Perdas se acumulam e põem em xeque futuro da Multigrain
A trading de grãos Multigrain, subsidiária do grupo japonês Mitsui no Brasil, poderá em breve engrossar as estatísticas de empresas que fecharam as portas no país. Termina este mês o prazo dado pela cúpula em Tóquio para decidir o futuro da companhia, que amarga um desempenho financeiro ruim.
Em novembro, na ocasião da apresentação dos resultados globais do terceiro trimestre, a matriz anunciou o provisionamento de 30,4 bilhões de ienes (pouco mais de US$ 288 milhões na cotação de sexta-feira) para as perdas previstas da filial brasileira no ano fiscal de 2017, que se encerra no próximo dia 31.
Contornar a situação na Multigrain tornou-se "o maior desafio administrativo" da Mitsui em sua gestão, relatou Tatsuo Yasunaga, presidente e CEO mundial, na conferência com analistas que se seguiu. "Estamos tentando entender como os problemas ocorreram para encontrar soluções. Buscamos parcerias estratégicas, mas os cenários se estreitaram de forma significativa […]. Nosso negócio [de trading de grãos no Brasil] não é mais estruturalmente rentável".
Desde 2011 no controle integral da Multigrain, quando adquiriu os 55% restantes de participação de CHS e PMG Trading, a Mitsui não conseguiu reverter os prejuízos anuais consecutivos da subsidiária brasileira. Apesar de registrar uma receita líquida média na ordem de R$ 2,5 bilhões, o prejuízo acumulado da trading no país ao fim de 2016 somava R$ 698 milhões.
Segundo fonte do setor, a Multigrain teria decidido em reunião do conselho na última quinta-feira, em São Paulo, encerrar as operações de trading. A informação está em consonância com rumores que circulam no mercado, mas não foi confirmada pelo Valor. Questionada, a Mitsui respondeu, por e-mail, que "estuda todas as opções potenciais" para a Multigrain.
Fora das planilhas, o sinal visível da deterioração do negócio veio por meio do arrendamento do armazém da Multigrain em Sorriso – principal polo de produção agrícola em Mato Grosso e, portanto, um ativo estratégico para quem comercializa soja e milho.
Com capacidade estática de 60 mil toneladas de grãos, a unidade foi alugada pelo período de três anos ao grupo Indiana, de Primavera do Leste. As conversas tiveram início em setembro e o contrato foi concluído no início de dezembro, um mês depois do anúncio da provisão para o Brasil. De acordo com o grupo, a intenção real da Multigrain ainda é a venda do ativo.
A Multigrain tem armazéns de grãos em outros quatro Estados. Em Correntina, na Bahia, a expectativa de trabalhadores locais é que em breve cargas de outras tradings também sejam enviadas para o armazém e o silo que a companhia mantém às margens da BR-020. Em Porto Franco, no Maranhão, funcionários de outro armazém aguardam "a parceria com a Algar" [Agro], desinformados sobre os rumos do negócio. No ano passado, a Mitsui avançou na proposta de compra de 30% do braço agrícola da companhia mineira de telecomunicações. Não prosperou.
Na visão de analistas, erros de gestão fizeram com que a Multigrain sentisse mais fortemente o contratempo no mercado de commodities, com queda significativa nos preços. Um dos "pecados" nesse segmento, diz um concorrente, é manter o perfil conservador – típico de grupos japoneses. "É o tipo do negócio que, por natureza, exige agressividade no trading". Ao mesmo tempo, por não ter ativos logísticos, optou por fechar contratos de longo prazo (10 anos) e pagando mais caro para fazer sua carga chegar a portos brasileiros.
"Não erramos nossa percepção sobre o Brasil, mas quando chegamos o número de concorrentes era dez. Hoje são quase 50, sem vencedores e todos engajados numa guerra de atrito", disse Yasunaga aos analistas. A provisão ajudará a honrar contratos, ainda que alguns sejam rompidos com "consequências desfavoráveis", admitiu.
Engessamento do alto comando japonês, "middle management" sem experiência e erros de análise do mercado completam a lista de explicações sobre o porquê da derrocada da companhia.
No site de avaliação de empresas Love Mondays, as poucas declarações sobre a Multigrain corroboram esses problemas. Na mais sintomática delas, um funcionário que deixou este ano a empresa surpreende ao afirmar que a carga horária é incompatível com a demanda de trabalho – neste caso, "muito tempo para pouco trabalho" (Assessoria de Comunicação, 5/3/18)