14/01/2025

Pecuaristas apostam em produção de carne de alta qualidade

Pecuaristas apostam em produção de carne de alta qualidade

CARNE BOVINA Foto Reprodução Blog CNA

 

Com aumento da produtividade, Brasil sofre pressão na disputa internacional pelo mercado de carne bovina.

 

Uma conjunção de fatores internos e externos abriu uma janela de oportunidade para o Brasil ampliar o rebanho e enfrentar a disputa acirrada do mercado internacional de carne bovina de alta qualidade, com mais marmoreio.

 

Palavra pouco conhecida dos brasileiros, o marmoreio é a gordura entremeada na carne, que dá mais maciez e sabor e garante maior rentabilidade aos produtores.

 

Pecuaristas que trabalham com a tecnologia de ultrassonografia de carcaça, usada na melhoria da genética dos animais, falam que é a "hora da virada" para o rebanho brasileiro.

 

Entre os fatores favoráveis para o Brasil no cenário atual, está a redução no tamanho dos rebanhos nos três maiores produtores de carne: Estados Unidos, Austrália e Brasil. As razões vão desde problemas climáticos, como a seca, até a falta de mão de obra para lidar com o rebanho nos Estados Unidos.

 

Na Austrália, queimadas. No Brasil, o avanço da agricultura nas áreas de pecuária no Brasil. Os pequenos pecuaristas se viram seduzidos pelos ganhos com arrendamentos da agricultura, e muitos animais foram para o gancho, como os pecuaristas costumam chamar o abate.

 

Outros fatores são o uso maior de tecnologia para aumentar a rentabilidade do rebanho no Brasil e, por outro lado, um consumidor que também começou a demandar carne de qualidade —não apenas para o tradicional churrasco de fim de semana. Por último, a medicina, que está mais favorável e deixou de colocar a carne como vilã da saúde.

 

O Brasil é hoje o maior produtor de carne bovina do mundo, mas sofre com o carimbo no exterior de que não produz carne de boa qualidade. A pressão internacional contra a carne brasileira tem aumentado à medida que o país aumenta a sua produtividade.

 

Em novembro, o Carrefour na França anunciou veto à carne originária dos países do Mercosul, entre eles, o Brasil. A decisão abriu uma crise e levou a um boicote promovido por frigoríficos brasileiros contra a varejista.

No mais recente episódio, a China anunciou, no final de 2024, que abriu uma investigação sobre a carne bovina para identificar se o aumento das exportações afetou os produtores locais.

 

A medida tem impacto direto no Brasil, responsável por 42% do valor total do comércio de carne bovina para a Ásia. Em 2024, as exportações brasileiras de carne bovina para o país somaram mais de 1 milhão de toneladas, representando aumento de 12,7% em relação ao mesmo período de 2023.

 

"Se a gente multiplicar a carne prime, em vez de ficar multiplicando a carne commodity [mais barata], o Brasil será em breve, em menos de 10 anos, o primeiro fornecedor de carne. Vai brigar com a carne prime americana muito pau a pau. Eles estão preocupadíssimos", diz Valéria Guimarães, pecuarista da quarta geração de uma família goiana, que produz há 121 anos num dos berços da raça tabapuã no Brasil, animal mocho e branco. Ela está redirecionando a sua produção centenária para a carne marmorizada.

 

"Essa é a grande chance que a gente vê de melhorar a rentabilidade nas fazendas e conquistar outros mercados. Os rebanhos de qualidade estão pequenos. A demanda é muito maior do que a produção", diz Fabio Almeida, pecuarista de São Paulo.

 

"O Brasil vende muito a carne commodity, que é barata e não tem a qualidade em termos de suculência", afirma Almeida, que desenvolve há 22 anos o projeto Nelore do Golias, que busca resgate do sangue de um touro importado da Índia em 1962. O resultado foi a produção de uma carne ganhadora de prêmios.

 

Para o presidente da Assocon (Associação Nacional dos Confinadores), Mauricio Velloso, o uso maior da ultrassonografia de carcaça será um divisor de águas na produção brasileira, como foi para o rebanho americano.

 

"Os americanos passaram a ter uma carcaça de melhor qualidade, que é um esqueleto em que cabe mais carne", afirma. Por meio da observação do boi por dentro, é possível fazer uma seleção genética para produzir um animal com mais carne e marmoreio

 

Segundo Velloso, com essa tecnologia, se consegue algo nunca obtido, que é conferir à genética, a precisão matemática. "Não adianta você olhar o boi por fora e achar bonito."

 

A zootecnista Liliane Suguisawa ressalta que a pecuária no Brasil passou por processo de aumento de escala de produção sem olhar muito para a qualidade do produto. "A gente só massificou, aumentou muito o rebanho e ficamos produzindo uma carne ruim. Quando os países ricos compram a nossa carne, é para fazer embutidos, enlatados, carne de pet", diz a pesquisadora, pioneira do uso da tecnologia no Brasil.

 

O processo usa uma sonda captadora de imagens no meio do animal e observa o volume de carne, a espessura de gordura subcutânea e a presença do marmoreio. Quanto mais, melhor. Os filhotes também recebem essa herança.

 

O especialista em pecuária Mauricio Nogueira, diretor da consultoria Athenagro, destaca o aumento de 190% competividade da pecuária nacional entre o ínicio da década de 1990 e a média dos últimos três anos (2021 a 2024). A produtividade média aumentou 190% no período.

 

Nesse período, o incremento nas exportações foi de 640%, enquanto houve acréscimo de 98% na disponibilidade de carne no mercado interno. Esse avanço da produtividade tem chamado atenção, como a reação dos franceses à carne brasileira.

 

"Eles vão amolar, dizendo que a gente tem algum problema. Mas nós estamos hoje totalmente preparados para atender todas essas demandas. O nosso potencial é muito maior ainda", afirma. "Isso assusta muito os produtores de outros países".

 

Roberto Barcellos, especialista em carne com marmoreio, avalia que o país tem condições de ampliar o nicho da carne com mais marmoreio. Mas falta ao Brasil, na avaliação dele, a criação pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento um programa de tipificação e classificação de carcaça para remunerar o produtor de acordo com as características do produto que ele entregou. "Esse modelo iria meio que definir o produto, o preço e os prêmios" (Folha, 14/1/25)