06/06/2018

Para não assustar investidor, governo usa ANP para intervir no combustível

Para não assustar investidor, governo usa ANP para intervir no combustível

Planalto teme novos protestos relacionados ao preço da gasolina.

A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) anunciou nesta terça-feira (5) que vai abrir consulta pública para discutir a periodicidade dos reajustes de combustíveis no país.

A ideia é estabelecer um prazo mínimo para repasses das variações no mercado internacional. Ainda não está definido qual será o prazo, mas a determinação pode atingir refinarias e distribuidoras.

A medida é parte de uma estratégia do governo para pôr fim à política de reajustes diários da Petrobras sem passar a imagem de intervenção nem na empresa nem no mercado de combustíveis.

Folha apurou que a decisão por uma consulta pública foi negociada previamente entre governo e ANP, com o argumento de que a medida propõe a construção de uma solução conjunta com as empresas envolvidas e gera menos risco de afastar investimentos.

Principal afetada, a Petrobras divulgou nota dizendo que vai colaborar com a agência e dizendo que o diálogo "pode resultar em maior competição ao mesmo tempo em que mantém a liberdade para a formação de preços".

Em julho de 2017, a estatal iniciou uma política ajustes diários nos preços da gasolina e do diesel, de acordo com as variações das cotações internacionais e do câmbio.

Era uma das principais bandeiras do ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente, que deixou a companhia na sexta (1º), pressionado pelas críticas à política de preços.

A política passou a ser contestada com o aumento nos preços dos combustíveis provocado pela escalada das cotações internacionais do petróleo nos últimos meses.

Após a paralisação dos caminhoneiros, o preço do diesel foi congelado por 60 dias e a periodicidade nos ajustes passará a ser mensal ao fim desse prazo.

O governo teme, porém, novos protestos com relação ao preço da gasolina. Assim, ficou estabelecido que a ANP usará suas atribuições como regulador para intervir nos prazos de reajustes.

"A solução atenderá às pessoas e às atividades econômicas em seus anseios de ter garantida a possibilidade de reajustes e o conforto de preços justos", disse em nota o MME (Ministério de Minas e Energia), que divulgou a medida antes mesmo da própria agência.

 

Em entrevista para anunciar a consulta pública, o diretor-geral da ANP, Decio Oddone, negou que o órgão regulador esteja intervindo nas políticas comerciais das empresas e defendeu a mudança como ato regulatório necessário em um mercado "imperfeito".

"Não temos um mercado perfeito no Brasil. Temos um mercado de refino onde a Petrobras é monopolista e o volume de importações não é suficiente para precificar os produtos", argumentou ele.

Para ele, a discussão sobre os prazos de reajustes atende a anseio da sociedade. Oddone defendeu, porém, que a agência não vai interferir em fórmulas para definir os preços.

"Esta consulta permitirá postura alinhada com valores como liberdade de mercado, livre concorrência, defesa de ambiente democrático para pessoas e atividades econômicas e respeito aos contratos", disse o ministério.

A consulta pública receberá contribuições da sociedade até o dia 2 de julho e a expectativa é que uma resolução com a periodicidade mínima de reajustes seja publicada entre 40 e 60 dias.

VENEZUELA COMEÇOU ASSIM, DIZEM DISTRIBUIDORES

As distribuidoras disseram que precisam avaliar a medida da ANP para se pronunciarem. Mas antes do anúncio da consulta pública, haviam criticado em entrevista declarações sobre o uso de força policial para garantir repasses dos descontos aos postos.

"A Venezuela começou assim", disse Leonardo Gadotti, presidente da Plural, entidade que representa o setor de distribuição. Ele garantiu, no entanto, que as empresas já estão repassando aos postos os descontos de receberem das refinarias.

A Plural reclama de falta de coerência no discurso do governo, ao prometer ao consumidor um desconto que não seria possível. "Os R$ 0,46 que foram divulgados não chegam às bombas por si só", disse o executivo.

"Não é um discurso coerente e está colocando a população contra o negócio de distribuição de combustíveis", completou ele, em entrevista nesta terça (5). Ele diz que o setor explicou a diferença em reuniões com o governo, mas ainda assim permanece a cobrança pelo repasse de R$ 0,46 por litro.

Para chegar ao valor prometido pelo governo, reforçou o executivo, é preciso que os estados reduzam o ICMS. Em cinco deles, pelo contrário, houve aumento no último ajuste quinzenal, diz a Plural.

São eles: Acre (alta de R$ 0,14 por litro), Alagoas (R$ 0,22), Amazonas (R$ 0,04), Paraíba (R$ 0,13), Rio de Janeiro (R$ 0,03) e Tocantins (R$ 0,17). Outros 18 estados e o Distrito Federal mantiveram os valores (Folha de S.Paulo, 6/6/18)