Projeto pode ajudar a gerir recursos hídricos para a agricultura
Pesquisador observa imagens do projeto OpenET, que ganha agora vertente no Brasil para mapear aplicação da água na agricultura - Divulgação
Iniciativa OpenET-Brasil começa neste ano e pode ajudar a gerir recursos hídricos para agricultura.
Um ambicioso projeto de monitoramento de recursos hídricos –para agricultura e outros fins– terá início neste ano no Brasil.
O OpenET-Brasil é uma vertente do projeto original OpenET, conduzido nos EUA e fruto de uma parceria público-privada de várias agências e instituições de pesquisa americanas, dentre elas a Nasa, o Departamento de Agricultura, a USGS (Serviço Geológico dos EUA), a Universidade Estadual da Califórnia e a Universidade de Nebraska-Lincoln, entre outras.
A única instituição de fora dos EUA a participar do projeto é a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
O objetivo da iniciativa, iniciada em solo americano em 2021, era desenvolver um método eficaz para medir a troca de água da superfície para a atmosfera terrestre em vastas regiões, por meio do uso de dados de sensoriamento remoto –principalmente imagens de satélite.
Não é fácil fazer essa estimativa de forma precisa, por conta da complexidade envolvida no sistema. Ele precisa levar em conta não só os efeitos físicos, de que a água depositada na superfície evapora e sobe como vapor para a atmosfera, mas também os efeitos biológicos, com a transpiração constante das plantas que recobrem boa parte do solo terrestre.
Daí o uso da expressão "evapotranspiração" (que responde pela sigla ET no nome do projeto) para englobar todos os processos que precisam ser contemplados e medidos.
"O OpenET surgiu nos EUA especialmente em função da reduzida disponibilidade hídrica para irrigação de grandes áreas agrícolas, além de um cenário de mudanças climáticas, possivelmente com menor disponibilidade hídrica e maior ocorrência de secas", conta Anderson Ruhoff, pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS e líder da participação brasileira na iniciativa.
"O projeto foi criado para monitorar e gerenciar o uso da água na agricultura, especialmente irrigada."
MEDIÇÃO EM ETAPAS
Não é fácil estimar quanta água deixa o solo com base em imagens de satélite, que não oferecem essa informação de forma direta. Os pesquisadores tiveram de desenvolver uma metodologia para transformar as informações brutas que vêm do sensoriamento remoto em estimativas de evapotranspiração.
"O OpenET usa modelos matemáticos que simulam os processos físicos que ocorrem entre a superfície e a atmosfera, incluindo, por exemplo, a incidência de radiação solar, temperatura da atmosfera, processos de aquecimento de ar e evaporação da água e transpiração das plantas", explica Ruhoff.
Equipamentos usados pelo projeto OpenET no exterior; iniciativa ganha agora vertente do Brasil - Divulgação
"De uma maneira geral, esses modelos matemáticos, de base física, são alimentados por dados captados por satélites, em grande detalhamento espacial –que permite detectar lavouras agrícolas, áreas florestais e áreas desmatadas. Ainda são usados dados meteorológicos que, combinados com os dados de satélites, permitem fazer todas essas simulações de interação superfície e atmosfera."
Essas simulações são permeadas de incertezas, o que torna o desafio ainda maior. Para mitigá-las, o projeto segue uma metodologia de multimodelos, ou seja, vários modelos diferentes (seis ao todo) para processar os dados de uma mesma região. É algo que exige muito processamento computacional, e aí entram os recursos fornecidos por um dos parceiros empresariais do projeto, a gigante da informática Google.
O processo permite combinar os resultados de todos os modelos como forma de reduzir as incertezas, produzindo valores que se aproximam mais da realidade.
E como saber que o sistema realmente funciona? Um marco importante nessa direção foi um novo estudo publicado pelo grupo em janeiro no periódico britânico Nature Water.
Ele contrastou, por meio de análises complexas, os resultados colhidos pelo OpenET com medições locais feitas por estações em 152 locais diferentes, ao longo do território dos EUA. O resultado?
