Pecuária concentra metade do desmatamento em 2% dos municípios
Legenda: Gado pasta no Parque Nacional da Serra do Pardo, em São Félix do Xingu, no Pará - Rogério Cassimiro/Folhapress
Derrubada da mata para abertura de pastos devastou 1,1 milhão de hectares na Amazônia e no Cerrado em 2018.
Pouco mais da metade do desmatamento associado às cadeias de exportação de commodities brasileiras está concentrada em 2% dos municípios produtores de carne e em apenas 1% deles no caso da soja.
As conclusões são de uma análise de dados da iniciativa Trase, criada pelas organizações Stockholm Environment Institute e Global Canopy.
O cruzamento de dados revela um descompasso entre as regiões que concentram o desmatamento e aquelas que respondem pela maior parte das exportações.
Fronteira recente de desmatamento entre a Amazônia e o Cerrado, o Matopiba (região entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) responde por 88% do desmatamento associado às exportações de soja de 2018. No entanto, a região forneceu apenas 9% da soja importada pela China e 7% da que chegou à União Europeia no mesmo ano.
Ainda assim, a soja do Matopiba responde por 77% do risco de exposição a desmatamento no caso dos chineses e 61% do risco de desmatamento nas importações de soja dos europeus.
Já a pecuária brasileira tem acumulado os títulos mundiais de maior exportadora de carne bovina e também de maior vetor do desmatamento de florestas tropicais. Em 2017, as exportações de carne bovina foram associadas a 113 mil hectares de desmatamento.
A ligação com desmatamento é cinco vezes na exportação do gado ainda vivo — proveniente de regiões de alto desmate na Amazônia — em relação à carne processada ou congelada, cuja produção é mais distribuída para o centro-sul do país.
O desmatamento para exportação de carne bovina é 1.200 vezes maior que a de carne de porco e 1.000 vezes maior que a de frango, da qual o Brasil também é líder no comércio global, ao custo de 200 hectares de desmatamento em 2017, calculados a partir da área usada pelos cultivos de soja e milho que alimentam as criações animais.
Ligar os pontos entre o desmatamento e o longo caminho das cadeias produtivas de exportação é um desafio complexo, dada a distribuição geográfica dos produtores e dos consumidores finais, e que tem justificado a dificuldade dos setores produtivos para combater o desmatamento associado a commodities.
“É difícil rastrear as pontas da cadeia, mas isso não é necessário”, diz o pesquisador Toby Gardner, diretor da Trase. A solução encontrada pela iniciativa foi o foco nos "gargalos", ou seja, nas etapas da cadeia que concentram mais conexões.
Por um lado, há gargalos no municípios produtores, e por outro, nos grupos que exportam, transportam e importam as mercadorias.
Apesar do Brasil contar com um total de 135 exportadores de carne bovina, 68% das exportações em 2017 foram movimentadas por apenas três grupos: JBS, Minerva e Marfrig.
Cruzando informações dos documentos de comércio e exportação com dados públicos territoriais, a pesquisa chega até os municípios produtores das commodities de exportação e calcula o risco de desmatamento associado à produção, a partir das taxas verificadas por satélite em cada região.
Em 2017, 74% do risco de desmatamento das exportações de carne esteve concentrado nos cinco maiores grupos exportadores.
No caso da soja, os cinco maiores exportadores concentram 46% do risco de desmatamento. O restante da exposição a desmatamento (54%) é distribuída entre 293 exportadores.
A China aparece como o maior destino de commodities ligadas a desmatamento, como soja e carne da América Latina e óleo de palma da Indonésia. O país importou 68% da soja brasileira em 2018. No mesmo ano, o Brasil também forneceu 44% da carne bovina importada pelos chineses.
Já a União Europeia tem preferido a soja argentina, já processada, e diminuído a compra do Brasil, que exporta 83% da soja em grão, ao longo da última década. O bloco europeu, que já foi o principal mercado do Brasil, importou apenas 15% da soja brasileira em 2018.
Apesar de ficar muito atrás da China na quantidade de soja importada, a União Europeia tem recebido a maior carga de desmatamento associado à commodity.
Entre 2009 e 2018, a exposição ao risco de desmatamento da soja importada pela União Europeia foi em média de 1,5 hectare para cada mil toneladas de soja.
É o dobro do risco em relação à soja que chegou à China no mesmo período, ligada ao desmate de 0,75 hectares por mil toneladas.
“A Europa compra mais pelo norte do Brasil, simplesmente porque é mais próximo da Europa. A China compra mais do sul do Brasil, pelo porto de Santos, o que na média está menos associado às fronteiras do desmatamento”, explica Gardner.
A pesquisa também constata que grupos signatários de compromissos com desmatamento zero continuam associados a boa parte do desmatamento ligado a commodities.
“O problema está concentrado em poucas cadeias, na mão de poucos atores. Então isso facilita identificar e priorizar as ações. E diminui as desculpas para a inação”, afirma o pesquisador.
Questionados, os três maiores exportadores de carne responderam que estão comprometidos com o desmatamento zero, monitoram seus fornecedores por georreferenciamento e bloqueiam o fornecimento em caso de irregularidades.
Os grupos também criticaram o critério usado no relatório da Trase, que monitora o desmatamento a partir dos dados dos municípios e não das fazendas.
"Não há confirmação direta de relação comercial com produtores que atuam em regiões de risco de desmatamento", diz a nota da Minerva.
Para a JBS, "o cálculo de risco de desmatamento associado ao negócio elaborado pela Trase é superficial e pode levar a erros de interpretação".
A Marfrig afirmou que “obviamente toda a produção que acontece no bioma Amazônia será de risco” (Folha de S.Paulo, 7/7/20)