08/07/2024

País tem presos políticos e a solução é escondê-los e não falar do assunto

País tem presos políticos e a solução é escondê-los e não falar do assunto

Ex-assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins, está preso por ordem de Alexandre de Moraes. Foto  NIlton Fukuda Estadão

Por J.R, Guzzo

Filipe Martins está sendo acusado de ter feito uma viagem que não fez, e que provou que não fez; há outros detidos ilegalmente.

 

Quando a verdade é substituída pelo silêncio, o silêncio torna-se uma mentira. A sentença passada pelo poeta Yevgeny Yevtushenko contra a Rússia soviética, onde o método para esconder os crimes do governo era não falar neles, tem sido há mais de 60 anos um aviso contra a hipocrisia das ditaduras. Pode parecer chocante dizer que essa condenação se aplica ao Brasil de hoje, mas a realidade mostra que também aqui tenta-se esconder fatos fazendo de conta que eles não existem. Quais fatos? Muitos, mas há um especialmente infame. O Brasil tem presos políticos – e a solução do mundo oficial para fingir que não tem é simplesmente não falar do assunto.

 

Não se trata de uma teoria, ou de consideração política. É, unicamente, a utilização do vocabulário correto para descrever fatos que são de pleno conhecimento público. O ex-assessor presidencial Filipe Martins, para se ficar num dos exemplos mais notórios, é um preso político. Está encarcerado há quase cinco meses em Curitiba sob a acusação de ter viajado para os Estados Unidos, com o ex-presidente Jair Bolsonaro e com más intenções – mas a polícia e o ministro Alexandre de Moraes não conseguiram, depois desse tempo todo, apresentar sequer um fiapo de prova de que tenha feito a viagem, ou de que estivesse dando um golpe de Estado.

 

Ao contrário: sua defesa provou que Martins viajou para Curitiba quando, segundo a polícia, estava em Orlando. Nenhum dos seus apelos judiciais é admitido. Moraes prorroga as investigações a cada vencimento dos prazos legais. É a prisão preventiva sem data definida para acabar.

 

Se isso não é uma prisão política, pois não há nenhuma razão legal para ser mantida, então o que seria? Tudo bem: Martins pode ser um bolsonarista extremo, mas ele não está sendo acusado de ser um bolsonarista extremo. Está sendo acusado de ter feito uma viagem que não fez, e que provou que não fez. Por que continua preso?

 

Outro preso político óbvio é o ex-diretor da Polícia Rodoviária do governo anterior, Silvinei Vasques. Está na cadeia há quase um ano, sem denúncia do MP, sem julgamento, sem qualquer prova contra si e à disposição do ministro Moraes. De novo: Vasques pode ser o pior tipo de bolsonarista-raiz, mas está sendo acusado de dificultar a circulação de ônibus com eleitores de Lula em 2.022 - e o próprio Moraes, na ocasião, decidiu que não tinha havido interferência nenhuma na eleição.

 

Há, na verdade, dezenas de pessoas presas ilegalmente no Brasil – barbeiros, motoboys, operários, professoras com mais de 60 anos, gente miúda de todos os tipos. O regime diz que são presos comuns. Pode ser. Em Cuba também não há presos políticos (Estadão, 7/7/24)