03/06/2020

Queda de demanda por energia leva Brasil a limitar até geração renovável

Queda de demanda por energia leva Brasil a limitar até geração renovável

A drástica queda na demanda por eletricidade vista em todo o mundo devido às medidas de isolamento adotadas contra a disseminação do coronavírus tem levado a mudanças importantes na operação do sistema elétrico em diversos países, inclusive no Brasil, onde até mesmo a geração de energia renovável vem sendo afetada.

Mas, enquanto na Europa e nos Estados Unidos a pandemia ajudou a desligar termelétricas e reduzir emissões, ao ampliar a fatia de fontes renováveis na matriz, no Brasil o novo cenário tem por vezes exigido restrições à geração de usinas limpas, como eólicas e solares, disseram especialistas à Reuters.

Esse comportamento deve-se às características particulares do parque gerador do país, onde as renováveis já predominam e não há parcela suficiente de usinas movidas a combustíveis fósseis para que estas absorvam sozinhas o choque na demanda.

O sistema brasileiro também teve relevante expansão recente com hidrelétricas na Amazônia, construídas sem reservatórios para aliviar impactos ambientais, o que hoje dificulta o controle da produção pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão técnico que coordena o acionamento de usinas e linhas de transmissão para atender à carga.

“Hoje, até pela pandemia, nós estamos fazendo cortes de geração para balancear com a carga. Não conseguimos alocar toda essa geração no sistema”, disse à Reuters o diretor de Operação do ONS, Sinval Gama.

O ONS prioriza despachar usinas que dependem de recursos sem custos e que não podem ser controlados, como vento e sol. Mas algumas hidrelétricas não têm flexibilidade para reduzir a produção pela falta de reservatório ou por questões ambientais, enquanto algumas térmicas são vistas como necessárias para garantir a segurança do sistema, acrescentou ele.

“Se eu já consegui restringir toda a geração que é passível de ser feita restrição e ainda sobrou excesso, eu tenho que cortar. A eólica e a solar são as últimas a serem cortadas”, acrescentou ele.

Esses procedimentos visam garantir que a rede elétrica esteja sempre pronta para suportar uma eventual elevação súbita da demanda ou queda na geração, por questões como baixos ventos ou nuvens que atrapalhem a produção solar.

“Você tem que pilotar essa situação realmente no minuto a minuto, porque você não pode deixar que o consumidor sinta essa variação”, afirmou o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, que assumiu o cargo em meados de maio.

A situação, segundo os especialistas, ainda não chega a ficar evidente para todas as fontes da matriz, mas alguns empreendimentos vêm perdendo milhões de reais pela menor operação.

Dados do ONS compilados pela Reuters mostram que a produção das eólicas respondia por 5,45% da carga em 25 de maio, enquanto as solares eram 1,1% e as termelétricas somavam 10,13%.

Em 25 de fevereiro, antes da pandemia, a geração térmica era de 11,48%, enquanto solares representavam quase 1%, e eólicas respondiam por uma geração cerca de 50% maior, de 8,5%.

Em 2019, a geração em 25 de maio também era semelhante, com 11,26% de térmicas, 7,95% de eólicas e 0,67% solares.

Em todos esses cenários as hidrelétricas seguiram como principal fonte da matriz, com mais de 70%, contando Itaipu.

“Na Europa, está aumentando, por conta da pandemia a ênfase em renováveis. No Brasil, nossa geração de renováveis já é bastante grande, muito maior que qualquer outro país do mundo. Não tem nada radicalmente diferente do que a gente vinha fazendo e de como a gente vinha operando”, acrescentou Ciocchi.

Emissões de carbono do setor de geração de energia caíram 15% em 2020 nos países mais afetados por medidas de isolamento contra a Covid-19, segundo estudo divulgado na publicação Nature Climate Change neste mês.

Nos EUA, efeitos das quarentenas sobre a demanda ajudaram as renováveis, incluindo solar, eólica e usinas hídricas, a ultrapassarem a produção de térmicas a carvão por 40 dias consecutivos, um recorde, segundo dados do governo.

“Lá (EUA, Europa) eles não têm esse problema porque o sistema é predominantemente térmico, tem um volume imenso de térmicas e você consegue controlar o sistema só reduzindo elas, não chega a afetar eólica e solar”, disse à Reuters o consultor Hermes Chipp, que dirigiu o ONS entre 2005 e 2016.

A carga de energia do Brasil caiu quase 12% em abril, primeiro mês totalmente sob efeito de quarentenas.

EMPRESAS MONITORAM

Representantes dos setores eólico e solar disseram que restrições temporárias à geração dessas fontes já foram vistas em alguns momentos antes, mas se agravaram e passaram a ser uma preocupação relevante desde meados de março, com a pandemia.

Durante as limitações, que chegam a durar horas, o ONS determina redução na geração de diversas usinas, principalmente no Nordeste, às vezes também por limitações relacionadas à capacidade de escoamento de linhas de transmissão, disse o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia.

“O problema é que se você parou de produzir, no caso da eólica e da solar, não dá pedir para o sol parar um pouco e depois compensar aquela paradinha, ou o vento”.

“O momento é delicado, as ocorrências aumentaram e envolvem da ordem de milhões de reais”, acrescentou Sauaia, que disse não ter autorização para detalhar valores ou companhias afetadas.

A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) também segue o tema e vê efeitos “um pouco significativos” em empresas.

“É um momento difícil você ter que desligar uma eólica, uma solar, e desperdiçar aquele recurso. É uma ‘Escolha de Sofia’ do operador”, disse a presidente da Abeeólica, Elbia Gannoun, em referência à história em que uma mãe tem que escolher entre a vida de um de seus filhos.

Os empresários têm discutido o tema junto ao ONS e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel, com expectativa de que valores que deixaram de embolsar devido às restrições possam ser ressarcidos de alguma maneira no futuro, segundo as associações.

As usinas eólicas respondem por 9% da matriz elétrica do Brasil, enquanto solares são apenas 1,69%. As hidrelétricas representam a maior parte da capacidade, com 62,5%, enquanto térmicas com combustível fóssil são 17%, segundo dados da Aneel (Reuters, 2/6/20)