26/05/2025

Países relatam temor por estrutura e cogitam até desistir da COP-30

Países relatam temor por estrutura e cogitam até desistir da COP-30

COP-30 em Belém: cartas de embaixadas expõem medo por estrutura, preço alto e risco de desistência. Documentos obtidos pelo ‘Estadão’ revelam preocupações sobre acomodação e custos de diárias; Planalto e governo do Pará dizem atuar para ampliar opções de hospedagem.

Chefe da COP diz que China pode substituir EUA em debate climático: 'Faz mais do que declara'. Foto Divulgação

 

Telegramas trocados entre o Palácio do Itamaraty e diversas embaixadas do Brasil ao redor do mundo, aos quais o Estadão teve acesso, expõem as preocupações de países que pretendem participar da 30ª Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), em Belém.

 

Lideranças de China, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca e Noruega têm expressado ao governo brasileiro temores sobre a infraestrutura para receber as comitivas oficiais e representantes da sociedade civil. Ao Estadão, a Embaixada norueguesa no Brasil disse que poderá até reduzir o tamanho da sua delegação.

 

Em nota, o Palácio do Planalto e o governo do Pará dizem atuar em parceria para ampliar opções de hospedagem. O Estado cita o incentivo à reforma de hotéis e as obras para quatro novas unidades, a adaptação de escolas que funcionarão como hostel e vagas em navios (leia mais abaixo).

 

Os telegramas, trocados entre janeiro e abril, foram obtidos pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação (LAI). A 1ª COP no Brasil, que será entre 10 e 21 de novembro, já desperta críticas diante da saturação das vagas locais em hotéis.

Capital do Pará receberá a COP-30 em novembro. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

 

A embaixada do Brasil em Oslo repercutiu em abril reportagem de um jornal local sobre elevados preços de hospedagem em Belém.

 

Ao Estadão, o embaixador norueguês no Brasil, Odd Magne Ruud, diz que os “altos custos para participar da conferência em Belém são motivo de preocupação”. Aponta ainda “risco real de que muitos países e representantes da sociedade civil não consigam arcar com os custos de participação”.

 

O diplomata escandinavo acrescenta que “poderá ajustar o tamanho de sua delegação, caso seja necessário, para reduzir os custos com o evento”. A Noruega é a maior doadora do Fundo Amazônia, que apoia projetos para a preservação da floresta.

 

Chineses reclamam do preço dos hotéis

 

A embaixada do Brasil em Pequim registrou em telegrama que representantes do Ministério de Ecologia e Meio Ambiente da China questionaram uma série de pontos sobre a infraestrutura na COP-30.

 

“Afirmaram que têm encontrado grande dificuldade em reservar hotéis, os quais apresentam baixa disponibilidade e preço muito elevado”, relata a embaixada.

 

Com a decisão de Donald Trump de tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, recai sobre a China, maior poluidora global, a expectativa de mais protagonismo no debate climático.

 

Em abril, o presidente da COP-30, embaixador André Corrêa do Lago, visitou Pequim e convidou o representante da China para o clima, Xie Zhenhua, para atuar como um dos enviados especiais da conferência - espécie de mobilizador da agenda na região.

Procurada pela reportagem, a embaixada chinesa não falou.

 

Plataforma para gerir leitos ainda não saiu do papel

 

Diretora-geral de política europeia e internacional do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, Eva Kracht “manifestou preocupações quanto aos aspectos logísticos em Belém”, diz telegrama à embaixada do Brasil em Berlim, de janeiro. A carta indica ser esse o receio do governo local e de entidades da sociedade civil.

 

Já o diretor do Departamento de Energia e Clima da Federação das Indústrias Alemãs, Carsten Rolle, mostrou receio com a falta de esclarecimentos sobre logística, “particularmente em termos de hospedagem”. Ele também quis saber se o seu país terá pavilhão próprio no evento, como nas edições anteriores.

 

A Embaixada alemã disse que “não existe declaração da Sra. Kracht em que esta tenha manifestado preocupações relativamente ao alojamento em Belém” e afirmou estar otimista com o evento.

 

Em março, o secretário extraordinário para a COP-30, Valter Correia, se reuniu com 103 embaixadas para prometer estrutura adequada na conferência. E afirmou que uma plataforma de gerenciamento de leitos estaria disponível “nas próximas semanas”. Até agora, porém, a plataforma não foi lançada.

 

Na terça-feira, 20, a menos de seis meses da COP-30, o governo divulgou com atraso a contratação da empresa Bnetwork para operar o site. A empresa já atuou nas duas conferências anteriores.