"Eles demonstram que as estimativas baseadas em dados de sensoriamento remoto se aproximam muito dos dados medidos, o que confere ao projeto a robustez e acurácia necessárias para dar credibilidade e confiança ao projeto", diz Ruhoff.
Com a demonstração, vêm as aplicações práticas. Graças ao projeto, agora é possível quantificar exatamente quanta água está sendo usada nas áreas agrícolas da metade oeste dos EUA.
"Essa informação pode ser utilizada por agências reguladoras para gerenciar o recurso escasso. Da mesma forma, os produtores podem utilizar essa informação para correlacionar com a produtividade agrícola de suas lavouras e maximizar o uso da água na irrigação, de forma a produzir mais com menor quantidade de água."
É um avanço muito importante, tendo em vista que medições locais de evapotranspiração são extremamente caras e praticamente inviáveis para aplicação em grandes áreas.
Já com o uso de dados de satélite (a principal fonte são as imagens da série americana Landsat), é possível fazer uma cobertura em escala global. "O custo computacional ainda é elevado, por isso parcerias com instituições privadas, como o Google, são essenciais para obtenção de dados de evapotranspiração em grandes áreas", afirma Ruhoff.
MELHORIAS E EXPANSÃO PARA O BRASIL
Os pesquisadores seguem trabalhando para melhorar ainda mais a precisão das estimativas, seja pela inclusão de dados adicionais de sensoriamento remoto colhidos por outros satélites, seja pelo aprimoramento dos modelos dos processos físicos envolvidos.
Para além disso, os pesquisadores decidiram dar um salto e trazer o projeto para fora dos EUA. O Brasil, em virtude da participação do grupo da UFRGS, tornou-se o candidato natural para a expansão.
"É um grande momento para o país, pois teremos informações sem precedentes para gestão de recursos hídricos", diz Ruhoff.
A versão brasileira da iniciativa, OpenET-Brasil, deve começar nos próximos meses, com duração prevista de cinco anos, com os primeiros dados surgindo em dois. Ele será financiado pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) e vai ter suporte do OpenET, de suas instituições parceiras, do EDF (Environmental Defense Fund) e do Google.
Para Ruhoff, as aplicações no Brasil podem ser diferentes e mais variadas, indo além do monitoramento de áreas agrícolas irrigadas e focando em problemas como a evaporação de reservatórios, que permitirá melhorar a gestão de recursos e disponibilidade hídrica para produção de energia elétrica, e impactos do desmatamento na distribuição de água pelo país.
MEDINDO A ÁGUA QUE EVAPORA
Projeto OpenET tem por objetivo usar sensoriamento remoto para estimar quanta água evapora de cada lugar do planeta
QUEM O FAZ? O projeto, iniciado nos EUA, é uma parceria de várias agências e instituições de pesquisa americanas, com a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
COMO FUNCIONA?
- Satélites em órbita da Terra colhem imagens e dados que revelam a cobertura da superfície (florestas, plantações, áreas desmatadas etc.)
- Dados adicionais são colhidos em solo com estações meteorológicas, como umidade, vento, temperatura e pressão, entre outros parâmetros
- A partir desses dados brutos, o projeto executa simulações de computador com modelagem matemática dos processos físicos que ocorrem entre a superfície e a atmosfera
- Com seis modelos diferentes, o OpenET usa a estrutura computacional fornecida pela big tech Google para estimar com mais precisão a quantidade total de evapotranspiração (evaporação da água e transpiração de plantas)
- Os resultados produzidos pela combinação dos modelos são comparados com dados observados em campo, confirmando sua acurácia
PRINCIPAIS APLICAÇÕES PARA O BRASIL
- Expansão da agricultura irrigada monitorando o uso da água
- Monitoramento da evaporação de reservatórios para melhoria da gestão hídrica
- Medição de impactos dos desmatamento na disponibilidade hídrica (Folha, 18/3/24)