27/07/2020

‘Política ambiental de Bolsonaro prejudica a América Latina toda’

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O ex-presidente da Colômbia e Nobel da Paz Juan Manuel Santos Foto: Carlos Julio Martinez/Reuters

 

Dedicado a projeto sobre a Amazônia, ex-presidente da Colômbia e Nobel da Paz exalta boicote a empresa ou país poluidor e vê populismo debilitado pela pandemia.

  

 

Depois de governar a Colômbia por oito anos, ganhar o Nobel da Paz pela negociação que encerrou o conflito com a guerrilha das FarcJuan Manuel Santos abraçou a causa ambiental. Ele é uma das referências mundiais que têm se reunido por videoconferência em um grupo dedicado a buscar soluções concretas para a Amazônia. No projeto, que reúne nomes da política, economia e cultura, estão também o economista Jeffrey Sachs e o fotógrafo Sebastião Salgado. Um dos caminhos para reduzir o desmatamento, acredita Santos, é a pressão de eleitores e consumidores sobre governos e empresas. 

Isolado em Anapoima, município a 90 quilômetros de Bogotá, ele concedeu por vídeo entrevista ao Estadão, centrada em bioeconomia e geopolítica. Santos acredita que a pandemia, cujo estrago considera pequeno perto das consequências do aquecimento global, está movendo o ponteiro ideológico do mundo de volta para o centro.

 

Grandes empresas, associações de fazendeiros e bancos têm se interessado pelo tema ambiental no Brasil. Uma razão é que a destruição ambiental pode trazer perdas econômicas, mas esse risco não é novo. Por que atores tão ligados ao capitalismo agora defendem sustentabilidade? 

O mundo está se dando conta rapidamente da importância de políticas de sustentabilidade. Havia uma negação, que muitos líderes no mundo ainda cultivam. As empresas estão sendo pressionadas a atuar nessa direção. É um bom sinal que muitas empresas em países em que o ambiente está sendo destruído escutem: “Se vocês continuarem destruindo, não compraremos seus produtos”.

Há casos de empresas com desastres ambientais e poluição no histórico que associam seu nome a projetos ambientais e escondem o que importa. O cidadão já é capaz de detectar essas empresas? 

Há empresas que realmente mudaram sua forma de pensar e estão se corrigindo. E tem outras que só estão querendo melhorar sua imagem e continuar em políticas não sustentáveis. Os cidadãos começam a diferenciar uma de outra. É a cidadania que pressiona, no final.

Os países europeus estão verdadeiramente interessados em preservação ou citam o desmatamento alheio para manter subsídios históricos a sua agricultura?

Os países europeus, em sua maioria, são sim conscientes da necessidade de preservar o meio ambiente. Mas há aí uma injustiça histórica. Eles se desenvolveram destruindo o meio ambiente e agora querem impor a países que parem seu desenvolvimento. Temos de encontrar uma maneira de permitir o desenvolvimento desses países e ao mesmo tempo preservar. 

O pagamento de países ricos a nações em desenvolvimento que preservam é o sistema ideal?

Esse é um dos mecanismos. Essa pandemia está colocando a ciência acima do populismo, da ideologia. Se isso for transferido ao meio ambiente, poderemos acelerar as ações para parar o aquecimento global.

O radicalismo de parte dos ambientalistas empurrou uma parcela dos eleitores de centro à escolha de populistas de direita e até ultradireita. Em português, se cunhou a expressão “ecochatos”, que poderia ser traduzida ao espanhol como “ecopesados”. Ambientalistas mais pragmáticos ajudariam?

Sem dúvida. Os ambientalistas mais pragmáticos são indispensáveis. Quando alguém é fundamentalista, muitas portas são fechadas a ele. 

Neste contexto, é positivo o surgimento de figuras como Greta Thunberg?

Acho muito positivo, porque ela se transformou num símbolo. Quando figuras como Greta alertam para um problema, muitos começam a pressionar seus governos. 

O sr. foi ministro de Defesa de um governo conservador num período duro da guerra contra as Farc. Chega ao poder, se converte em um presidente progressista e estimula a imagem de terceira via. Num mundo tão polarizado, é mais difícil alcançar consensos para garantir preservação?

O populismo, de esquerda ou de direita, é muito atrativo em determinada conjuntura, mas fatal no médio e longo prazo. A história o comprova. O importante é manter os diálogos para gerar uma massa crítica no centro. Mas, nesta polarização que vive o mundo, estamos começando a ver o pêndulo regressar para o centro. 

O governo brasileiro rejeita o aquecimento global e inicialmente negou até o aumento do fogo na Amazônia. O enfraquecimento de organismos internacionais fez o isolamento internacional perder peso como ferramenta de pressão?

