Os caminhos para o Brasil liderar produção de alimentos no mundo
COLHEITA DE SOJA Foto Blog Jornal O Noroestes
Por Vinícius Alves, g1 Ribeirão Preto e Franca
País tem EUA, China e Índia como principais concorrentes no setor alimentício, mas especialistas ouvidos pelo g1 comentam o que está sendo feito para ampliar produtividade no campo. Precisão, capacitação e tecnologia: os caminhos para o Brasil liderar produção de alimentos no mundo
Legenda: Produção de milho na região de Guaíra, SP — Foto: Ronaldo Gomes/EPTV
Agricultura de precisão, capacitação do produtor rural e novas tecnologias são caminhos para o Brasil chegar ao topo da produção de alimentos no mundo, avaliam especialistas ouvidos pelo g1.
Embora o país seja o maior exportador mundial de alguns itens, como soja e carne bovina, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil ainda enfrenta a concorrência dos EUA, da China e da Índia em outros cultivos, como o arroz.
Na Agrishow 2022, uma das maiores feiras do setor de agronegócios da América Latina, realizada em Ribeirão Preto (SP), empresários dos ramos de irrigação, fertilizantes e tecnologia no campo, além de pesquisadores, analisaram o cenário brasileiro e apontaram soluções para o país avançar na produtividade.
É unânime a opinião de que as condições climáticas do Brasil favorecem a produção no campo. A avaliação deles é de que o país tem condições de fazer até três safras no ano enquanto outros países, principalmente do hemisfério Norte, são prejudicados, por exemplo, com invernos rigorosos.
Outro ponto apresentado pelos especialistas é que há, no mercado e nas pesquisas, soluções para aumento de produtividade sem a necessidade de ampliação das áreas de cultivo, ou seja, existe a possibilidade de melhoria na produção reaproveitando espaços já plantados.
A seguir, nesta reportagem, é possível ler sobre os seguintes itens:
- Safra recorde
- Irrigação ampliada e automação
- Os quatro 'Cs' da fertilização
- Capacitação de aplicadores de agrotóxicos
- Tecnologia no campo
1.Safra recorde
A última estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a safra de grãos 2021/2022, divulgada em abril, aponta que a produção no Brasil pode chegar a 269,3 milhões de toneladas.
É um valor considerado recorde, superando em 5,4% o total obtido na safra anterior, de 255,5 milhões de toneladas, que era a maior do país até então, mas é 6,7% menor do que as projeções anteriores por conta das condições climáticas, avalia a companhia.
Para Elísio Contini, pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas (Sire) da Embrapa, a safra de 2023/2024 pode ser ainda melhor em caso de melhores condições no tempo e também se houver melhora do cenário na guerra entre Rússia e Ucrânia, que afetou a demanda de fertilizantes para o Brasil.
No fim de abril, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que ao menos 27 navios russos estão a caminho da costa brasileira com carregamento de fertilizantes. Ele também falou que o Brasil vai atender ao pedido da Organização Mundial do Comércio (OMC) e vai produzir mais alimentos. Ele citou que ano após ano a produtividade na agricultura e na pecuária tem aumentado.
“Os agricultores, na próxima safra, muitos deles vão colocar menos fertilizantes porque o preço está muito alto. Em 2023/24 espero que se normalize mais e os preços possam baixar. Nada impede que a próxima safra seja ainda recorde. Na próxima safra, se não houver muita falta de fertilizantes, os preços continuarem subindo mais, podemos chegar, mesmo com essa dificuldade, a 280, 300 milhões de toneladas de grãos”, avalia Contini.
Legenda: Safra de grãos pode bater recordes no Brasil — Foto: Celso Junior/Estadão Conteúdo
Contini destaca que o produto-chave nos últimos anos é a soja, com produção prevista em 122,4 milhões de toneladas. Para ele, é uma cultura imbatível nem tanto para consumo direto, mas principalmente na produção de carne de suínos, aves, produção de ovos. Outro produto de grande potencial, para o pesquisador, é o milho, com estimativa de produzir 115,6 milhões de toneladas, superando o ciclo anterior em 32,7%.
O pesquisador da Embrapa também destaca a produção de frutas no país. Ele cita que o hemisfério Norte, no inverno, tem problemas na produção, o que não ocorre no Brasil.
