25/04/2023

Propriedade, liberdade e agronegócio - Por Ângela Gandra Martins

Propriedade, liberdade e agronegócio - Por Ângela Gandra Martins

Ângela Gandra Martins-Foto Ascom-Jornal Grande Bahia

 

Não só temo a ilicitude no caso das “invasões”, como me entristeço ao ver que no Brasil condenamos quem trabalha pacificamente da terra o que pode servir a todos.

Em seu livro A Lei – sempre uma luz para aqueles que trabalham por uma verdadeira democracia –, Frédéric Bastiat destaca o direito à propriedade como fundamental: “A vida, a liberdade e a propriedade não existem porque os homens fizeram leis. Pelo contrário, foi o fato de que a vida, a liberdade e a propriedade existiam de antemão que fez com que os homens fizessem leis”.

De fato, desde a Magna Carta ao Estado Moderno, passando pelas revoluções em nome da liberdade até as declarações de direitos universais, seu reconhecimento não constitui atribuição do direito em si, mas o natural entendimento de que este existe, também como concretização e plataforma da liberdade.

De qualquer forma, sendo o homem constitutivamente relacional, a projeção desse direito adquire também sua dimensão social, dentro dos limites da racionalidade e da razoabilidade, pautados pelo sentido de responsabilidade e pertencimento, a partir da liberdade, também constitutiva e, evidentemente, dentro da moldura do Estado Democrático de Direito, em nosso caso instituído por nossa Constituição federal.

Neste artigo, queria ressaltar dois pontos que me assistam não só como professora de Filosofia do Direito, mas como jurista, advogada e ativa no âmbito dos direitos humanos, dentro e fora do País.

Em primeiro lugar, a naturalidade do tratamento político-jurídico do tema invasões, substituído com a intencionalidade própria da Filosofia da Linguagem por ocupação, como se fosse defesa genuína de um direito devido.

Por outro lado, trabalhando hoje no agro, como gerente jurídica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), e tendo já visitado inúmeros municípios paulistas – além do intercâmbio que temos com as demais federações, por meio do Conselho Jurídico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), do qual também faço parte, tenho podido constatar o quanto as terras em questão são efetivamente produtivas.

Nesse sentido, não só temo a ilicitude, mas me entristeço ao ver que em nosso país condenamos quem trabalha pacificamente tirando da terra o que pode servir a todos, ou mesmo, na cadeia produtiva, repreende os empresários por gerar empregos. Ao mesmo tempo, as soluções que se oferecem para equilibrar a sociedade não se pautam na lei e na justiça, mas num paternalismo eleitoreiro que não chega a estabilizar definitivamente o ser humano a partir de sua vocação para o trabalho.

Desde que estou nesta área, aprendo muito com agricultores e produtores, e vejo – sem utopias ilusionistas – o quanto é possível uni-los, visando também à segurança alimentar para o Brasil e para o mundo, pois temos capacidade para tal, por meio da segurança jurídica e da implementação do artigo 187 de nossa Carta Magna, que agrega poderes e sociedade civil para projetar o imprescindível agronegócio.

Porém, se se ultrapassa a forma do Direito para estimular ações que a contrariam, este segmento econômico é altamente prejudicado, afetando desde famílias até o PIB, mas, mais do que tudo, o justo direito ao alimento.

Por outro lado, enquanto se gastam tempo e energias num espectro sem fundamento legal, perdemos outras questões verdadeiramente jurídicas e decisivas, como o caso do cartel da laranja, conluio que lesou uma gama de pequenos citricultores.

O sistema Faesp/Senar, cujo lema é “plante, cultive e colha a paz”, tem trabalhado no sentido compositivo, e não opositivo, buscando o ganha-ganha para todos; unindo sindicatos; ouvindo e apoiando sugestões para o crescimento com liberdade e criatividade; investindo no turismo rural junto com o governo de São Paulo, para criar mais oportunidades; espalhando as Semeadoras do Agro por todo o Estado, de forma a projetar a mulher no campo; fazendo parcerias com universidades para oferecer ensino superior aos trabalhadores do agro; etc. E, também, reivindicando justos direitos por meio, por exemplo, do ingresso como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.326, que se refere às terras do Pontal do Paranapanema.

Não posso deixar de agradecer ao dr. Fábio Meirelles, presidente da Faesp, por todo o suporte que vem dando há quase 50 anos para que a instituição sirva seus nobres fins, bem como o seu filho, dr. Tirso Meirelles, vice-presidente, que leva com tanta garra a gestão, junto do pai.

Isto é o agro: terra, família, crescimento econômico e florescimento humano. Acredito que é preciso ver de perto seu potencial e dar a devida plataforma jurídico-legislativa para que seus frutos se espalhem levando alegria a todos os lares.

Termino citando novamente Bastiat: “Se o objetivo da lei é a proteção de direitos, não pode ser usada para realizar o que os indivíduos não têm o direito de fazer”. Nesse sentido, não subestimo a capacidade de nossos juízes e governantes de, a partir do respeito à lei, entender melhor por que nossa Constituição defende a propriedade, a liberdade e projetou especialmente o agronegócio (Ângela Gandra Martins é gerente Jurídica da Faesp, sócia da Gandra Martins Advogados Associados, membro do Conjur, Faesp, Fiesp e DNA e PhD em Filosofia do Direito; O Estado de S.Paulo, 23/4/23)