25/08/2023

“Política externa está sendo executada sem base sólida para avançar”

“Política externa está sendo executada sem base sólida para avançar”

Lula participa da sessão plenária durante a Cúpula do Brics de 2023. Foto BBC Brasil EPA

 Resistente à expansão, governo brasileiro voltou atrás em troca de apoio ao pleito pelo Conselho de Segurança da ONU.

A ampliação do Brics com a entrada de mais seis países deve diluir o peso do Brasil no bloco dos emergentes além de impor desafios à política externa do Itamaraty. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva era o líder mais resistente a convidar novos membros, mas acabou cedendo em troca do apoio da China à reforma do Conselho de Segurança da ONU, o que foi cumprido em partes.

A ampliação que era defendida por Pequim inclui os seguintes países: Argentina, Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos, que devem entrar oficialmente para o Brics a partir de 1º de janeiro de 2024 se cumprirem com as condições.

 

O Brasil, que atuava como um contraponto às posições antiocidentais de China Rússia, agora deve ficar mais isolado dentro do próprio bloco, avalia o presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador Rubens Barbosa em entrevista ao Estadão.

“Fica difícil ver qual o rumo que o Brasil vai tomar. O país tem uma posição de equidistância na tensão entre China e Estados Unidos e uma posição declarada de equidistância na guerra da Ucrânia. Esse grupo claramente é liderado e influenciado pela China e vai tomar posições que necessariamente não estarão em linha com a política externa brasileira”, aponta o ex-embaixador, que tem se manifestado contra a expansão do Brics.

Além disso, a presença de regimes autocráticos deve criar dificuldades para política externa brasileira na arena internacional. “É um problema para o Brasil em áreas como direitos humanos, democracia, gênero... Como o Brics vai adotar uma posição sobre gênero com a presença da Arábia Saudita?”, questiona.

Diferente de Rússia, China, Índia e África do Sul, o governo brasileiro não apresentou uma lista de países a serem considerados pelo bloco, mas trabalhou em favor da Argentina.

A defesa do vizinho sul-americano já criou o primeiro constrangimento para a política externa brasileira. O país está no meio de uma eleição para presidente e os representantes da oposição já disseram que não aceitarão a entrada no bloco se forem eleitos.

Tanto o libertário Javier Milei como a candidata da centro-direita, Patricia Bullrich, rejeitaram o ingresso do país ao Brics horas depois que o convite foi oficializado. Milei alega que “nações governadas pela esquerda” enquanto Bullrich justificou a reserva pela invasão da Rússia na Ucrânia e a presença de países como o Irã entre os novos membros.

“O Brasil defendeu a entrada da Argentina, conseguiu e agora os candidatos são contra. [...] Minha preocupação é como a política externa está sendo executada sem uma base sólida para avançar”, ressalta Barbosa.

Presidente da Argentina, Alberto Fernández, em mensagem gravada para a Cúpula do Brics, 24 de agosto de 2023. Foto im Ludbrook Pool via AP

A contrapartida oferecida para o Brasil voltar atrás na resistência à ampliação do Brics parece aquém do esperado. O comunicado conjunto assinado pelos Países-membros nesta quinta-feira, 24, defende “uma reforma abrangente do da ONU, incluindo o Conselho de Segurança, tendo em vista torná-lo mais democrático, representativo, efetivo e eficiente”.

No que diz respeito ao Brasil, o texto apoia “as aspirações legítimas dos países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo Brasil, Índia e África do Sul de desempenhar um papel maior assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo o seu Conselho de Segurança”.

Barbosa avalia que a declaração “vai na direção do que o presidente Lula queria”. Mas pondera que “não é tudo que ele queria. Ele queria que a China se pronunciasse a favor do Brasil. Na linguagem diplomática, o trecho do comunicado vai nessa direção, mas não está totalmente explicitado” (Estadão, 25/8/23)