Produção de leite no Brasil é mais uma vítima dos efeitos do clima
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Excesso de chuvas no Sul e irregularidades em outras regiões afetam a produção.
Aos poucos, os efeitos climáticos vão minando cada vez mais as atividades agrícolas, trazendo dificuldades e incertezas na produção. Neste ano, uma das vítimas está sendo a cadeia do leite. Mesmo antes de o país obter uma excelência na produção nesse setor, os desafios vão aumentar em muito pela frente, devido às adversidades climáticas.
O Sul está com excesso de chuvas. O Sudeste e o Centro-Oeste com irregularidades delas. Em ambos os casos, os efeitos são prejudiciais à produção.
As chuvas, quando em dose certa, melhoram a pastagem e elevam a produção. Quando em excesso, param de beneficiar a produção e se tornam um desafio para os produtores, afirma Natália Grigol, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
Ela cita o caso do Sul, onde o excesso de chuva encharca o pasto, alaga as propriedades e dificulta o trânsito. Os problemas advindos do clima não param por aí, segundo a pesquisadora. Há uma restrição na mobilidade das vacas, que perdem o conforto e reduzem produtividade, e um aumento das doenças provocadas pelo excesso de umidade. Do lado do produtor, há uma elevação dos custos de produção.
O clima provoca, ainda, um encurtamento do ciclo de produção. É o que os dados já começam a apontar para a atividade no Sul. A desaceleração no fornecimento de leite, que se dá em final de ano, começou já em setembro. Esse cenário está ligado às questões climáticas, que afetam a saúde dos animais, a produção e a logística, afirma a pesquisadora.
A queda na oferta, que se inicia pelo Sul, provocará um aumento de preço mais cedo para os consumidores. Com a quinta queda mensal seguida no campo, os preços do leite ainda mantêm redução no varejo. O leite longa vida teve retração de 3,6% em outubro e acumula queda de 15,4% em 12 meses no mercado varejista de São Paulo, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
Produção menor devido ao clima, alimentação mais cara do gado e estreitamento das margens de ganho dos produtores são sinais de um aumento das cotações no Sul na virada do ano. Esse cenário coloca os novos investimentos na produção ainda mais distantes, segundo a pesquisadora.
Natália afirma que os reflexos do clima são de curtíssimo prazo na cadeia do leite. A produção cai, e as cotações sobem.
Para ela, o cenário para o leite não é muito confortável daqui para frente. As mudanças climáticas serão um novo componente de volatilidade no setor.
Além dos efeitos das mudanças do clima, da restrição na oferta de água e das limitações de áreas, a cadeia mundial do leite conviverá com a dificuldade do avanço das vendas de produtos com valor agregado. Inflação e renda curta dos consumidores trazem novas incertezas para os investimentos.
A matriz energética também passa a ser importante ao sistema de produção, devido à maior tecnificação do setor. O custo da agricultura está cada vez mais ligado a essa matriz. É mais um agravante em um contexto que já está frágil.
A tendência a partir de agora é de a oferta de leite sempre ficar abaixo da demanda. Não existem perspectivas de uma situação de superoferta. "A situação será mais para a falta do que para excessos".
A recomposição mundial da produção será lenta, principalmente devido à volatilidade de vários fatores. Entre eles clima, custos, problemas macroeconômicos e questões geopolíticas, itens que aumentam ainda mais as incertezas quanto a preços e receitas dos produtores.
Para Samuel Oliveira, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, as chuvas têm atrasado o plantio de grãos no Sul. Não é um problema para agora, mas para o próximo ano, uma vez que haverá um atraso na produção de silagem para o gado. Se a produção for afetada, o desafio será ainda maior.
No sudeste, principalmente em Minas Gerais, líder na produção nacional de leite, a irregularidade das chuvas afeta a produção. O pesquisador, que trabalha em Juiz de Fora (MG), afirma que setembro foi de clima seco na região; outubro teve um período bastante chuvoso, e novembro será marcado por veranicos.
Para Oliveira, além dos efeitos do clima, o setor nacional passa por uma reestruturação. Com a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia, os custos de produção subiram muito, retirando parte dos pequenos e médios produtores do mercado.
Houve um aumento no número de fazendas que passaram a ter uma produção em larga escala. Esse volume, no entanto, ainda não compensa a saída dos pequenos e médios produtores do mercado.
O acompanhamento mensal de captação de leite do Cepea registrou um aumento de 0,6% em setembro, em relação a agosto. Esse aumento de oferta, porém, já mostra uma desaceleração em relação à dos meses anteriores. Os preços recebidos pelos produtores tiveram a quinta queda seguida. A retração, em setembro, foi de 9,1%, acumulando 31,5% em 12 meses, descontada a inflação.
Após uma forte aceleração dos preços no mercado internacional, o leite vinha com uma queda contínua por nove meses, interrompida em outubro, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) (Folha, 7/11/23_