“Nós temos um grande potencial na produção de frutas. Estamos exportando frutas frescas ao redor de um bilhão de dólares em 2021, furtas in natura, fora as laranjas processadas. A meta é dobrar a exportação de frutas frescas nos próximos dez anos. É uma parte da tecnologia que desenvolveu sistemas irrigados, variedades, que você pode produzir o ano inteiro em diversas regiões”, diz.
Por fim, Contini afirma que a Embrapa está propagando e difundindo a tecnologia de integração lavoura-pecuária, que é a produção de grãos em áreas degradadas para voltar para a pecuária, que já tem destaque no país, pois o Brasil é o maior exportador de carne bovina e também está entre os líderes na exportação de frango.
“Se você pegar toda área ao redor de 80 milhões de hectares de cultura, mais 160 milhões de pecuária, você pode produzir muito facilmente 500 milhões de toneladas de grãos e continuar produzindo a carne que você produz ou aumentar a carne de suínos, aves, que estão confinados, e melhorar significativamente o rendimento por hectares. Isso está acontecendo em muitas fazendas. É uma coisa que estamos caminhando”.
2.Irrigação ampliada e automação
Dados da Organização das Nações Unidades para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostram que o Brasil é o 6º país do mundo com maior área equipada para irrigação no mundo, ficando atrás de China, Índia, EUA, Paquistão e Irã.
Segundo o 2º Atlas Irrigação – Uso da água na agricultura irrigada, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a necessidade de captação de água para as lavouras, em 2019, correspondeu a 49,8% de toda a demanda nacional. Em comparação, o uso humano (rural e urbano) foi equivalente a 25,9%.
Pesquisas e especialistas apontam que o espaço para que a área irrigável no país cresça é de até 700%.
“Estamos em um ambiente propício, mercado nacional e externo fortes, com bons preços, e cabe ao agricultor, à política agrícola, às instituições de pesquisa e extensão para sermos a fazenda do mundo, como dizem por aí”, avalia Elísio Conti.
Legenda: Área irrigada no Brasil tem potencial para crescer 700% — Foto Ronaldo Gomes EPTV
Para Cristiano Trevizam, diretor de vendas da Lindsay, empresa especializada em irrigação com escritório em Campinas (SP) e fábrica em Mogi Mirim (SP), o segmento tem ganhado cada vez mais notoriedade entre os produtores rurais e aparece como uma das soluções para aumento da produtividade alimentícia do Brasil por conta de quatro fatores, já que a técnica possibilita expansão de área plantada sem necessidade de ampliação de outros espaços.
- Alta nos preços das commodities
- Alta nos preços das terras
- Alta do dólar
- Instabilidades climáticas: falta de chuva ou chuva em excesso
“Você consegue, com a irrigação, fazer ciclos maiores de lavoura. Uma área irrigada você consegue, em situações normais, aumentar em até seis vezes a produtividade do que em uma área sequeira, porque você consegue ter ciclos mais constantes. Quem irriga faz três safras por ano. Quem não irriga tem que esperar o clima propício para fazer o plantio, a semeadura e depois a colheita".
Legenda: Pivôs de irrigação em lavoura na região de Guaíra, SP — Foto Ronaldo Gomes EPTV
Ainda de acordo com ele, a indústria de irrigação tem batido recordes e o agricultor está preocupado em implantar um sistema cada vez mais rápido e econômico na produção.
"Por exemplo, aqui em São Paulo a gente tem chuva intensa em janeiro, fevereiro e março, aqui em Ribeirão, inclusive. Só que a estiagem em maio, junho e julho a gente não tem água disponível. Quem irriga se preocupa em armazenar água para usar ao longo do ano. Então, o agricultor, além do pivô, vai fazer armazenagem, vai fazer captação", diz.
Na feira em Ribeirão Preto, a empresa apresentou um sistema que é capaz de otimizar a utilização da eletricidade e da água por meio da inteligência artificial, que é apontada como uma das alternativas para a ampliação da agricultura de precisão no país.
A máquina de irrigação da empresa toma a decisão de usar mais ou menos água com base no clima, podendo ser controlada por aplicativo de celular a qualquer distância. Além disso, o pivô pode ser adaptado para disponibilizar o recurso para diferentes cultivos em uma mesma área, possibilitando uma flexibilidade de culturas no mesmo espaço sem prejuízos.
