tem reservas de potássio na região amazônica, algumas em terras indígenas, outras não. No primeiro caso, a Constituição prevê que o Congresso autorize a exploração. Com os devidos cuidados, ela pode ser feita de maneira sustentável, e ser negociada com as comunidades indígenas não só para não lhes causar danos, mas trazer benefícios. Mas, “por questões ideológicas”, como denunciou Múcio, essas possibilidades são barradas. Ao invés disso, o Brasil enriquece indígenas do Canadá, importando potássio de suas reservas.
Não é só ideologia, mas ignorância, e seu corolário é a incompetência. Há pouco, Lula sugeriu que recrutas não deveriam ser treinados para a guerra, mas para “enfrentar a questão climática”. Conflitos se proliferam no mundo e todas as nações estão se armando. Mas, na lógica pedestre de Lula, como o Brasil não enfrenta guerras, não precisa de soldados, mas de bombeiros. Tudo se passa como se agressões pudessem ser contidas à base de “cervejas” – como Lula sugeriu em relação à Ucrânia – e as Forças Armadas fossem uma ameaça à paz, e não sua garantia, sobretudo diante de ameaças reais num mundo cada vez mais violento. Isso não é idealismo nem pacifismo. É só estupidez.
Ao Brasil, resta agradecer a Deus pelo fato de que os riscos de ser invadido por potências estrangeiras (como a Ucrânia foi pela Rússia) ou agredido por terroristas (como Israel pelo Irã e seus associados) são baixos. Não é só que, a depender de Lula, o País seria defendido por bombeiros armados com sucatas, mas – a julgar pela sua insinuação de que, se o presidente ucraniano fosse “esperto” cederia seus territórios à Rússia, e que Israel deveria baixar as armas mesmo com 100 reféns sob o jugo de terroristas – só Deus sabe quanto do território e dos cidadãos brasileiros seu presidente sacrificaria em nome do que chama de “paz” (Estadão, 11/10/24)