Produtores apostam em tecnologias e colhem 35% mais soja no Centro-Oeste
CAMPO SOJA -Ascom Aprosoja
Legenda: Máquinas atuam em propriedade rural com soja em Mato Grosso, estado que viu avançar a produtividade nos últimos anos - Ascom Aprosoja
Avanços não se resumem às milionárias máquinas e incluem sementes geneticamente melhoradas e bom controle do solo com fungos e bactérias.
Há dez anos, a lavoura de soja de Luiz Pedro Bier, 33, em Gaúcha do Norte (MT), produziu 48 sacas do grão por hectare. Era sua estreia na sojicultura e, desde então, adotou uma série de tecnologias em sua propriedade e viu a produção avançar para as atuais 65 sacas, ou 35% mais.
O exemplo de Bier, que é engenheiro agrônomo, é reproduzido em todo o Centro-Oeste do país, região que viu avançar a produção de soja ancorada em avanços no manejo e muita tecnologia, do preparo da terra à colheita.
Num intervalo de dez anos, a produtividade da soja na principal região produtora do país passou de 3,03 toneladas por hectare, no triênio de 2008 a 2011, para 3,5 toneladas, no período de 2018 a este ano, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
Já em Sorriso (MT), Tiago Stefanello Nogueira, 44, ex-presidente do Sindicato Rural local, disse ter visto a produção média avançar em uma década de 48 sacas por hectare para cerca de 60.
A tecnologia no campo não se resume às milionárias máquinas potentes e precisas, cujos painéis em alguns casos lembram os de aviões, e incluem sementes geneticamente melhoradas e bom controle do solo com a utilização de fungos e bactérias.
A coleta de dados em tempo real das máquinas com seus pilotos automáticos aumenta a eficiência no campo, enquanto o mapeamento das lavouras permite ver na hora onde se produz menos (ou mais) e o que precisa ser feito no solo.
Pulverizadores mais ágeis, com melhor timing de aplicação e previsões climáticas mais confiáveis também contribuem para a tomada de decisões no campo.
Esses fatores, e mais a capacidade genética de variedades da soja que produzem mais, impulsionaram as lavouras de grãos.
“É muita coisa, uma somatória de fatores. Não é todo mundo que usa e não é todo mundo que usa tudo. As tecnologias ainda são muito caras”, disse Nogueira.
Mato Grosso, maior produtor do país —em um país que é o maior produtor mundial—, alcançou 35,94 milhões de toneladas do grão neste ano, segundo a Conab, de uma produção total de 135,4 milhões.
Já a produção de milho de segunda safra, que representa a maior parcela de produção no país, passou de 4,08 toneladas por hectare entre 2008 e 2011 para 5,7 toneladas no Centro-Oeste. No país, subiu de 3,8 para 5,04.
“No caso do milho, um fator muito importante inicialmente foi a liberação dos transgênicos, a partir de 2007 em especial, que fez com que tivéssemos melhoramento genético com inserção de tecnologia, favorecendo o desenvolvimento de sementes adaptadas aos diferentes contextos regionais”, afirmou Lucilio Alves, pesquisador do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) na área de grãos, fibras e amidos e professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP.
A mais recente estimativa de safra em Mato Grosso aponta para uma produção de 57,5 sacas por hectare na atual safra, segundo o Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária), ante as 55,4 de cinco anos atrás.
“Não sou um produtor clássico, filho de produtores. Mas, apesar de pouco tempo na área, estamos produzindo mais e mais rápido, abrindo espaço cada vez mais para áreas de milho. Aí está a grande vantagem do negócio”, afirmou o produtor Bier, cuja cidade fica no leste mato-grossense e enfrenta severa dificuldade logística para escoar a safra.
Gaúcha do Norte, onde ele produz em 2.100 hectares, além de outros 280 hectares de pecuária, fica distante 100 quilômetros da estrada asfaltada mais próxima. Por isso, um grupo de agricultores, do qual ele faz parte, contratou engenheiros e máquinas para asfaltar o trecho.
Vice-presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso), Lucas Beber disse que a entrada de empresas estrangeiras no país estimulou o melhoramento genético e que ele contribui para evitar perdas. “Discordo quando falam que aumenta a produtividade, pois na verdade ele extrai o melhor da soja e evita que haja perdas”, afirmou ele, que é produtor em Nova Mutum (MT).
Dados da Aprosoja indicam que há produtores que conseguem atualmente produzir até mais de 80 sacas por hectare graças à tecnologia. Para Beber, é preciso aliar essa alta produção à sustentabilidade. “É preciso ter equilíbrio entre produtividade e rentabilidade. O que é necessário hoje, além de novas tecnologias, é o empenho do produtor. A tendência é produzir mais em menor área.”
Ele conta que, depois de alcançar 65 sacas por hectare, a produtividade começou a diminuir em sua fazenda em 2010 e só retomou a produção anterior com o uso de ferramentas biológicas.
“Num talhão grande, dava em torno de 40% da minha área, cheguei a colher 71 sacas por hectare. Chegou num ponto entre 2010 e 2013 que não passava de 56, usando tecnologias melhores do que quando produzia 70. Com os biológicos consegui depois de quase cinco anos médias acima de 70 sacas no talhão.”
Ele usou um fungo predador de outros fungos —que na briga por espaço produz efeito antibiótico no solo— e uma bactéria que faz com que a planta enraize mais. “Isso me deu um acréscimo de quase 20 sacas por hectare.”
Um outro sistema em uso na região foi desenvolvido pela startup agro Indigo, sediada em Boston (EUA), que atua principalmente na solução de produtos biológicos para soja, milho e algodão.
A empresa fez um estudo no Centro-Oeste com 67 ensaios de um produto biológico na safrinha de milho 2021, que mostrou ganho de 12,5% no peso de raiz, 14 centímetros a mais de comprimento radicular e 18% a mais de massa de raiz.
Segundo a Indigo, em Goiás o insumo resultou em 10 sacas a mais por hectare, apesar de condições adversas como seca e geadas.
“Antigamente você trabalhava na mesma área por anos e anos e não conseguia entender o problema, o gargalo. Agora, além da safra em si, a tomada de decisão no campo foi acelerada. No fim da safra você tem o mapa de onde houve gargalos de produtividade e já consegue corrigir para a próxima safra”, disse Bier (Folha de S.Paulo, 21/10/21)