Pela primeira vez, preço da saca de arroz supera o da soja
Área de plantio de soja e arroz no Rio Grande do Sul - Divulgação-Fagner Almeida-Federarroz
Maior liquidez devolverá ao arroz parte da área perdida para a soja, afirma analista.
O avanço das áreas de soja e a redução das de arroz no país fizeram com que, pela primeira vez, o preço da saca de arroz superasse o da soja.
Desde os anos 2000, a área de soja aumentou 224%, e a de arroz encolheu 60%, caindo para o menor patamar da história. A soma da perda de espaço do cereal internamente e as alterações no mercado externo provocaram esse desajuste entre os dois produtos.
Um ponto positivo para o arroz é o ganho de produtividade. Desde a primeira safra deste século, a produção média de arroz por hectare subiu 125% no país. A de soja evoluiu 46%.
Vlamir Brandalizze, especialista no setor de commodities, diz que essa inversão de preços entre os dois produtos em várias regiões do país deverá devolver ao arroz parte da área que havia perdido para a soja nas últimas décadas.
Com três anos de déficit mundial entre oferta e demanda, o que vem ocasionando elevação de preços, ele acredita que o arroz ganhe pelo menos 120 mil hectares a mais de área no Brasil nesta safra 2023/24.
Segundo Brandalizze, a saca de arroz atinge R$ 150 em regiões do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, enquanto a soja fica entre R$ 120 e R$ 130. No Rio Grande do Sul, o principal produtor nacional, o preço do cereal está próximo de R$ 110, abaixo do da soja.
O consumidor não terá folga até o início do próximo ano. O quilo do arroz de melhor qualidade já está em R$ 7, e deverá manter tendência de alta até novembro, quando o ocorre o pico da entressafra.
Há uma queda de braço entre produtor, indústria e varejo. O primeiro, devido à menor oferta, eleva os preços. A indústria tenta impedir reajustes, uma vez que o varejo não aceita novos aumentos do cereal.
O momento também é favorável para as exportações. Com o dólar acima de R$ 5 e os preços internacionais aquecidos, 1,6 milhão de toneladas de arroz já foi exportado pelo Brasil de janeiro a setembro, conforme dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior).
Os países da América do Sul, tradicionais fornecedores do cereal para o Brasil, também estão com oferta menor, devido a negociações com outros países.
Brandalizze prevê que o novo preço do cereal atraia mais os agricultores e que, a partir de dezembro, haverá produto novo no mercado. O clima preocupa, segundo ele. Seca em algumas áreas e excesso de chuvas em outras afetam a semeadura.
Para o analista, um dos alívios poderá vir do Paraguai, que semeou mais cedo e terá uma colheita antecipada. Com a demanda do Brasil aquecida, é mais conveniente para o exportador paraguaio entregar o cereal ao mercado brasileiro, com custos menores de frete. O preço, porém, seguirá padrões internacionais.
O mercado de arroz ficou mais profissional, segundo Brandalizze. O produtor obtém maior produtividade, o arroz é de melhor qualidade e os novos preços vão dar liquidez ao cereal. É uma saída para o aumento de produção, afirma.
Para ele, Rio Grande do Sul, Tocantins e Mato Grosso terão os melhores potenciais de crescimento de área. No Sul, o arroz fica mais competitivo. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste há uma demanda regionalizada.
O preço elevado do arroz no Brasil não é reflexo apenas da menor produção —neste ano foram 10 milhões de toneladas, o menor volume em 25 anos—, mas também da valorização do cereal no mercado externo.
Grandes produtores, como a Índia, colocaram amarras às exportações, e a tonelada de arroz chega a US$ 755 nos Estados Unidos, 42% a mais do que há um ano.
Os países da Ásia, como Tailândia e Vietnã, mantêm a oferta de produto no mercado internacional, mas com volumes menores e preços mais elevados.
A tonelada do produto asiático semelhante ao consumido no Brasil está em US$ 620, com alta de 48%, no acumulado de 12 meses.
A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) também estima uma evolução da área de arroz nesta safra 2023/24. Segundo o órgão, os produtores vão semear 1,6 milhão de hectares, com estimativa de produção de 11,3 milhões de toneladas. Pelo menos 2,1 milhões irão para o mercado externo.
Produção e exportações brasileiras dependerão do clima e do câmbio. O El Niño vem provocando instabilidades, com excesso de chuva no Sul e ausência delas em várias outras regiões do país, segundo a Conab .
Já a manutenção do dólar valorizado, em relação ao real, poderá facilitar ainda mais as exportações brasileiras do cereal.
O aumento mundial de preços veio com o início da pandemia. Em outubro de 2020, a saca de arroz no Rio Grande do Sul subiu para R$ 105, na média mensal, segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). Em outubro do ano passado esteve em R$ 79 e neste mês está em R$ 103 (Folha, 10/10/23)