09/09/2020

‘O valor da Amazônia tem de ser precificado’, diz Rubens Ometto

Rubens Ometto Silveira Mello

Legenda: Rubens Ometto Silveira Mello, presidente do conselho de administração do Grupo Cosan Foto: Felipe Rau/Estadão

 

Para o presidente do conselho de administração do Grupo Cosan, o País ‘tem de contra-atacar’ os que o acusam de ‘estar poluindo tudo com as queimadas’ na região

Entrevista com

Rubens Ometto Silveira Mello, presidente do conselho de administração do Grupo Cosan

Brasil "tem a matriz energética mais limpa do mundo”, e o mundo “está pendurado na Amazônia”. Juntando as duas frases, Rubens Ometto Silveira Mello chega a uma conclusão: “Não podemos entrar nessa armadilha de dizer que nosso País está poluindo tudo com as queimadas da Amazônia”. 

Conhecido por sua ousadia em correr riscos, o empresário acha que o País precisa “contra-atacar”. Tem certeza de que “a Amazônia vale ouro” e adverte que “isso precisa ser precificado”. Como? “O Brasil deveria montar um sistema de divulgação” e calar produtores de fora “empenhados em enfraquecê-lo e em taxar suas exportações”. 

Não é uma opinião casual. “Binho”, como o chamam os amigos, vem de uma tradicional família de usineiros de Piracicaba, no interior paulista, e toca empresas do setor sucroalcooleiro, combustível, de gás e logística. Seu dia a dia é dedicado a comandar, como presidente do conselho de administração do Grupo Cosan, empresas como a Raízen, a Compass, a Rumo. Bem como as parcerias com a Shell e a ExxonMobil

Nesta abertura da série Cenários – que vai ao ar nas redes sociais do Estadão e no YouTube do Banco Safra –, o empresário revela: “Estou escrevendo um livro para deixar documentadas as experiências que vivi”. Pretende registrar que tudo foi planejado detalhadamente – mas, que na verdade, “você vai construindo passo a passo, vendo oportunidades que surgem”. Futuro do ‘novo normal’? “O protecionismo deve se acentuar pelo mundo e temos que estar atentos.” Aqui vão trechos de sua conversa por Zoom.

Em tempos de ‘novo normal’ – que nem sabemos o que é – como a Cosan reage às novas prioridades?

Estamos no agronegócio e na energia renovável. O Brasil tem grandes vantagens nos dois setores. Temos a matriz energética mais limpa do mundo, por meio de hidrelétricas, energia solar, energia eólica, do etanol que você adiciona à gasolina, do álcool que se usa diretamente nos carros flex fuel. Outra coisa marcante é a produção de grãos, somos o celeiro do mundo. E o Brasil tem solo, ótima qualidade da terra, chuva na hora correta. E temos a Amazônia. O mundo está pendurado na Amazônia. Ela é o maior sequestrador de carbono do planeta e produtora de oxigênio. Tem de ser muito valorizada.

De que forma?

O Brasil tem de montar campanha. E não cair na armadilha de alguns países e empresas. Claro que você tem maus empresários, que praticam crimes na Amazônia, mas não é tudo isso que sai na imprensa. Eu vivi isso há 20 anos atrás, quando o etanol começou a crescer e o setor sucroalcooleiro foi muito atacado. Diziam que ele ia invadir a Amazônia – e nada disso aconteceu. Hoje, as empresas que fazem agronegócio em outras partes do mundo tentam arrumar uma taxação pra proteger seus produtores. Acho que temos de contra-atacar. Essa Amazônia vale ouro para o mundo e isso precisa ser precificado. Tem muita gente lá fora que depende disso pra trabalhar e se sustentar.

Pode dar exemplos concretos?

É o que a Cosan vem fazendo, por meio da Raízen – nossa sociedade com a Shell. Ela é a maior produtora mundial de açúcar e de etanol de cana. E o que estamos fazendo agora? A primeira planta mundial de álcool de segunda geração, o álcool celulósico. É etanol de palha de cana e bagaço de cana. Além disso, na nossa Usina Bonfim estamos produzindo o gás metano extraído da vinhaça, que vai entrar nos gasodutos pra alimentar a nossa Comgás e os nossos caminhões.

Planos para o setor de gás?

Não posso comentar em razão do pedido de registro de oferta pública da nossa empresa de gás.

O setor de logística?

A Rumo faz a ligação por trem de Santos a Rondonópolis. E acabamos de ganhar o ramal Norte-Sul, que desce do Tocantins até Estrela d’Oeste, depois liga a malha paulista até Santos e tem ferrovia indo pro Paraná, até o Rio Grande do Sul. Isso vai aumentar nossa fronteira agrícola.

A imagem do País não é boa, em relação ao meio ambiente. Como vê isso?

Acho um absurdo, e é por falha nossa. Vou repetir: o Brasil deveria montar um sistema de divulgação internacional – nós na Cosan pretendemos fazer isso com a Shell. Temos de mostrar o quanto de bom estamos fazendo. Vou lhe dar um exemplo de como o marketing é importante. Pega o carro elétrico da Tesla e veja as emissões de toda a cadeia, incluindo a fabricação do carro e das baterias e a energia que alimenta a bateria. Se levarmos tudo em conta, o carro a etanol emite menos gases de efeito estufa por quilômetro rodado do que o da Tesla.

