24/03/2023

Puxada pelo desmatamento, País tem 'década perdida' em emissões de carbono

Puxada pelo desmatamento, País tem 'década perdida' em emissões de carbono

Desmatamento na Amazônia Reuters Paulo Whitaker.jpg

Houve crescimento de 41% no volume de gases de efeito estufa que o país jogou na atmosfera entre 2010 e 2021.

O Brasil perdeu uma década na apertada corrida contra as mudanças climáticas. Entre 2010 e 2021, as emissões brutas de de gases de efeito estufa do país foram de 1,7 bilhão de toneladas para 2,4 bilhões —um aumento de 40,7%.

O quadro é ainda pior nas emissões líquidas, quando são descontados os gases removidos por florestas, que tiveram alta de 56% (de 1,3 bilhão para 1,7 bilhão de toneladas).

Os dados são do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) do Observatório do Clima. O compilado dos últimos dez anos foi divulgado nesta quinta-feira (23).

O principal responsável pelos números é o desmatamento, que, em 2021, respondia por cerca de 49% das emissões nacionais. Naquele ano, as emissões brutas por uso da terra e florestas (setor que compreende principalmente o desmate) em todos os biomas atingiram 1,19 bilhão de toneladas (Gt) de gás carbônico equivalente (CO2e, unidade que representa os gases de efeito estufa), aumento de 83% em relação a 2010.

No mesmo período, segundo dados do sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a taxa de destruição anual da Amazônia cresceu 86%, indo de 7.000 km² para mais de 13 mil km².

O ano de 2010 é especialmente importante porque marca a regulamentação da PNMC (Política Nacional sobre Mudança do Clima), que foi criada para garantir a adoção de medidas para prever, evitar ou minimizar as causas das mudanças climáticas. Esta lei previa que o desmatamento no bioma deveria ter sido de no máximo de 3.925 km² em 2020 —o índice real foi de 10,8 mil km².

Já 2021 deveria ter sido o primeiro ano de implementação da meta brasileira para cumprir o Acordo de Paris (a chamada Contribuição Nacionalmente Determinada, conhecida pela sigla em inglês NDC).

De acordo com o relatório do Seeg, com a PNMC, o que se esperava para 2021 é que as emissões nacionais tivessem entrado numa trajetória de redução, que o país adotasse novas metas, mais ambiciosas, e que a suposta redução nas taxas de desmate da Amazônia deixasse o Brasil numa posição vantajosa para cumprir a meta original da NDC, de reduzir as emissões em toda a economia em 37% até 2025 em relação aos níveis de 2005.

"O que se verificou, porém, foi algo muito diferente", diz o documento.

"Desde a primeira edição do Seeg, em 2012, até a atual, em 2021, o aumento verificado nas emissões brutas foi de 30% e, nas líquidas, de 40%. Esses números indicam que, embora a PNMC tenha produzido inovações importantes no ordenamento legal brasileiro e criado instrumentos para mensuração de emissões e combate à mudança do clima, do ponto de vista da atmosfera a década de 2010 foi perdida para o Brasil."

Quanto à meta original da NDC brasileira, entre 2005 e 2021, a redução nas emissões brutas foi de apenas 8,2% e nas líquidas, de 20%, segundo os dados do Seeg.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, a NDC foi atualizada duas vezes, ambas recorrendo a mudanças do referencial de emissões no ano-base de 2005. Na prática, a manobra, que foi chamada de "pedalada climática", faria o Brasil chegar a 2030 com uma meta de emissão maior do que o previsto pela primeira NDC.

 As emissões de todos os outros setores também cresceram entre 2010 e 2021. Em resíduos, principalmente lixo e esgoto, a alta foi de 31%, em processos industriais e uso de produtos, houve aumento de 13%, em energia, o crescimento foi de 17%, e, em agropecuária, de 12%.

No setor de energia, a alta pode ser explicada pelo aumento no número de usinas termelétricas fósseis e do uso do diesel nos transportes. Na agropecuária, cresceram o rebanho bovino e consumo de fertilizantes.

O Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa, respondendo por 3% do total mundial, de acordo com informações da ONG WRI (World Resources Institute), que vão até 2019. O país fica atrás de China (25,2%), Estados Unidos (12%), Índia (7%), União Europeia (6,6%), Rússia (4,1%) e Indonésia (4%).

"[No entanto, desde 2019], o desmatamento caiu na Indonésia, enquanto no Brasil ele subiu. Portanto, é provável que o país seja na realidade o sexto maior emissor", ressalta o relatório.

De acordo com o mais recente relatório o painel científico do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês), lançado na última segunda-feira (20), as emissões globais devem ser cortadas em pelo menos 48% até 2030 para que o mundo contenha o aquecimento global em até 1,5ºC, cumprindo o Acordo de Paris (Folha de S.Paulo, 24/3/23)