Me preocupa muito, me dói muito como latino-americano o que ocorre no Brasil. O que Bolsonaro faz sobre o meio ambiente e a ordem internacional multilateral, no longo prazo, prejudicará toda a América Latina. A pandemia mostra que falar e atuar só com base na intuição e na ideologia não traz bons resultados. 

O isolamento brasileiro pode favorecer outros países da região, como a Colômbia?

Pelo contrário. É triste para os latino-americanos ver os dois países mais importantes da América Latina nas mãos de populistas. O Brasil, com Bolsonaro, e o México, com López Obrador. Um de direita e o outro de esquerda. Por isso, a América Latina perdeu espaço no mundo inteiro. É inacreditável que neste momento em que a América Latina precisa de financiamento, não haja uma só voz reclamando o financiamento especial que está sendo dado ao resto do mundo. É incrível também que a América Latina perca a presidência do BID, que durante 60 anos foi a única instância internacional com um representante latino-americana que falava de igual para igual com o FMI e o Banco Mundial. Donald Trump propôs um candidato americano e é incrível que muitos países latino-americanos estejam apoiando esse candidato americano (o Brasil é um deles).

No Brasil, a ministra da Agricultura incorporou o discurso ambiental e alertou que a destruição da Amazônia pode prejudicar exportações, enquanto o ministro do Meio Ambiente tem o discurso mais duro, de oposição a ONGs. É o contrário do que costuma ocorrer. Como se vê isso fora?

Na Colômbia e no resto da América Latina, não conseguimos realmente entender isso. O ministro do Meio Ambiente sendo menos ambientalista que a ministra da Agricultura. São as contradições produzidas pelos regimes populistas. 

Trump foi um dos primeiros a se colocar fora do Acordo de Paris e contrariar conceitos ambientais que pareciam senso comum. Logo, foi seguido por outros líderes. Se Trump não se reeleger, o pêndulo do qual o sr. falou pode passar mais rapidamente ao centro, influenciar outros países?

Se Trump perder, e tudo indica que isso vai ocorrer, o governo de Joe Biden vai recuperar os espaços que Trump fechou. O sistema multilateral que os EUA construíram depois da 2.ª Guerra era conveniente a países como Colômbia e Brasil, porque a lei da selva protege só os mais poderosos. Nós, Brasil, Colômbia e América Latina em geral, temos muito mais a perder do que a ganhar sem regras do jogo internacionais. Biden é partidário de um sistema multilateral, diferente do que Trump quis impor. 

Antes da covid, pesquisas mostravam um cenário favorável à reeleição de Trump, pela economia sobretudo. Há quem veja que a pandemia seria uma reação do planeta a líderes como ele. O que acha?

Não estou tão convencido que a economia iria reelegê-lo, ainda que teria muito mais possibilidade. A pandemia teve dois efeitos nos EUA. Um é o econômico, nisso foi muito negativa. O segundo é a quantidade de erros de Trump na resposta à pandemia. Isso até fez com que perdesse apoio em seu próprio partido.

Em regiões como o Catatumbo, na fronteira com a Venezuela, restam guerrilhas que mantêm poder sobre parte do território e isso tem conexão com a questão ambiental. Por que é tão difícil conseguir que se plante na área cultivável algo que não seja coca? O sr. teve oito anos no poder, por que não resolveu?

Ainda como presidente, propus uma mudança radical na política internacional contra as drogas. Sugiro tirar a proibição. A Colômbia foi o país que pagou o mais alto preço na luta contra as drogas e ainda somos os exportadores número 1 de cocaína. Precisamos mudar a estratégia, mas isso não pode ser feito por um só país. Além disso, o efeito do narcotráfico na ecologia é grande. Parte importante do desflorestamento é promovida pelos narcotraficantes. Quando eles são retirados de áreas em que estavam, entram na floresta para produzir coca um, dois ou três anos, e seguem lá.

A guerrilha que o sr. ajudou a debelar começou com a luta por terras cultiváveis e terminou desmatando para plantar coca. Sustentabilidade traz paz?

Sustentabilidade é o que vai nos permitir seguir vivendo. Estamos indo para o precipício. A pandemia não é nada comparado ao que a humanidade pode sofrer se não tomarmos decisões muito drásticas. A pandemia deve nos abrir os olhos para mudar paradigmas de desenvolvimento, carências que há no mundo inteiro, mas sobretudo da América Latina: desigualdade, má distribuição da riqueza e da terra. Neste momento, estamos destruindo o mais importante que temos na América Latina, a biodiversidade (O Estado de S.Paulo, 26/7/20)