Mesmo usando hidrelétrica, em lugar de termoelétrica?

Sim. Na Noruega, cuja matriz energética é quase toda de hidrelétricas, um carro elétrico emite perto de 100 gramas de CO2 por quilômetro rodado. O carro a etanol hidratado emite menos que isso no Brasil. E você ainda tem no mundo todo muita energia elétrica produzida via óleo diesel, carvão, reatores nucleares...

Dá pra se fazer uma proposta viável pra ninguém mexer em floresta?

Acho que dá, sim, pra montar um modelo no qual a gente poderia levantar muito dinheiro e criar um programa de desenvolvimento sustentável na Amazônia. E fazer o nosso marketing, não é? Por que a Califórnia paga mais pelo nosso etanol? Por que a Shell paga mais pelo etanol de 2.a geração? Por que o Japão compra álcool neutro brasileiro? A nossa empresa, veja só, exporta 100% do etanol produzido.

O sr. acaba de fazer uma reestruturação no Grupo Cosan. Por quê?

Tenho isso na cabeça há muito tempo. Qual era o problema? Tínhamos uma holding controlando outra holding, era um sistema do tempo em que a bolsa brasileira não permitia que você tivesse ações preferenciais nem votos com diferentes pesos. Como eu acredito em empresas de dono, alguém que seja o maestro do negócio, fomos comprando ações da companhia. Agora, quando a gente fizer a fusão da CCZ com a Cosan, continuarei controlando o Grupo. 

A pandemia não atrapalhou ao fazer essas mudanças?

Não atrapalhou em nada, isso já estava planejado há um bom tempo. Veja, o Banco Central e o Ministério da Economia fizeram a redução de juros e com isso a poupança brasileira está migrando da renda fixa para ativos. A liquidez do mercado mundial aumentou muito.

O Grupo adotou a agenda ESG (Environment, Social and Governance). O que isso significa?

Essas três iniciais traduzidas em boa governança, cuidado com o meio ambiente e questões sociais sempre nortearam, de uma maneira ou outra, as decisões da Cosan. Mas hoje damos muito mais ênfase ao tema. No “E” você define como elas tratam o meio ambiente, se estão produzindo sem agredir o planeta. No “S”, é como agem em relação à sociedade, se não a prejudicam, se a protegem. E governança é prioridade em qualquer empresa que queira sobreviver. Estamos listados em bolsa, e temos que ser transparentes, com um estatuto bem feito e respeito aos minoritários.

Não caiu o consumo de álcool?

Teve um momento, bem no começo da pandemia, em que a demanda por derivados, gasolina e etanol chegou a cair 50%. O diesel não sofreu tanto por conta do agronegócio. O que caiu foi o querosene para aviação, em 80%. O consumo de gás natural, principalmente comercial e industrial, num primeiro momento, caiu também. Já o residencial, não. E as pessoas ficaram em casa.

O senhor teve de buscar algum programa do governo nesses meses?

Nada, nada, nada.

Demitiu funcionários?

Nenhum. Fomos os primeiros a dizer que não íamos demitir ninguém por causa da pandemia. Isso é o “S” do Social, que se somou também a outra decisão importante, as doações ao Instituto Butantã para fazer vacina.

Sempre se percebeu, no Brasil, uma certa culpa em relação ao lucro, o que não ocorre lá fora. Acha que isso tem mudado?

Melhorou um pouco. Claro que você tem empresários que cometem crimes, mas no geral o empresário brasileiro é um patriota. O dinheiro dele fica aqui, ele reinveste tudo. Há exceções, mas o empresário brasileiro é trabalhador.

Temos um novo quadro no mundo, com juros em queda e uma montanha de dinheiro que não há onde pôr. Isso pode valorizar o empreendedorismo?

Sim. Acho que o País tem de voltar a crescer baseado na iniciativa privada. Com essa liquidez mundial você pode desenvolver muitos projetos sem ter de usar dinheiro público. Na Rumo estamos gastando bilhões de reais sem pedir um tostão do governo.

Fala-se muito no cenário pós-pandemia, e ele inclui o enorme déficit público global pelos gastos com saúde. Isso afeta a política econômica?

Acredito que vai mudar. Não sou economista, não saberia dizer exatamente o que será feito, mas terá de mudar. Os juros estão baixos, teremos de encontrar outras formas de olhar e acompanhar as economias mundiais.

Num cenário assim tão incerto, como o sr. vê a Cosan daqui a dois, três ou cinco anos?

Eu sou pragmático. Estou escrevendo um livro pra deixar documentadas as experiências que vivi. Nesse livro eu digo o seguinte, que tudo foi planejado detalhadamente... Mas a verdade é que tudo se vai construindo passo a passo e você vai vendo as oportunidades que surgem. Acho que o protecionismo vai voltar, não será mais uma economia tão globalizada como a que temos agora. Então é difícil programar, né? Mas o fato é que o alimento no Brasil é um grande negócio e o Brasil é o celeiro do mundo. E para esse alimento chegar a todos os continentes precisamos de ferrovias e portos em plena operação. No varejo você vê a Amazon e algumas empresas brasileiras crescendo contra o espaço físico. Tudo isso me parece muito desafiante, mas estamos sempre atentos (O Estado de S.Paulo, 9/9/20)