Por que a importação de leite do Mercosul ameaça a produção nacional
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Por Helen Jacintho
Saiba o impacto da importação do primeiro semestre deste ano que, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, subiu 300% na comparação com 2022.
No jogo do comércio internacional, nenhum país quer depender de outro país, as nações sempre tentarão sua auto suficiência alimentar, garantindo assim a segurança alimentar da sua população. A autossuficiência se dá por meio de estímulo, subsídios e proteção da produção nacional. Países não se tornam importadores porque querem, somente por necessidade.
Diante disso, observando o abrupto aumento de 300% na importação de leite pelo Brasil de países vizinhos, Argentina e Uruguai, você pode estar se perguntando: faz sentido importar leite de países vizinhos, correndo o risco de “quebrar” os pequenos e médios produtores nacionais? O que pode parecer uma incoerência, está abalando a pecuária leiteira nacional.
Segundo o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), somente no primeiro semestre de 2023 o Brasil importou 1 bilhão de litros de leite, 300% mais que o total importado no mesmo período de 2022.
Nosso país está importando leite em pó de países que conseguem produzir a custos mais baixos que o nacional. Mas será que vale a pena sacrificar a produção nacional e nos tornar dependentes novamente de importações?
O Brasil é o quinto maior produtor de leite do mundo, a Argentina ocupa a 12 posição e o Uruguai a 38 posição, porém as diferenças na produção são enormes. Na Argentina a produção é realizada em grandes propriedades com manejo intensivo e profissional que se destaca, pelo pelo elevado nível tecnológico, são cerca de 10 mil fazendas de leite produzem 11 bilhões de litros de leite por ano, enquanto o Brasil produz 35 bilhões de litros de leite por ano pulverizados em 1 milhão de pequenos produtores não tecnificados, que tem no leite muitas vezes uma renda secundária e profundamente vulneráveis ao livre mercado.
Os preços dos produtos lácteos caíram drasticamente no mundo todo, desta maneira, os vizinhos Argentina e Uruguai, direcionaram suas exportações para o Brasil, ceifando assim custos de logística e transporte, essa pressão fez os preços no Brasil despencarem.
De acordo com Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, o valor médio chegou a R$ 2,4142/litro na “Média Brasil” líquida em julho, recuos de 5,69 % frente ao de junho e de 35% na comparação com julho/22, em termos reais (as médias foram deflacionadas pelo IPCA de jul/23).
Tradicionalmente o Brasil importa de 1 a 3% de leite, entretanto atualmente esse volume atingiu a marca de 12%. As importações de lácteos atingiram 520 milhões de dólares em 2023, valor recorde para o período, desde o início da série histórica em 2012.
Estas importações têm gerado protestos e levado pequenos e médios produtores a deixarem a atividade. A crise desestimula os pequenos e médios produtores nacionais e ameaça a produção interna, a dependência das importações se torna uma ameaça ao setor dos lácteos.
Criou-se um mercado para este leite em pó importado, que é misturado ao leite nacional e utilizado em preparações como bolos e sorvetes, por exemplo. Após denúncias, estão sendo tomadas medidas como como elevação da alíquota de importação de lácteos para países fora do Mercosul (Mercado Comum do Sul), intensificação da fiscalização sanitária de produtos lácteos p países membros do Mercosul, fiscalização de prática de reidratação de leite em pó, prática proibida por lei, compra pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) de 200 milhões de reais em leite em pó para equilibrar o mercado nacional, investigação de prática de triangulação de leite vindo de países como a Nova Zelândia, dumping por eventual subsídio argentino ao setor, enfim muitos ruídos que valem a pena serem investigados.
A intervenção da CONAB, gastos de milhões de reais são ajudas pontuais, mas o primeiro passo é criar um projeto a longo prazo que apoie e guie nossos produtores para atingir os mais elevados níveis de tecnificação e profissionalização para se tornarem competitivos a ponto de superar futuras crises (Helen Jacintho é engenheira de alimentos por formação e trabalha há mais de 15 anos na Fazenda Continental, na Fazenda Regalito e no setor de seleção genética na Brahmânia Continental. Fez Business for Entrepreneurs na Universidade do Colorado e é juíza de morfologia pela ABCZ. Também estudou marketing e carreira no agronegócio. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores; Forbes, 8/9/23)