 

A organização da COP-30 afirmou que o funcionamento da plataforma depende da conclusão do processo de inventário da capacidade de hospedagem de Belém, que está sendo feito em parceria com governos locais e o setor de turismo.

 

A embaixada do Brasil em Copenhague relatou, também em janeiro, que na mídia local a embaixadora da Dinamarca no Brasil, Eva Pedersen, apontou “desafios logísticos de Belém e impasses na negociação da COP-29 em Baku, como ponto de partida difícil para garantir sucesso na COP-30”.

 

A Embaixada dinamarquesa afirma que “não comenta questões relativas ao planejamento logístico” de sua delegação e aponta o Brasil como parceiro nas discussões climáticas.

 

Falta de informações desanima empresários britânicos

 

O CEO da Climate Action, entidade voltada para ações do setor privado pela sustentabilidade, Nick Henry, é mencionado pela embaixada do Brasil em Londres ao compartilhar temores do empresariado.

 

Conforme a carta de março, Henry relatou “que vários CEOs e representantes do setor privado estariam considerando desistir da participação devido à falta de acomodação”. O texto cita queixas para ter informações sobre “a disponibilidade de hospedagem alternativa, como cruzeiros, escolas e vilas militares”.

 

Ao Estadão, a Embaixada britânica expressou “confiança de que o governo brasileiro tem capacidade de organizar uma conferência impactante”.

Governo estima que 50 mil pessoas passem por Belém nas duas semanas de evento. Foto Tiago Queiroz Estadão

 

Governo diz que variações nos preços são comuns

 

Nos telegramas, os países expõem a compreensão de que a COP em Belém tem significado especial, por ocorrer logo após 2024 ter sido o primeiro ano com temperatura média global acima de 1,5ºC do nível pré-industrial.

 

Além disso, neste ano haverá a primeira revisão das metas de corte de emissão de gases de efeito estufa do Acordo de Paris, pacto global contra a crise climática.

 

Mas a infraestrutura precária pode atrapalhar, já que a escassez de acomodações ou de recursos faz com que algumas nações reduzam o número de enviados, optando por temas em que atuarão e outros que ficarão descobertos.

 

“Se tiver ótima infraestrutura de COP, isso não garante que o resultado será bom. Mas se tiver infraestrutura deficiente, pode prejudicar a conferência”, afirma Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

 

Como o Estadão mostrou, a escassez de oferta de acomodação tem elevado o preço de diárias à casa dos milhões de reais. Em abril, a organização da COP-30 divulgou que Belém tem capacidade de cerca de 36 mil leitos. O número leva em conta acomodação em hotéis, aluguel por temporada, e navios de cruzeiro.

 

Pela estimativa, apenas 14 mil leitos são da rede hoteleira de Belém e os demais incluem a região metropolitana, como Ananindeua, Barcarena e Castanhal. O governo estima cerca de 50 mil participantes em Belém.

 

Em nota, o governo do Pará diz que a “alta demanda por hospedagem” na COP-30 “pode provocar variações nos preços, dinâmica comum em cidades que sediam eventos de grande porte no Brasil e no mundo”.

 

Além das reformas e construção de hotéis, ressalta ter assinado “protocolos de cooperação com plataformas de hospedagem para o aumento da oferta de leitos na modalidade de aluguel por curta temporada”.

 

Já os navios do tipo cruzeiro serão contratados pelo governo federal, que afirma criar “soluções para hospedagens de diversos padrões”.

 

Ausência dos EUA

 

Nos documentos trocados também consta a avaliação de que a provável ausência de enviados da Casa Branca possa ser compensada com a participação de entes subnacionais, como o governo da Califórnia, por exemplo.

 

Em janeiro, Trump anunciou a saída do Acordo de Paris. Ao Estadão, Corrêa do Lago, que preside a COP-30, chamou a decisão de “baque considerável”. Mas ponderou que há engajamento de setores relevantes além de Washington.

 

“Os Estados Unidos não são apenas o governo americano. São as universidades, os Estados, as empresas, toda a parte de pesquisa americana”, disse na época.

 

Não é a primeira vez que os Estados Unidos ficam de fora, pois o mesmo ocorreu na primeira gestão Trump (2017-2021). “Não acho que a conferência vai parar e que os acordos deixarão de ser assinados porque os Estados Unidos não estão”, prevê Astrini, também colunista da Rádio Eldorado, do Grupo Estado (Estadão, 25/5/25)