“Se eu tenho uma lavoura de milho que eu preciso de seis milímetros de água e eu sei que vai chover daqui dois dias, o próprio sistema começa a desligar e a reduzir a quantidade de água porque ele sabe que vai ter uma chuva vindo, de forma automática. Então, você automatiza a tomada de decisão."
Legenda: Máquina de irrigação automatizada da Lindsay exposta na Agrishow 2022 em Ribeirão Preto, SP — Foto: Vinícius Alves/g1
3.Os quatro ‘Cs’ da fertilização
Se o Brasil se destaca na produção e na exportação de diversos alimentos é porque há uma boa fertilização do solo, aponta Samuel Bortolin, gerente de produtos da Mosaic Fertilizantes, que tem sede corporativa em São Paulo (SP).
De acordo com ele, pesquisas mostram que até 60% da produção de alimentos no país é decorrente da tecnologia de fertilizantes.
“A necessidade de aumentar a área [para plantar] não acontece, porque você aumenta a produção na mesma área, sendo sustentável, isso é uma base tecnológica que começa com uma boa genética de sementes, um bom manejo e um bom fertilizante”, diz.
Bortolin afirma que o uso dos fertilizantes ocorre há décadas, mas a evolução ocorre a todo instante, fazendo com o que o agricultor esteja sempre atualizado para não ficar para trás na cadeia produtiva de precisão.
“A gente fala em utilizar os quatro ‘Cs’: produto certo, na hora certa, no volume certo e da maneira correta de aplicar. Se o agricultor usa dessa forma os quatro ‘Cs’ ,você tem um alimento de qualidade que vai refletir na mesa do consumidor final. Com essa base dos quatro ‘Cs’ e a tecnologia que as empresas estão trazendo, concentrando mais produto, entregando mais produtividade, a gente está vendo um aumento gradual da produção agrícola do Brasil”.
Legenda: Uso correto de fertilizantes pode aumentar produtividade no campo — Foto: Jonatam Marinho
Uma das apostas da empresa em que ele trabalha é a produção de fertilizantes para a pastagem, que é a maior área produtiva do Brasil. Segundo Bortolin, embora grande, o espaço é muito degradado porque não recebe o mesmo investimento de áreas de cultura de grãos, por exemplo.
A nova tecnologia permite um caminho de produção para pecuária de baixo carbono e adubação adequada, fornecendo os nutrientes corretos para as plantas desenvolverem raízes mais profundas e raízes sadias. Isso também vai melhorar a alimentação dos bovinos, elevando a qualidade da carne produzida, segundo o gerente de vendas. O resultado, de acordo com Bortolin, pode ser visto já na mesma safra.
“A média do Brasil a gente fala em 50% a mais de carne-carcaça por hectares, isso comparado a médias de outros produtos, e chega a mais de 100% se comparado a não utilização dos produtos. Então, realmente tem um impacto gigantesco quando você usa tecnologia de forma correta. Você consegue duplicar a produção da mesma área. Isso é sustentabilidade na veia”.
Legenda: Fertilizantes da Mosaci Fertilizantes na Agrishow 2022 em Ribeirão Preto, SP — Foto: Vinícius Alves g1
4.Capacitação de aplicadores de agrotóxicos
Não é só o bom uso de fertilizantes que pode aumentar a produção nas lavouras do país. O uso consciente de defensivos agrícolas, os agrotóxicos, também é um caminho importante, segundo Hamilton Ramos, diretor do Centro de Engenharia e Automação (CEA), do Instituto Agronômico (IAC), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Os defensivos são usados no campo para combate a pestes e pragas que podem prejudicar as plantações. Em 2021, o Brasil liberou 562 agrotóxicos, maior número da série histórica iniciada em 2000 pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O volume foi 14% superior ao de 2020, quando 493 pesticidas foram autorizados e os registros estão em crescimento desde 2016.
Para Ramos, conforme a aprovação dos novos produtos químicos avança no país, maior é a necessidade de capacitação dos aplicadores, pois a produtividade pode aumentar sem que o meio ambiente seja prejudicado.
