Onda de calor 'sem precedentes' no Brasil é ampliada até sexta-feira (17)
MOLHE E ESFRIE O CORPO-Foto Getty Images
"Quando estamos expostos a temperaturas mais elevadas, ocorrem adaptações no nosso corpo. A frequência cardíaca aumenta como um mecanismo compensatório, assim como a pressão arterial", explica Lucas Albanaz, clínico geral, coordenador da clínica médica do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, e mestre em ciências médicas.
Uma massa de ar excepcionalmente quente vem fazendo com que boa parte do Brasil enfrente temperaturas mais altas que o normal.
De acordo com a empresa de meteorologia MetSul, as previsões indicam que as temperaturas previstas para esta semana e a próxima deverão superar consideravelmente as médias históricas de temperatura máxima em todas as cinco regiões do país, com um alto potencial para quebras de recordes.
A Climatempo prevê 38°C para a tarde de hoje na cidade de São Paulo. Se essa temperatura se confirmar, ou se a máxima alcançar 37,9°C, será quebrado o recorde histórico de calor na cidade, que atualmente é de 37,8°C, marca registrada em 17 de outubro de 2014.
- É 'praticamente certo' que 2023 será o ano mais quente já registrado, indicam novos dados
No Rio de Janeiro, a máxima prevista nesta segunda deve entrar na casa dos 40°C. De acordo com o Alerta Rio, serviço de meteorologia da Prefeitura do Rio, a sensação térmica foi de 52,7°C em Guaratiba, na Zona Oeste da cidade, às 8h desta segunda.
No Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estados que devem ser mais afetados, é possível que os termômetros marquem 45ºC.
Sgundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), há mais de 2,5 mil municípios afetados pela onda de calor. Destes, 1.413 estão sob aviso de perigo e 1.138 cidades estão na classificação de grande perigo.
De acordo com o site de meteorologia MetSul, em muitas áreas, a temperatura no decorrer da semana ficará entre 10ºC e 15ºC acima das médias históricas. "Isso vai levar às máximas fora do comum e sem precedentes em grande número de localidades do Centro do Brasil", diz o site.
De acordo com a Climatempo, esta será a quarta onda de calor que o Brasil vive no segundo semestre deste ano e poderá ser mais forte do que as onda de calor de agosto, setembro e de outubro de 2023.
Embora algumas regiões do Brasil frequentemente experimentem altas temperaturas durante o mês de novembro, e os brasileiros estejam geralmente mais adaptados ao calor em comparação com populações de países europeus que enfrentaram desafios semelhantes nos últimos meses, a situação é particularmente perigosa devido à sua extrema intensidade.
Estar exposto - especialmente nos horários de pico do calor, entre 12 e 16 horas - pode causar alterações no organismo que oferecem risco à saúde, principalmente para grupos com saúde mais frágil, incluindo idosos, pessoas com comorbidade, e crianças pequenas.
O que acontece quando o corpo é exposto a temperaturas extremas
Quando o corpo está em estresse térmico, ou seja, é exposto a temperaturas extremas, ele passa por uma série de adaptações fisiológicas para regular a temperatura interna.
No caso da exposição ao calor, primeira reação do organismo é dissipar calor através do suor e da dilatação dos vasos sanguíneos periféricos para liberar calor para o ambiente.
No entanto, em temperaturas muito altas, especialmente quando atambém está úmido, o mecanismo de resfriamento do suor pode se tornar ineficaz, levando ao superaquecimento corporal, insolação e possíveis danos aos órgãos.
Outro risco, alerta o médico, é a desidratação devido ao aumento da sudorese.
A depender da temperatura, complementa o médico Alexander Daudt, os sinais vão de câimbra (por falta de eletrólitos, eliminados no suor), a sede intensa e fadiga.
