27/11/2020

Olhar na Amazônia – Por Pedro de Camargo Neto

Olhar na Amazônia – Por Pedro de Camargo Neto

É inaceitável o grau de ilicitude existente. Cumprir a lei já poria o Brasil na vanguarda.

A questão das mudanças climáticas e o foco na redução dos gases de efeito estufa ganham prioridade internacional com a eleição de Joe Biden nos EUA. Foi importante tema de campanha e Biden reafirmou em seu pronunciamento, quando reconheceu a vitória, a prioridade para ações visando a enfrentar a complexa questão.

Para o Brasil, o olhar se volta para o desmatamento das florestas, grande produtor de gás carbônico, e o grande constrangimento existente em razão de compromissos já assumidos em acordos internacionais. A atenção se volta para a Amazônia, cuja complexidade é impossível de ser apresentada num texto. É importante, porém, não perder o foco.

É inaceitável o grau de ilicitude existente. Enfrentar a ilegalidade é claramente a maior prioridade, pois tolerar representa retroceder, mesmo com todo o esforço de avanço em outras questões também pertinentes.

Área com quase metade da dimensão do País em grande parte desconhecida, seria impossível saber o que lá acontece sem a tecnologia avançado. O sobrevoo permanente de satélites fotografa a superfície e a inteligência artificial permite um olhar preciso. É obrigatória decisão política da utilização do potencial dessa tecnologia.

No início de 2019 o governo sinalizou certa complacência com ilicitudes. O grileiro arriscou desmatando. O garimpo ousou. O extrativismo madeireiro continuou. As populações locais, abandonadas, continuaram suas irregularidades.

O fogo de 2019 acendeu forte sinal. O governo reagiu com a primeira intervenção de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), enviando o Exército. Chegaram tarde. Este ano nova GLO na região, de novo com atraso. Os resultados foram positivos, mas claramente insuficientes.

O garimpo ilegal permanece. Não somente o garimpeiro com bateia em esforço de sobrevivência. Verdadeiras operações assemelhadas a mineradoras continuam atuando de maneira ilegal. É indesculpável, considerando o grau de informação disponível, com fotos de satélite de elevada precisão. A tecnologia permite identificar desmatamentos quase por metro quadrado, quanto mais tratores e caminhões em processo de destruição. O Exército, que é capaz de simular sofisticadas operações de guerra, foi incapaz de enfrentar o garimpeiro ilegal. A falta de decisão política é a única explicação.

O desmatamento diminuiu, mas persiste de maneira indefensável. O desmatamento ilegal, pois o legal é mínimo, irrelevante, sendo estéril a divergência em condenar o legal. Recentemente o governo britânico, baseado em estudos de seus especialistas, afirmou que no caso do Brasil, em especial na Amazônia, bastaria que as leis fossem aplicadas com vigor e assistiríamos até a um crescimento das florestas de cerca de 10%.

O Código Florestal criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), obrigando o produtor a fornecer seu perímetro e suas obrigações ambientais. São milhões de CARs na nuvem eletrônica. Os perímetros podem ser comparados com os limites das áreas privadas, públicas, indígenas, unidades de conservação. Os desmatamentos diários podem ser acompanhados com inteligência artificial. Não existe desculpa para não atuar com eficiência.

A validação dos CARs fornecidos pelo produtores tem enorme atraso. O enquadramento nas obrigações do Código Florestal precisa ser impulsionado de maneira organizada. Essa regularização, longe de trivial, e que tem o apoio dos produtores, precisa ser valorizada. Mais que isso, apoiada. Representará a recuperação de áreas de preservação permanente, a proteção de nascentes e reservas, regeneração extremamente relevante.

As famílias que foram induzidas a mudar para a região, décadas atrás, continuam abandonadas. Faltam saúde, educação, e aos pequenos produtores falta a regularização fundiária, a obtenção de um título de propriedade que lhes permita se inserir na legalidade, incluída a ambiental. Novamente cumpre ao poder público equacionar essa injustiça. São milhares de pequenos produtores que precisam ser apoiados. Ao se inserirem na legalidade, representam um esforço de sustentabilidade e distanciamento dos desmatamentos.

Crescentemente escutamos apresentarem o sedutor conceito de bioeconomia, ainda sem suficiente clareza. Importante desenvolver novas soluções sem esquecer que a emergência exige respostas imediatas.

As produções tradicionais na região precisam avançar em produtividade. Levantar a baixa produtividade para níveis mesmo médios representaria importantes melhoras de qualidade de vida. Liberaria significativas áreas hoje com baixa produtividade que, regeneradas, representariam importante avanço. O elo essencial da educação tecnológica precisa ser reconstruído.

Muito é dito sobre o desenvolvimento de um mercado de carbono, na procura de recursos financeiros dos países desenvolvidos e deficitários em suas metas nos compromissos do clima. Certamente uma visão interessante, porém ainda difícil de mensurar. Poderá ser algo relevante, mas dificilmente atenderá ao essencial.

Chego à questão do aquecimento global. É desnecessário entrarmos nessa importante polêmica política e tecnológica. Vamos caminhar com vigor para a legalidade. O rigoroso cumprimento da legislação já colocaria o País na vanguarda (Pedro de Camargo Neto é produtor rural; O Estado de S.Paulo, 27/11/20)