“O Brasil tem evoluído muito nisso. Nós, dentro do IAC, temos o Aplique Bem, por exemplo, que está fazendo 15 anos agora, e já treinou 76 mil pessoas em nível de Brasil. Nossos indicadores de qualidade não são o número de pessoas treinadas. Nosso indicador de qualidade é quanto o nosso treinamento, a informação que nós estamos levando, está sendo eficiente em mudar o comportamento do agricultor”, diz.
Legenda: Programa "Aplique Bem" foca na capacitação de pequenos e médios produtores para o uso correto dos defensivos agrícolas — Foto Divulgação Agrishow
O pesquisador também cita que o Ministério da Agricultura, em março deste ano, lançou o programa Aplicador Legal, com o objetivo de levar aos aplicadores, de grandes e pequenas áreas, formação sobre o bom uso dos agrotóxicos. O conteúdo programático já foi apresentado.
As novas diretrizes do ensino, no entanto, ainda devem ser informadas ao longo dos meses. A meta do ministério é formar dois milhões de trabalhadores até 2026.
“Qual é o principal problema de uma má aplicação? Você não tem um controle adequado da praga. Ou você perde em produtividade ou você tem que fazer mais aplicações por ciclo para ter a mesma produtividade Então, se você faz uma boa aplicação, você economiza, por exemplo, uma aplicação por ciclo, o produtor ganha porque o rendimento dele ganha, o custo dele cai e você melhora a qualidade da produção”.
Legenda: Hamilton Ramos, diretor do Centro de Engenharia e Automação (CEA), do Instituto Agronômico (IAC), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo — Foto: Vinícius Alves/g1
- Tecnologia no campo
A agricultura de precisão é cada vez mais citada no agronegócio. O termo consiste em apresentar soluções capazes de otimizar o trabalho do agricultor, aumentando a produtividade e evitando desperdícios.
Líder de novos negócios da Bayer para a América Latina, com escritório em São Paulo, Mateus Barros analisa que o Brasil é um exemplo de sucesso em tecnologia no agronegócio. Na visão dele, houve um importante avanço nos últimos 20 anos no setor de pesquisa e desenvolvimento de projetos inovadores.
“O Brasil conseguiu um triângulo, três pontos fundamentais: uniu o governo, que fez o básico. Você tem, por exemplo, a Embrapa, que hoje é um dos principais difusores tecnológicos do Brasil. O Brasil formou ecossistema de universidades em agricultura muito efetiva, com faculdades de qualidade para formar profissionais, e o Brasil abriu muito espaço no ambiente jurídico para investimento da iniciativa privada”, explica.
Tecnologia no campo pode aumentar produtividade ao agricultor — Foto Érico Andrade g1
A empresa em que ele trabalha tem apostado em projetos como consultorias aos agricultores com base de dados captados por plataformas digitais e no monitoramento por satélite para mapear as áreas da fazenda, identificando áreas que mais e menos produzem.
Os projetos combinam sensores e softwares que acumulam dados, processam de dentro da fazenda e ajudam o agricultor a interpretar o que ele está produzindo em cada metro quadrado. O relatório pode sair em tempo real ou, em caso de falta de conectividade no campo, quando ele estiver em algum lugar com internet.
“Quando ele tem todas as informações dele relacionadas à operação do plantio, somadas às operações de pulverização e depois ele termina isso com o entendimento do metro quadrado, quanto ele está produzindo por hectare ele combina tudo isso, ele começa a entender as variações. ‘Essa variedade, esse tipo de semente, produziu X ou Y e ele consegue entender a causa raiz de não estar produzindo de maneira eficiente”.
Software da Bayer gera relatórios e indica áreas que produzem mais e que produzem menos ao agricultor — Foto: Vinícius Alves/G1
Barros ainda cita que as correções na produção podem ser feitas já na safra seguinte. “Ele percebeu, às vezes, numa única fazenda, áreas que produziam 100 sacas por hectare e poucos metros depois, 50 metros por hectare e a gente ajudou a entender o porquê dessa diferença. O que ele fez na safra seguinte? Ele corrigiu esse delta e no próximo ano ele pegou esses 50 e elevou para o mesmo patamar de 100”, diz g1 (G1, 9/5/22)