"Outros sintomas mais graves, como tontura, náuseas ou vômitos também podem aparecer. Se a pessoa não conseguir aliviar esse calor, o quadro pode evoluir para choque térmico, com confusão mental, convulsões, e seguindo para a falência de múltiplos órgãos e óbito", explica ele, que é coordenador do Núcleo de Medicina de Estilo de Vida do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
De acordo com o relatório do The Lancet, nos últimos 20 anos o aumento da mortalidade relacionado com o calor excessivo em pessoas com mais de 65 anos aumentou em 53,7%.
Apenas na Europa, em 2022, ocorreram 61.672 mortes atribuíveis ao calor entre 30 de maio e 4 de setembro de 2022, segundo uma análise recente publicada na Nature Medicine.
Os riscos são maiores para pessoas com comorbidades, pessoas idosas, especialmente aquelas com saúde fragilizada, crianças (por ainda estarem com o organismo em formação), trabalhadores que precisam se expor ao sol (como vendedores ambulantes), e aqueles que fazem uso de medicações que por algum motivo os tornem mais vulneráveis ao calor.
"É o caso de pacientes que tomam remédios diuréticos, por exemplo. Eles naturalmente já perdem mais água, e precisam de cuidado extra com hidratação", aponta Daudt.
Há cuidados também a tomar para proteger os pets do calor extremo. Getty Images
Como se proteger do calor intenso
"A palavra de ordem é hidratação, que deve ser feita principalmente pela ingestão de líquidos. Também é indicado hidratar a pele, com cremes, as narinas, com soro fisiológico, e os olhos, com colírio. Essas partes do corpo também são afetadas", diz Albanaz.
Abaixo, destacamos dicas oferecidas pelos especialistas consultados na reportagem e divulgadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde):
Mantenha sua casa fresca
· Tente manter a temperatura abaixo de 32°C durante o dia e 24°C à noite, especialmente para crianças, idosos e pessoas com problemas de saúde crônicos;
· Use o ar noturno para resfriar sua casa, abrindo janelas e persianas durante a noite;
· Reduza a carga de calor interna fechando janelas expostas ao sol, desligando dispositivos elétricos e pendurando cortinas.
Evite o calor
- · Procure os lugares mais frescos da casa, especialmente à noite;
- · Se a sua casa não estiver fresca, passe algumas horas por dia em locais com ar-condicionado, como edifícios públicos;
- · Evite sair durante as horas mais quentes do dia e atividades físicas extenuantes.
Mantenha-se hidratado e fresco
- · Tome banhos frios e use compressas frias para aliviar o calor;
- · Vista roupas leves e largas, incluindo chapéu e óculos de sol;
- · Beba água regularmente e evite álcool e cafeína, que contribuem para desidratação.
Ajude outros
- · Verifique familiares, amigos e vizinhos vulneráveis;
- · Certifique-se de que todos em sua família saibam o que fazer em caso de calor extremo;
- · Se tiver animais domésticos, evite passeios nos horários mais quentes.
Cuidados em caso de mal-estar
- · Procure ajuda se sentir tontura, fraqueza, sede intensa ou dor de cabeça;
- · Beba água ou suco para se reidratar;
- · Em casos graves, como delírio, convulsões e inconsciência, chame ajuda médica imediatamente;
- · Leve a pessoa para um local fresco, deite-a, eleve as pernas e inicie o resfriamento externo com compressas frias;
- · Não dê medicamentos sem orientação médica.
Por que as temperaturas têm atingido altas
As temperaturas do planeta vêm se elevando nas últimas décadas.
Especialistas apontam que esse fenômeno, conhecido como aquecimento global, é causado pelo acúmulo crescente de dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera, graças à queima de combustíveis fósseis e ao desmatamento.
Quanto maior a quantidade de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera, pior o impacto para a vida na Terra.
Esses gases são responsáveis por absorver a radiação solar refletida pela superfície do planeta, o que faz com que o calor fique retido na atmosfera.
Assim, o mundo fica cada vez mais quente, acelerando mudanças climáticas e aumentando o risco de eventos climáticos extremos, como as ondas de calor intensas vistas agora no Hemisfério Norte, além de incêndios naturais, monções e enchentes.
