17/06/2024

PCC está infiltrado no Estado brasileiro e atua junto com a máfia italiana

PCC está infiltrado no Estado brasileiro e atua junto com a máfia italiana

Lincoln Gakiya, promotor de Justiça de SP, e Giovanni Bombardieri, promotor da Calábria, na Itália, durante palestra no seminário. Foto Fernando Donasci Estadão Blue Studio

 

Lincoln Gakiya e Giovanni Bombardieri mostram que a maior facção criminosa do Brasil trabalha em parceria com a temida “Ndrangheta”

O crime organizado se infiltrou na máquina pública nos últimos anos, elegeu vereadores e deputados e cada vez mais se institucionaliza para capturar o Estado em favor de seus interesses. O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo, e o promotor Giovanni Bombardieri, da Calábria, na Itália, apresentaram dados que confirmam uma preocupação das autoridades: a de que o PCC, maior facção criminosa do Brasil, se tornou uma máfia e conta com a ajuda da temida ‘Ndrangheta, máfia calabresa, uma das mais violentas do mundo.

“O PCC virou uma máfia e se infiltrou na estrutura do Estado”, afirmou Gakiya, o maior inimigo público da facção paulista, no Seminário Internacional de Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, promovido pelo IREE e pelo IDP. Foi ele que conduziu a Operação Fim da Linha, deflagrada em maio, que revelou que o PCC e aliados operavam duas empresas permissionárias do transporte público, na capital paulista. O MP também desmontou outro esquema em que pessoas ligadas à facção tinham empresas com contratos de prestação de serviços terceirizados de prefeituras e câmaras de vereadores em cidades de São Paulo.

O promotor Giovanni Bombardieri, chefe da unidade que combate a ‘Ndrangheta, na Itália, citou as investigações conjuntas com o Brasil e outros países contra os tentáculos da máfia e confirmou que a facção brasileira virou um dos parceiros dos italianos e é hoje mundialmente conhecida como uma organização criminosa de tráfico internacional. “A ‘Ndrangheta, para as máfias da América Latina, especialmente a dos países produtores de cocaína, Colômbia, Peru e Bolívia, se tornou nos anos 90 um sócio de confiança e domina hoje portos na Itália e outros países da Europa”, disse Bombardieri.

Desde 2014, importantes membros da máfia foram presos no Brasil, operando a rota de cocaína para a Europa. O PCC entraria como facilitador da presença dessas lideranças. A ‘Ndrangheta está presente em 5 continentes e 42 países, com ligações com máfias da América Latina e com o PCC.

Segundo Gakiya, o “PCC se dedica hoje ao tráfico internacional de cocaína para a Europa”. O promotor brasileiro contou que a facção está em uma “terceira fase” organizacional, desde que surgiu dentro dos presídios paulistas, no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. “O PCC praticamente abandonou o sistema carcerário. O negócio do PCC hoje é apenas business, é tráfico internacional de drogas.”

O promotor falou de sua experiência nos presídios paulistas e no combate à facção - jurado de morte pelas lideranças, ele vive sob proteção policial 24 horas. “Nessa terceira fase, não há nenhuma reivindicação, nenhuma rebelião, nem pedido que veio do PCC para brigar por alguma melhoria. Simplesmente abandonaram o sistema penitenciário.”

Bitcoins

Como todo grande negócio, o PCC movimenta dinheiro, muito dinheiro. “Arrecadava em 2010 em torno de 8 a 10 milhões de reais por ano, e hoje arrecada 1 bilhão de dólares. Na Operação Sharks, que eu coordenei em 2020, em São Paulo, ficou comprovado que eles mandaram mais de 1 bilhão de reais para o Paraguai, de 2019 e 2020″, contou Gakiya.

Para lavar esse dinheiro do crime, a facção usa os tradicionais meios, como “postos de combustível, loja de automóveis multimarcas, construtoras e casas de câmbio no Paraguai”, explicou. Mas também evoluiu e atualmente usa “bancos digitais e fintechs, os bitcoins e empresas de ônibus”, diz o promotor. “Na Operação Fim de Linha, ficou bem caracterizado que o PCC capturou uma parte do transporte metropolitano da maior capital da América do Sul, uma das maiores cidades do mundo.”

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, destacou essa evolução do crime organizado e a necessidade também de o Estado evoluir e agir organizadamente. “Infelizmente temos que constatar que houve uma mudança importantíssima na própria natureza da criminalidade. Tradicionalmente a criminalidade atuava no ambiente analógico e hoje atua num ambiente digital. A lavagem de dinheiro, as criptomoedas, o próprio tráfico de drogas e de pessoas, enfim, os grandes crimes que envolvem organizações transnacionais, hoje ocorrem num ambiente virtual.” (Estadão, 16/6/24)