07/10/2020

Pandemia acelera planos para feiras virtuais do agronegócio do Brasil

Pandemia acelera planos para feiras virtuais do agronegócio do Brasil

Legenda: A feira online promovida pela Coopercitrus elevou o faturamento em mais de 30% ante o evento presencial do ano passado (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

Cerca de seis meses depois de a pandemia de coronavírus começar a impedir a realização de grandes feiras agropecuárias no Brasil em 2020, os organizadores desses eventos indicam já ter encontrado uma saída para evitar que este se torne um ano perdido: levar os encontros do campo para a internet.

Além disso, as medidas de isolamento aceleraram um processo de digitalização que ainda passava por discussões entre os responsáveis pelas feiras, que indicam que o modelo veio para ficar, considerando os primeiros bem-sucedidos eventos virtuais.

A feira online promovida pela Coopercitrus elevou o faturamento em mais de 30% ante o evento presencial do ano passado, um movimento em linha com o comércio eletrônico, que tem crescido na faixa de dois dígitos de forma geral durante a pandemia.

Com o agronegócio sendo um dos setores da economia que tem crescido apesar da crise, outras iniciativas estão se desenvolvendo.

Uma das maiores feiras do setor na América Latina, a Agrishow, que acontece anualmente em Ribeirão Preto (SP), teve em junho sua edição de 2020 adiada para o próximo ano em função da pandemia, mas encontrou no mundo virtual uma saída para ao menos amenizar a não realização neste ano.

Em meados de setembro, a feira promoveu a Agrishow Experience, evento de cinco dias com uma série de entrevistas, webinars e conteúdos para o agronegócio, em uma espécie de “rede social” que abordou desde insumos e máquinas, dois clássicos das feiras físicas, até temas de tecnologia e inovação.

Embora não tenha sido desenhada para absorver os tradicionais negócios do evento físico, que movimentou quase 3 bilhões de reais em 2019, a Informa, empresa que organiza a Agrishow, acredita que o contato entre os participantes tenha contribuído para negociações externas à plataforma digital, e admite que no futuro o escopo na rede pode ser ampliado.

“Atualmente a plataforma não possui a funcionalidade transacional… (Mas) o comportamento digital das pessoas tem mudado muito atualmente e amanhã isso pode fazer mais sentido e, assim, termos essa funcionalidade inserida à plataforma”, disse a Informa em nota em resposta a questões enviadas pela Reuters.

A companhia afirmou considerar que os ambientes físico e virtual não são excludentes, mas sim complementares, e garante que para um evento com objetivos diferentes da feira tradicional, a Agrishow Experience teve resultado expressivo e repercussão positiva.

Outros membros do setor, por sua vez, decidiram apostar na realização 100% online da própria feira virtual, mantendo as metas de realização de negócios e relacionamento. É o caso da cooperativa Coopercitrus, que criou um ambiente virtual reproduzindo em 3D e 360º a versão física da Coopercitrus Expo e migrou todo o evento para o mundo digital, permitindo que o visitante “caminhasse” pelos estandes e realizasse transações pela própria plataforma.

O resultado da feira virtual, realizada no final de julho, surpreendeu positivamente. Se antes do evento a equipe da cooperativa falava em movimentar 800 milhões de reais em negócios, valor levemente inferior ao da feira física de 2019, na prática as negociações concretizadas na internet superaram a casa de 1,1 bilhão de reais.

“Foi um evento que conseguimos colocar dentro dele tudo o que está ligado à cadeia de produção agropecuária… É óbvio que o que o pessoal sempre espera de uma feira é ter negócios, e a gente conseguiu ter 15% a mais de volume de negócios do que tinha em uma feira física”, disse à Reuters o CEO da Coopercitrus, Fernando Degobbi.

Ele acrescentou que pouco menos de 100 mil pessoas se cadastraram no site e visitaram o evento, incluindo produtores distantes, que possivelmente não participariam da feira física.

“Desde de aquela pessoa que está no sítio e colocou internet, aquele que está na loja, até um cooperado que mora em Londres, que tem café aqui em Monte Santo de Minas (MG). Foi extremamente abrangente e democrático”, conta Degobbi.

Os segmentos de fertilizantes e defensivos agrícolas lideraram com folga os valores negociados no novo ambiente da Coopercitrus Expo, ultrapassando juntos a marca de 700 milhões de reais. Mas a área mais visitada foi a batizada de Espaço dos Especialistas, que ofereceu plantões focados em temas como agricultura de precisão e tecnologia.

De acordo com Degobbi, isso forneceu à cooperativa a noção de que o produtor possui uma demanda elevada para entender como as novas tecnologias que avançam pelo agronegócio podem melhorar o processo de produção.

Diante disso, a entidade já prepara um novo evento totalmente online para o final deste mês: entre 26 e 30 de outubro, ocorrerá a Semana de Tecnologia e Inovação da cooperativa.

Veio pra ficar

Em comum entre Agrishow e Coopercitrus, duas certezas: a de que a pandemia acelerou todos os planos de utilização do ambiente virtual e a de que, coincidentemente, o mundo online veio para ficar.

A Informa, organizadora da Agrishow, disse que já vinha discutindo a realização de eventos híbridos, que utilizam meios físicos e digitais, mas acrescentou que “é claro que a pandemia acelerou esses planos.”

Legenda: Em comum entre Agrishow e Coopercitrus, duas certezas: a de que a pandemia acelerou todos os planos de utilização do ambiente virtual e a de que, coincidentemente, o mundo online veio para ficar (Imagem: Facebook/ Agrishow)

“Mesmo quando os eventos físicos retornarem, os virtuais complementarão a agenda, conectando o fabricante e produtor rural o ano todo…”, afirmou a companhia.

Estados apostam no modelo

A plataforma digital também é uma aposta de feiras organizadas com apoio de governos estaduais e com âmbitos mais regionalizados.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, chegou ao fim no último domingo a Expointer Digital 2020, cuja edição física havia sido cancelada no início de julho.

Os promotores mencionaram, em comunicado, que a feira “marcou história” e terminou “com legado para próximas edições”. Em formato híbrido, com algumas atividades presenciais sem participação do público sendo transmitidas pela internet, a feira verificou mais de 70 mil acessos à sua plataforma.

“É uma certeza que vamos manter este formato híbrido para o ano que vem… Teremos uma Expointer em dobro (no próximo ano, com os formatos físico e digital)”, disse em nota o secretário da Agricultura gaúcho, Covatti Filho.

Mais ao norte, um dos pioneiros do país no negócio das feiras digitais foi o Estado de Tocantins, que decidiu utilizar a plataforma online para promover, ainda em maio, a Agrotins 2020, “no momento de um marasmo que a economia deu”, segundo autoridades locais.

O volume de negócios, de mais de 200 milhões de reais, ficou significativamente abaixo dos cerca de 2 bilhões de reais movimentados no evento físico do ano anterior, mas diante da situação econômica à época e da novidade representada pela feira online, o Estado considera que as expectativas foram cumpridas.

“Ele foi a primeira experiência, o primeiro resultado… Tivemos muito aprendizado. Orientamos várias outras feiras no Brasil inteiro, que começaram a buscar a Agrotins para saber como realizamos essa feira, os erros e acertos”, disse à Reuters o secretário de Agricultura do Estado, Thiago Dourado.

“Os produtores e as empresas querem que a Agrotins continue com a plataforma digital, mesmo que a gente volte para a plataforma física, então devemos sempre trabalhar com os dois canais institucionais sendo moldados, aperfeiçoando a plataforma digital”, afirmou o secretário (Money Times com Reuters, 6/10/20)