Para banco, acordo com UE não traz grandes mudanças para o agro
A líder da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, discursa em Montevidéu, durante a cúpula do Mercosul, para anunciar o fim das negociações entre Mercosul e União Europeia. Foto Mariana Greif - Reuters
Ganhos de acesso e de competitividade, porém, são importantes, afirma o Rabobank.
Todo ganho de acesso de mercado e aumento de competitividade são bem-vindos, mas a conclusão do recém-acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul não trará grandes mudanças para o agronegócio brasileiro.
A avaliação é de analistas do Rabobank, um banco especializado em agronegócios. Segundo eles, vários setores do agro ganharão vantagens competitivas na União Europeia com a redução de taxas de importação.
A abertura de cotas ou a redução de taxas, no entanto, está programada para ser implementada ao longo de vários anos, com ritmo lento de aumento de fluxo no intercâmbio comercial.
A ratificação do acordo, concluída no início deste mês, pode levar tempo para terminar. Há objeção de vários países, que se opõem à abertura do mercado europeu para produtos como carne bovina e frango.
Dados do Rabobank mostram que a União Europeia já é um mercado importante para as exportações do Mercosul, principalmente para o Brasil. De 2021 a 2023, o Brasil foi o principal exportador de produtos alimentícios e agrícolas para o bloco europeu, participando com 11% do total das importações desses produtos feitas pelo bloco.
No topo da lista dos produtos brasileiros colocados no mercado europeu estão o complexo soja (soja em grão, farelo e óleo), café, carnes e suco de laranja.
Do total de produtos alimentícios e agrícolas importados pela União Europeia, 15,5% saíram do Mercosul. A participação maior é dos brasileiros, uma vez que os argentinos representaram 3,6% dessas importações dos europeus; os uruguaios, 0,4%; os paraguaios, 0,3%, e os bolivianos, 0,1%.
Já o Mercosul foi responsável pela aquisição de apenas 1,3% das exportações totais de produtos alimentícios e agrícolas da União Europeia nos três anos de 2021 a 2023. O Brasil foi destino de 1% desse volume, com destaque para as compras de óleos vegetais, bebidas, produtos de cereais e frutas.
Entre os destaques no acordo está a cota de carne bovina, que poderá resultar em exportações maiores para o bloco. Argentina e Uruguai serão os grandes beneficiários, segundo o banco. O Mercosul recebeu uma nova cota de 99 mil toneladas com tarifa reduzida de 7,5% e seis anos para a implementação. O Brasil terá 42 mil toneladas.
A tarifa de importação da chamada "cota Hilton", produto de alta qualidade, será reduzida de 20% para zero. O Brasil tem 10 mil toneladas das 67,2 mil do acordo, mas não vem conseguindo completar esse volume. A cota do Brasil é pequena, e os custos de implementação são elevados para esse volume. Já os rebanhos de gado de corte da Argentina e do Uruguai se aproximam mais dos do bloco europeu.
A cota de carne de frango é de 180 mil toneladas, das quais o Brasil deterá 72 mil. Sendo que o país já é um grande exportador dessa proteína para o bloco europeu —exportou mais de 200 mil toneladas nos últimos anos—, o acordo não permitirá um aumento significativo no volume total das exportações.
Uruguai e Paraguai poderão ser beneficiados. Os dois têm participação pequena, de 15% cada nas exportações da cota total, mas, com o novo tratamento tarifário, poderão ampliar as vendas nos seis anos de implementação. Eles têm 27 mil toneladas cada.
No caso da carne suína, a cota com tarifa é de 25 mil toneladas, que devem ser consolidadas em seis anos. Na avaliação do Rabobank, é um volume maior do que as exportações históricas do Mercosul para a União Europeia. É improvável que o fluxo futuro real da carne suína se aproxime da cota, uma vez que o bloco europeu continuará sendo um produtor competitivo dessa proteína.
Bom lembrar, segundo o banco, que a produção, a exportação e o consumo de carne suína vêm com tendência de queda desde 2022 na União Europeia.
O Brasil terá uma cota livre de tarifa de 180 mil toneladas de açúcar, que substituirá parte da existente, com imposto de € 98 por tonelada. Aumenta a competitividade do país, mas não resultará em maiores volumes de exportação.
O etanol terá mais acesso ao mercado europeu. A cota de 450 mil toneladas para o uso de produtos químicos, com taxa de importação zerada, e a de 200 mil para uso geral do produto, com taxa de importação reduzida, representa uma mudança significativa nos termos do acesso.
O suco de laranja se beneficiará com as reduções tarifárias. O suco com preço acima de € 30 por 100 kg terá tarifa reduzida de 12% para zero ao longo de sete a dez anos, dependendo da classificação. O suco com preço de € 30 ou menos terá tarifas reduzidas em 50%, em relação aos valores atuais.
O café solúvel, com a eliminação da tarifa de 9% ao longo de quatro anos, ganha mais competitividade. Os laticínios terão cotas tarifárias recíprocas, e o impacto provavelmente será limitado. Preço e câmbio vão interferir nesse mercado.
Os países do Mercosul poderão ter ganhos também na competitividade com frutas, onde estão previstas alíquotas zeradas ao longo dos próximos anos. Abacate, melão, melancia, maçã e uva de mesa estão nessa lista, segundo o relatório do Rabobank.
As negociações do acordo foram concluídas, mas os próximos passos podem ser complexos. A União Europeia pode dividir o acordo em um pacto comercial e em outra parte que aborde temas como regras para investimentos bilaterais.
Para a parte comercial ser mais rápida, serão necessárias as aprovações dos parlamentos nacionais, do lado do Mercosul, e o apoio de uma maioria simples dos membros do parlamento europeu e de uma maioria qualificada de governos do bloco (Folha, 20/12/24)