(...)‘ões’ – Por Roberto Rodrigues
Não nos esqueçamos da gratidão e do perdão em nossas expectativas para 2020.
Estamos começando mais um ano na inexorável passagem do tempo.
Em geral, as pessoas costumam fazer promessas para o futuro nessa ocasião, sempre pensando em melhorar o comportamento em casa, no trabalho ou na sociedade, de modo a promover o bem-estar daqueles que as circundam, e com isso a felicidade de cada um, além da própria. Nada mais louvável. Afinal, essa é uma forma de espargir amor e justiça, que são os trilhos sobre os quais corre o trem da vida, impulsionado pela esperança inesgotável de contribuir para a construção de um mundo melhor para os pósteros.
Nem sempre, porém, a gente se lembra dos compromissos assumidos um ano antes e não cumpridos por qualquer razão. Aliás, é até comum repetir as promessas que ficaram pelo caminho. Faz parte da natureza humana.
Mas há um tema que em geral fica em segundo plano: a gratidão pelo que foi possível realizar.
Que gratidão? A quem deve ser dirigida?
Quando Eduardo Campos estava em campanha para a Presidência da República, em meados de 2014, foi convidado, com os demais candidatos, para um debate sobre agronegócio a ser realizado na CNA, em Brasília.
Na véspera, me ligou solicitando indicação de pontos que deveriam ser tocados em sua apresentação, encaminhando os problemas recorrentes enfrentados pelo setor rural. Numa longa conversa, passei a ele a agenda que interessava ao campo, com as questões e as respectivas propostas de resoluções, alguns projetos e sugestões.
Na noite do dia seguinte, ele me telefonou para contar que tinha se saído bem no debate e para agradecer as dicas que lhe dera. Respondi que não tinha nada que agradecer, uma vez que a tarefa da minha vida era ajudar o nosso setor, e que ele fora um instrumento para isso. E ele contestou com uma frase que nunca mais esquecerei: “Tenho, sim, de agradecer e muito, porque a gratidão é a dívida mais gostosa de se pagar”...
É a isso que me refiro quando penso que, nessa hora, devemos agradecer pelo que conseguimos realizar no ano passado, porque nada faríamos sem ajuda. Os não cristãos devem agradecer a tudo e a todos que possibilitaram suas realizações, e os cristãos idem, mas também a Deus. E assim suas dívidas estarão saldadas. Gostosamente saldadas.
Por outro lado, deve-se pedir desculpas pelos compromissos não cumpridos. Esta é uma espécie de penitência, mais difícil de executar, até porque mexe com sentimentos íntimos de cada um: trata-se do perdão. Mark Twain disse certa vez que “o perdão é o perfume que a violeta deixa no pé que a esmagou”. Não se sabe se ele já conhecia o antigo dito indiano ainda mais severo: “O perdão é o perfume que o sândalo imprime no machado que o derrubou”.
Nem sempre é fácil perdoar: muitas vezes o orgulho ferido, a oportunidade cerceada ou a certeza de sermos vítimas da injustiça humana perturba essa capacidade. Mas muito mais difícil é pedir perdão de verdade àqueles e àquelas a quem não “entregamos” o prometido, não importando a razão. Ou ainda pior, pedir perdão por erros que cometemos, especialmente por idiossincrasia, intolerância ou se eles tiveram causado dor ou pena a outrem, inocentes ou não. E esse complicado exercício de humildade que implica verdadeiro arrependimento precisa ser feito, porque de um lado ajuda a mitigar e até expiar o erro assumido e de outro lado alimenta o compromisso de realizar a entrega no novo ano.
Eis aí uma boa mensagem para o ano que se inicia: não nos esqueçamos da gratidão e do perdão em nossas expectativas para 2020. Certamente existe uma enorme lista de outras palavras terminadas em “ão” que rimam com essas duas, e todas muito significativas: educação, produção, razão, inspiração, determinação, reflexão, emoção, intuição, imaginação, compaixão, promoção, satisfação, visão, dedicação, inclusão, integração, renovação, união, criação, proteção, aceitação, contemplação, fascinação, centenas, talvez milhares delas. Mas essas duas – gratidão e perdão – têm um sentido especial nessa ocasião.
Feliz 2020, caro leitor, e que este ano seja o melhor de sua vida até aqui...(Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenaddor do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas; O Estado de S.Paulo, 12/1/20)