Frequência das ondas de calor em diversas regiões do mundo preocupa cientistas. Getty Images
Com as temperaturas aumentando em toda a Terra, há, segundo os especialistas, duas palavras de ordem: mitigação e adaptação.
A mitigação envolve medidas a longo prazo para proteger o planeta.
Na edição de 2022 da Conferência das Partes, encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, quase 200 países assinaram o compromisso de tentar garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
O objetivo do acordo é reduzir as emissões muito rapidamente, diminuindo-as em 50% até 2030, e alcançar emissões líquidas zeradas dos gases de efeito estufa antes da metade do século, seguido pela remoção significativa de dióxido de carbono da atmosfera na segunda metade do século.
"No entanto, não estamos caminhando nessa direção, pois as emissões em 2022 foram as mais altas registradas desde o final do século 18, com a evolução industrial, principalmente crescendo muito nos últimos 50 a 60 anos em todo o mundo", avaliou o climatologista Carlos Nobre, ex-presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, em uma reportagem da BBC News Brasil publicada em julho.
"Portanto, a situação do clima é extremamente arriscada, mesmo que tenhamos sucesso total no acordo de Paris [acordo prévio que foi aperfeiçoado na COP26]" (BBC Brasil, 13/11/23)
Alerta vermelho para onda de calor é ampliado até 6ª (17) em todo o país
Instituto Nacional de Meteorologia mantém aviso de grande perigo com temperaturas 5ºC acima da média.
O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) emitiu nesta segunda-feira (13) um novo aviso prolongando até sexta-feira (17) o alerta vermelho para a onda de calor que atinge praticamente todo o país —principalmente, as regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Segundo o instituto, o panorama atual é de grande perigo para a saúde das pessoas, uma vez que as temperaturas estão pelo menos 5°C acima da média por um período maior do que cinco dias.
A meteorologista do Inmet Márcia Seabra destaca que o nível atual já é o máximo praticado pelo instituto no que se refere ao calor. O primeiro é o amarelo, o segundo, laranja, e o terceiro, o vermelho. O aviso é válido para todo o Brasil.
"Pelo menos até sexta-feira esse panorama vai se manter. A partir de sábado já existe uma situação de mudança do tempo com a chegada em algumas regiões de uma mudança atmosférica que estamos acompanhando, mas pode ser que a onda de calor ainda permaneça", diz Seabra.
A área em que vale o alerta vermelho engloba todo o centro do país, ficando sobre as regiões Centro-Oeste e Sudeste, para também alcançando parte das demais. Grande parte do Nordeste ainda está em alerta amarelo, assim como o Acre e parte do Amazonas. Já os estados do Sul estão em alerta laranja.
DEFESA CIVIL DE SP RENOVA ALERTA DE CALOR INTENSO
Nesta segunda, a cidade de São Paulo voltou a ter o dia mais quente do ano. De acordo com o Inmet, houve o registro de 37,4°C às 15h na estação meteorológica do mirante de Santana, na zona norte da capital paulista.
Na estação meteorológica do Inmet em Interlagos, na zona sul, o calor foi ainda maior, com 38,5ºC, também às 15h. Na Vila Mariana, zona sul, os termômetros chegaram a 39,5ºC. Na Mooca, zona leste, bateram 39,3ºC.
No fim da tarde, a Defesa Civil do estado emitiu um alerta confirmando o aviso do Inmet e informando que as temperaturas devem se manter altas devido à permanência da massa de ar quente sobre o estado.
De acordo com órgão estadual, entre esta terça (14) e quinta-feira (16) a temperatura na região metropolitana de São Paulo e em São José dos Campos deve ter máximas de 39°C, com sensação térmica de 40°C.
Na Baixada Santista e nas regiões do Vale do Ribeira e Itapeva, as máximas serão de 36°C. No litoral norte, Barretos, Franca, Ribeirão Preto, Araraquara e Bauru, a temperatura baterá em 40°C. Em Sorocaba e Campinas, chegará a 38°C, enquanto que Presidente Prudente, Marília, São José do Rio Preto e Araçatuba terão máximas de 42°C.
