21/08/2024

O urgente e o importante para um projeto de transição verde justa

Por Illona Szabo de Carvalho

Brasil precisa alinhar políticas interna e externa e priorizar o Plano de Transformação Ecológica.

Com o cenário político em ebulição, é preciso manter o foco no que é ao mesmo tempo urgente e importante no caminho para uma democracia pautada pela justiça social e o desenvolvimento sustentável.

Para isso, o Brasil tem uma tarefa básica no curto prazo: o alinhamento da política doméstica por uma transição energética, ambiental, verde e justa. E o Plano de Transformação Ecológica (PTE), do governo federal, pode ser a ferramenta propulsora desse movimento.

Vivemos hoje em duas realidades paralelas, a política externa e a interna. Para fora, existe uma versão mais alinhada desse Brasil que vai sediar a conferência global do clima, a COP, em Belém, no próximo ano.

É o Brasil que, na presidência do G20, coloca na mesa assuntos difíceis e prioritários, como finanças sustentáveis, a aliança contra a fome e a redução das desigualdades.

Mas, internamente, temos um claro conflito entre o status quo e aquilo em que o Brasil precisa ir além.

De um lado, há posições afinadas com políticas públicas responsáveis e à prova do futuro, por parte do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Fazenda, que se refletem nas proposições do Itamaraty.

De outro, há áreas da Casa Civil, do Ministério de Minas e Energia e do Ministério da Agricultura com contraditórios e argumentações dissonantes.

Já escrevi aqui que a chance do Brasil de pegar o trem e se juntar de uma vez por todas aos países desenvolvidos estava na formulação e implementação bem-sucedidas do Plano de Transformação Ecológica. Mas, desde que foi lançado oficialmente, no fim do ano passado, durante a COP28, o plano não ganhou a centralidade política de que necessita para ser a alavanca de uma nova visão de Estado.

Essa visão engloba o Brasil potência verde em segurança alimentar de baixo carbono, em produção de energias renováveis, liderando pelo exemplo tanto na transformação de seu setor produtivo quanto como um fornecedor para o mundo. Mas, principalmente, é a visão de um Brasil potência ambiental e biodiversa, que viabiliza essas outras duas dimensões da nossa agenda verde.

Sem a proteção da natureza e de seus serviços ecossistêmicos, o potencial para o agronegócio sustentável e para sermos campeões de energias renováveis vai se tornar passado sem nunca ter sido presente.

A agenda de clima e natureza traz uma série de marcos internacionais ainda neste ano, passando pelas reuniões promovidas pelo G20, a Semana do Clima de Nova York, a Cúpula da Biodiversidade na Colômbia e a Cúpula do Clima no Azerbaijão. Esses eventos só farão aumentar a expectativa do mundo frente ao protagonismo real do Brasil, que não pode ser só narrativo e para efeito externo.

Clima é uma agenda de interesse estratégico nacional, de um país que tem o dever de ser responsável com os brasileiros das atuais e futuras gerações.

É por isso que o Plano de Transformação Ecológica deve ganhar centralidade. Mundo afora, o papel dos Tesouros Nacionais e dos Ministérios de Finanças tem sido chave para, além de seu poder regulatório, alavancar os recursos necessários ao enfrentamento da emergência climática.

Em julho, por exemplo, a secretária de Tesouro dos EUA, Janet Yellen, que ancora a Lei de Redução da Inflação, lançou em Belém a Iniciativa da Região Amazônica contra o Financiamento Ilícito, com os ministros de Finanças dos países amazônicos.

O reposicionamento do PTE pode ser a base da inovação institucional que precisa chegar no marco da COP30. Decisões como a da Alemanha, que criou o Ministério da Economia Verde, a da Inglaterra, com o Ministério do Net Zero, e a da França, com a Secretaria de Planificação Ecológica no gabinete do primeiro-ministro, servem de inspiração.

O nosso dever de casa é alinhar as contradições domésticas com a política externa e apoiar a implementação do Pacto pela Transformação Ecológica entre os Três Poderes do Estado, que será assinado hoje em Brasília. Só assim vamos criar as condições e parcerias globais para que a transformação ecológica se materialize nos diferentes setores de nossa economia e de nossa sociedade.

Não é tarde – ainda (Illona Szabo de Carvalho é presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia); Folha, 21/8/24)