Pesquisa agropecuária diminui cada vez mais nos orçamentos de governo
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Jair Bolsonaro não cansa de buscar os louros dos feitos da Embrapa.
Recentemente, o ministro da Agricultura de Honduras disse que queria uma Embrapa no país. Se isso ocorresse, segundo ele, tudo seria diferente.
A Embrapa imaginada pelo ministro, com base nas boas pesquisas já realizadas, poderá não ser tão atraente no futuro se os governos não mudarem a visão sobre a necessidade de investimentos na agropecuária.
Em época de eleições, essas propostas deveriam fazer parte das metas dos presidenciáveis, uma vez que se trata de segurança alimentar.
Jair Bolsonaro não cansa de buscar os louros dos feitos da Embrapa.
Neste momento, as atenções do presidente se voltam para o avanço do trigo no cerrado e à possibilidade de o país ser autossuficiente no cereal em poucos anos.
Acontece que esse é um programa de melhoramento que vem ocorrendo há pelo menos dez anos, em um período em que os investimentos em pesquisa e inovação da Embrapa ficavam próximos de R$ 1 bilhão por ano.
Esses valores vêm caindo constantemente, e, para este ano, o atual governo propôs R$ 171,1 milhões para o programa de pesquisa e inovação, 56% a menos, em termos reais, do que quando assumiu o posto. Os valores destinados só a investimentos em pesquisa caíram para R$ 19,7 milhões, 29% a menos no período.
Diante de valores tão baixos, o Congresso pode propor emendas para uma elevação desses gastos. Para este ano, o orçamento foi elevado para R$ 235,7 milhões. Isso não significa, no entanto, que esse dinheiro será efetivamente destinado à empresa.
A SOF (Secretaria de Orçamento Federal), ligada ao Ministério da Economia e que define os valores, poderá vetar o dinheiro proposto pelo Congresso ou não liberar, uma vez que algumas emendas parlamentares não são obrigatórias de repasse por lei.
Em 2017, o Executivo propôs valor correspondente a 10% de todo o orçamento destinado à Embrapa para aplicação em pesquisa e inovação agropecuária. Neste ano, são só 5%.
O orçamento total da empresa inclui despesas com salários, outros encargos e pagamentos de sentenças judiciais, que são obrigatórios por parte do governo.
Com base no teto de gastos determinado pelo Executivo, a Embrapa decide quanto dinheiro será colocado em custeio (energia elétrica, materiais de uso do dia a dia e prestação de serviços para análises) e quanto em investimentos (equipamentos de laboratórios, máquinas e outros).
Os dados de 2021, conforme publicação no Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento), indicam que o governo fez uma proposta de R$ 153,1 milhões no valor total do programa de pesquisa e inovação da Embrapa. O Congresso, via emendas, aumentou o valor para R$ 361,6 milhões. O governo promoveu vetos a esse valor determinado pelo Congresso, e a execução total desses valores ficou em R$ 248,3 milhões, segundo dados consolidados do Siop.
As emendas de parlamentares são importantes, mas muitas destinadas a projetos locais e específicos. Nesse caso, os recursos não podem ser deslocados para outras unidades. Algumas estão com dificuldade para fechar as contas neste ano.
Com a redução do volume de investimentos, e devido à corrosão inflacionária, o dinheiro vai cada vez mais para o custeio, em detrimento dos investimentos.
Técnicos da Embrapa calculam que o valor mínimo para financiar a estrutura da empresa, os projetos de pesquisa e as atividades de transferência de tecnologia seria de R$ 320 milhões, 87% a mais do que foi proposto pelo governo neste ano.
Em um momento em que os olhares do mundo estão voltados para uma ampliação da oferta de alimentos, e há uma concorrência por novas tecnologias, o Brasil pode ficar para trás.
Todos os principais centros de pesquisas federais, estaduais e de universidades —importantes no desenvolvimento da agropecuária brasileira— estão sendo sucateados.
A redução do programa de capacitação e a desestruturação da infraestrutura levam a uma redução de novos projetos importantes para o Brasil, uma vez que o país tem dimensões continentais e cada região tem suas necessidades específicas.
Esse descaso com o financiamento das pesquisas provoca, ainda, uma perda de competitividade de empresas, como a Embrapa, ante as concorrentes internacionais.
O resultado é uma perda de competitividade da agricultura brasileira no cenário internacional. O custo de não investir é alto, e a conta virá nos próximos cinco a dez anos, tempo de maturação dos projetos de pesquisa.
O país corre o risco de ficar à mercê das tecnologias externas, pagando royalties e nem sempre obtendo as soluções mais adaptadas às diversas regiões produtivas.
O desmonte de institutos de pesquisas agropecuários e da Embrapa faz com que o orçamento fique praticamente voltado para os gastos dos programas que já estão em andamento, sem possibilidades da criação de novos.
Em um período de crise climática, quando se buscam produtos com maior resistência a estrese hídrico, melhor qualidade e mais sustentabilidade, o país corre o risco de depender de tecnologias estrangeiras.
A vantagem de instituições nacionais é visível porque focam não só as grandes culturas, como soja, milho e algodão, mas também feijão, arroz, hortaliças e enriquecimento de alimentos, como o programa de mandioca com betacaroteno da Embrapa.
O custo de não investir será alto, principalmente porque países da Ásia, como China e Coreia do Sul, estão com investimentos pesados no setor agropecuário.
Esses países podem continuar importando alimentos, mas vão fornecer a tecnologia, ficando com saldo final positivo entre a tecnologia e a comida (Folha de S.Paulo, 20/9/22)