Somente na serra da Mantiqueira o calor ficará um pouco mais ameno, nos 29°C, devido ao clima de montanha.
Nessas regiões (com exceção da área litorânea), a umidade do ar ficará muito baixa, na casa dos 30%, o que exige cuidado das pessoas, com muita ingestão de líquidos e evitando atividades ao ar livre nos momentos mais quentes (Folha, 14/11/23)
Onda de calor é acentuada por bloqueio atmosférico, El Niño e mudança climática
Zona de alta pressão impede a chegada de chuvas que ajudam a baixar temperatura.
Ondas de calor como a que atinge diversas regiões do Brasil com alta de temperaturas de até 5ºC têm sido reforçadas por um bloqueio de pressão atmosférica, pelo El Niño e por mudanças climáticas. O país vive a oitava onda do tipo de 2023, e está sob aviso até a próxima sexta-feira (17).
A principal característica da atual onda é a extensão da zona de alta pressão atmosférica, que vai do norte da Argentina ao sul da Amazônia e impede a chegada de frentes frias a essas áreas.
O El Niño, caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico equatorial, também afeta a circulação de massas de ar, intensificando a permanência de ar quente e seco em parte do país.
Por outro lado, segundo especialistas, a frequência de eventos extremos aponta o rastro de mudanças climáticas na intensidade de chuvas e do calor.
Para grandes cidades como São Paulo, fatores locais como materiais que absorvem o calor em ruas, edifícios e equipamentos públicos criam as ilhas de calor no microclima municipal. A capital bateu novo recorde do ano nesta segunda-feira (13), com 37,4°C.
De acordo com o meteorologista Marcelo Seluchi, do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), a extensão e a duração da zona de alta pressão retroalimentam o calor e a permanência do ar seco. "A energia do sol é consumida em duas coisas: aumentar temperatura e evaporar água do solo. Com um solo pouco úmido, porque ainda não estamos na estação chuvosa, a maior parte vai para a temperatura."
Seluchi, que coordena a área de operações e modelagem do centro, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, se refere ao fato de a primavera ainda ser uma estação de transição, antes da chegada do verão, mais chuvoso.
Sem chuva, também não há o alívio momentâneo das temperaturas. O papel do El Niño é justamente reforçar esse bloqueio com a mudança de correntes de ar, a partir do aquecimento das águas que também altera a circulação na atmosfera, que mantêm frentes frias estacionadas na região Sul. Isso ajuda a explicar a grande quantidade de chuva na região, que tem enfrentado desastres ao longo do ano.
"Nos primeiros 12 dias de novembro na região de Porto Alegre [RS], já tivemos, neste ano, 147,6 milímetros e provavelmente veremos esta semana mais chuvosa", diz o meteorologista Guilherme Borges, da empresa Climatempo. Ele aponta que a média na capital gaúcha do Inmet para o mês é de 105 milímetros.
Os indícios de efeitos das mudanças climáticas, segundo Borges, já estão comprovados. "Desde 1950 vivemos um ciclo de aquecimento potencializado pelas emissões de gases de efeito estufa."
Esse cálculo, segundo Micael Amore Cecchini, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, é feito por meio dos estudos de atribuição. "Se formos medir só a temperatura, não conseguimos separar o joio do trigo. Vamos mudando os modelos e tiramos, por exemplo, o CO2 da atmosfera, ou cobrimos o mundo de cidades. Nesse sentido, os estudos já mostram que teríamos uma época 'mais fria' na média."
Assim, um planeta mais aquecido tende a ver efeitos mais acentuados de fenômenos atmosféricos, como o El Niño, ou mesmo o La Niña, que é marcado pela situação contrária. "É como uma onda que vai para cima e para baixo. As mudanças climáticas aumentam os extremos dessa onda", diz Cecchini (Folha, 14/11/23)