30/04/2021

Pecuaristas criam um instituto para encarar o desafio da biodiversidade

Pecuaristas criam um instituto para encarar o desafio da biodiversidade

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Legenda: Criação sustentável de gado no Vale do Araguaia pode trazer valor e renda para o país, através de serviços ambientais

Por Vera Ondei

O rio Araguaia representa uma fronteira natural entre o Mato Grosso e Goiás, desaguando no mar via Tocantins e Pará. O vale do Araguaia, como é chamado, é uma das regiões mais espetaculares do país e ganha os olhares do mundo quando as águas descem formando praias na época do inverno. Mas é, também, uma região que já foi chamada de “vale dos esquecidos”, por conta da baixa expectativa de desenvolvimento econômico e social dessa região rica em natureza, em criação de gado e na agricultura que ganhou força na última década e meia.

Hoje (29), um movimento informal de pecuaristas que nasceu em 2014, liderado por Caio Penido, da fazenda Água Viva, chamado Liga do Araguaia, ganha vida jurídica e passa a ser chamado Instituto Agroambiental Araguaia. O instituto foi criado a partir da adesão de dez pecuaristas sócios fundadores, que bancaram financeiramente o início do projeto.

Nessa conta também estão as contribuições de multinacionais do setor, como a Cargill, Elanco, Friboi e Sumitomo, e também empresas de capital nacional, como a Zooflora, de nutrição animal. “Nossa missão é agregar à dimensão do agro brasileiro sua dimensão ambiental, no exercício diário do entendimento de que ambos estão totalmente conectados”, diz José Carlos Pedreira de Freitas, coordenador executivo do instituto.

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Legenda: José Carlos Pedreira de Freitas, coordenador do Instituto Agroambiental Araguaia, diz que o momento é mais ações

Na porção mato-grossense do vale do rio Araguaia estão 31 municípios. Quando a Liga do Araguaia nasceu, o movimento conseguiu reunir 62 fazendas localizadas em Água Boa, Araguaiana, Barra do Garças, Canarana, Cocalinho, General Carneiro, Nova Nazaré, Nova Xavantina, Pontal do Araguaia, Querência, Ribeirão Cascalheira e Torixoréu. Os 13 municípios detêm um área de 8,4 milhões de hectares e cerca de 3,8 milhões de hectares de pastagens. A função do instituto é ser o braço operacional desse movimento.

Nos últimos sete anos, a Liga do Araguaia desenvolveu seis projetos na área ambiental, sendo o mais recente o “Carbono Araguaia”, com dados compilados e divulgados em março. Em cinco anos, metrificadas por metodologia auditável, foram mitigadas 113.928 toneladas de CO2 equivalente de emissões de gases de efeito estufa, com a recuperação de 43 mil hectares de pastagens. O rebanho dessa área, que era de 73.127 bovinos, hoje é de 107.048 animais, o que significa uma lotação das pastagens saindo de 0,89 cabeça por hectare para 1,4 cabeças por hectare.

Na pauta do instituto, entre os principais objetivos, está o aumento da produtividade com foco na gestão da produção e de boas práticas agropecuárias, entre elas a recuperação das pastagens degradadas e a integração de sistemas, como a ILP (integração lavoura-pecuária), produzir valor para a floresta em pé, acessar mercado que reconheçam e pague mais por produtos dessas áreas. O turismo ecológico também é uma bandeira. O projeto para mapear as potencialidades vem sendo estruturado pelo produtor Mario Buri, da fazenda São Carlos. “O turismo ecológico também é um modelo de inclusão para a população local”, diz Freitas.

Outra frente é a organização do grupo visando o mercado de PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), tema que vem sendo debatido no mundo todo e deve ganhar força na COP26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática), marcada para novembro, em Glasgow, na Escócia. O instituto também está montando uma rede de comunicação visando atrair outras fazendas para o projeto. “A gente tem que criar um mercado mundial de serviços ambientais para que haja uma remuneração. Eu acredito muito na conservação remunerada”, afirma Penido, da fazenda Água Viva. “Há uma concorrência desleal com outros países produtores de commodities que não tem esse custo ambiental de conservação. Um produtor, para produzir em 65% do Cerrado precisa comprar 35% de biodiversidade, além de ter um custo eterno de manutenção dessa biodiversidade.”

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Legenda: Recebimento por serviços ambientais é uma das metas dos produtores do Vale do Araguaia

O grupo que está fundando o Instituto Agroambiental Araguaia é formado por pecuaristas experientes, como José Ricardo Lemos Rezek, da Agropecuária Rica, na região desde meados dos anos 1980. “O Araguaia está ligado à história da nossa empresa e do início das atividades da família”, diz ele. “Também fizemos parte da história de abertura da região e da formação da cidade de Querência.” Para ele, a Liga do Araguaia, que agora tem o seu braço operacional, permite manter todas essas histórias vivas.

Para Carmem Bruder, da fazenda EntreRios e coordenadora do comitê de Regularização Ambiental da Liga do Araguaia, o movimento dos pecuaristas amadurece a atuação na região e organiza o trabalho. “Como a gente pode participar disso? A gente entra na Liga do Araguaia pelos projetos que participa. Foi assim que eu fui parar na liga e dela não saio mais” (Forbes, 29/4/21)