03/02/2025

O segredo de Janja – Editorial O Estado de S.Paulo

O segredo de Janja – Editorial O Estado de S.Paulo

Lula e Janja. Foto Ricardo Stuckert - PR

 

 

A primeira-dama almeja os bônus da função pública sem o ônus da transparência.

 

Não existe o cargo de “primeira-dama” na administração pública brasileira. Como se sabe, trata-se apenas de um título informal de designação do cônjuge do chefe do Poder Executivo. No entanto, o governo do presidente Lula da Silva tem atribuído à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, um papel institucional que não tem lugar na estrutura formal do Estado. Em outras palavras: Lula posicionou sua mulher em uma espécie de limbo funcional, o que é muito conveniente para o governo e para a própria Janja.

 

Sempre que é questionado pela imprensa, não raro por meio da Lei de Acesso à Informação, sobre a agenda e as despesas públicas de Janja, o Palácio do Planalto, sistematicamente, as sonega sob a justificativa de que a primeira-dama “não exerce função pública” nos termos da Lei 8.112/90, razão pela qual ela estaria isenta de prestar contas à sociedade.

 

Contudo, quando interessa ao governo ou à própria Janja, a primeira-dama assume uma posição de destaque, quando não de protagonismo, em eventos oficiais no Brasil e no exterior, representando o governo do marido ou até mesmo o Estado em eventos e instâncias nos quais, a rigor, só servidores ou mandatários investidos do múnus público teriam legitimidade para atuar em nome do País.

 

Exemplos da atuação pública de Janja são abundantes. A primeira-dama representou o Brasil na cerimônia de abertura da Olimpíada de Paris, teve participação destacada nos eventos ligados à cúpula do G-20 no Rio, em novembro passado, e, em breve, deverá representar o País em um fórum em Roma sobre a Aliança Global de Combate à Fome, ao lado do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias. Na ausência de Lula, por que é Janja quem irá a Roma, e não o vice-presidente Geraldo Alckmin ou o embaixador do Brasil na Itália?

 

Como se vê, por um lado, Janja exerce atividades típicas de uma autoridade pública quando lhe convém, inclusive influenciando políticas e agendas do governo. Por outro, o Palácio do Planalto se recusa a prestar informações sobre o exercício dessas funções, eximindo-se da obrigação de prestar contas e divulgar detalhes da agenda oficial da primeira-dama. Essa contradição afronta o princípio da publicidade, estabelecido no art. 37 da Constituição, além de violar o direito constitucional da sociedade à informação, previsto no art. 5.º, inciso XXXIII, da Lei Maior.

 

A transparência na administração pública é inegociável, pois se trata de uma das vigas mestras da democracia. Qualquer um que exerça função pública, de jure ou de facto, deve estar submetido aos mecanismos de controle exigidos pelo ordenamento jurídico pátrio. O status impreciso de Janja, portanto, além de suscitar sérias dúvidas quanto ao compromisso do governo de seu marido com a publicidade de seus atos, ainda se afigura como uma violação permanente da legislação brasileira.

 

Não se pode servir a dois senhores. Janja não pode usufruir dos bônus da função pública ao mesmo tempo que o governo manobra para evitar seus ônus a todo custo (Estadão, 3/2/25)