Querem o governo Bolsonaro no governo Lula, diz ministra Marina Silva
A ministra Marina Silva - Adriano Machado - 24.mar.2023-Reuters
Ministra disse que tentará evitar mudanças do Congresso, que podem colocar em xeque acordo com União Europeia.
Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), a tentativa de alteração da Esplanada dos Ministérios empreendida pelo Congresso pretende reinstalar a política ambiental do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Querem mudar a medida provisória da Esplanada para implementar o governo Bolsonaro no governo Lula", afirmou à Folha.
Marina diz ainda que as mudanças podem colocar em xeque a tentativa de chegar a um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, uma vez que os europeus vêm fazendo exigências rígidas acerca da pauta ambiental.
Para a ministra, as alterações podem também levar a problemas relacionados aos recentes acordos com a China, focados em parcerias nas áreas ambiental e do agronegócio.
Marina ainda afirmou que as alterações, se consolidadas, vão contra o trabalho dela e do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que vem tentando "reposicionar o Brasil junto a investidores".
"Estamos fazendo um Plano Safra de baixo carbono e eles vêm desmontar tudo pela mão do Congresso", avaliou
Marina afirmou nesta terça-feira (23) que irá trabalhar junto ao Congresso para reverter as mudanças na Esplanada dos Ministérios que, na prática, desidratam a política ambiental do governo.
Como antecipou a Folha, parlamentares ligados ao agro se movimentaram para podar a política ambiental de Lula (PT) e retomar o organograma de Jair Bolsonaro (PL).
O relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) para a medida provisória da reestruturação da Esplanada prevê a retirada da ANA (Agencia Nacional de Águas) e do CAR (Cadastro Ambiental Rural) do Meio Ambiente, e a saída da demarcação de terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas para o da Justiça.
A pasta ambiental também perderia o Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos).
Os instrumentos da política ambiental foram realocados por Lula ao Ministério do Meio Ambiente, após terem sido retirados da pauta pelo governo Bolsonaro.
Pelo relatório apresentado ao Congresso, as competências voltam a ficar fora da pasta ambiental.
Os três sistemas iriam para o Ministério das Cidades, de Jader Filho (MDB-PA), a ANA para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional —pasta comandada por Waldez Góes (PSD), indicação de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP)— e o CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, iria para a Gestão e Inovação em Serviços Públicos, de Esther Dweck.
O cadastro ambiental tem papel central na fiscalização de crimes ambientais em propriedades rurais, como grilagem e desmatamento. Parlamentares ligados à pauta ruralista defendiam ainda que a transferência do instrumento fosse para o Ministério da Agricultura —retomando a estrutura existente no governo Bolsonaro.
O relatório para mudar a estrutura da Esplanada foi apresentado nesta terça em sessão da comissão mista que analisa a MP (medida provisória).
"Obviamente que estamos todos trabalhando para manter as competências do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério dos Povos Indígenas", afirmou Marina.
"Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro. Isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos, sociais e ambientais. Então, com todo respeito ao Congresso Nacional, à autonomia que ele tem, vamos para o debate, para o convencimento, com os parlamentares. Isso não ajuda o Brasil, nem a agricultura brasileira", disse.
As mudanças ocorrem em meio a uma queda de braço entre os próprios ministros de Lula após veto do Ibama à exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, com apoio de Marina.
O pronunciamento da ministra, inclusive, ocorreu após uma reunião na Casa Civil, com presença do Ibama, da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia sobre o tema.
Em outra frente, a proposta apresentada por Isnaldo deve esvaziar atribuição da pasta dos Povos Indígenas ao transferir a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Justiça. Com isso, ele atende em partes a um pleito da bancada ruralista, que queria essa responsabilidade fora do ministério chefiado por Sônia Guajajara (PSOL-SP).
Pelo texto do emedebista, caberá à pasta dos Povos Indígenas a defesa e a gestão das terras e territórios já demarcados.
Alvo de disputa entre ruralistas, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) também deverá ter suas competências desmembradas seguindo o relatório apresentado ao Congresso.
Sob o governo Bolsonaro, o órgão estava vinculado à pasta da Agricultura, atualmente comandada por Carlos Fávaro (PSD). Com a MP original, editada por Lula no início do governo, ela foi transferida para o Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, chefiado por Paulo Teixeira (PT).
Agora, as competências da Conab ficarão divididas, mas com as principais atribuições do órgão junto à Agricultura: produção e divulgação de informações dos sistemas agrícolas e pecuários e comercialização, abastecimento, armazenagem e garantia de preços mínimos.
Houve pedido de vista coletivo, e o texto voltará a ser discutido e votado na quarta (24). Há uma pressão pela celeridade da apreciação da matéria, uma vez que ela perderá a validade no próximo dia 1º e ainda precisa passar por votações na Câmara e no Senado.
À Folha Isnaldo reiterou que não irá incorporar em seu relatório o texto da MP que extingue a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e transfere suas atribuições para os ministérios das Cidades e da Saúde. Ele incluiu no texto um dispositivo que autoriza a extinção do órgão, e que caberá ao governo a palavra final sobre o assunto.
A extinção da Funasa é um ponto que enfrenta resistências entre parlamentares, uma vez que órgão é cobiçado por partidos políticos por executar obras de saneamento em pequenos municípios (Folha de S.Paulo, 24/5/23)
'Não cabe composição em decisões que são técnicas', diz presidente do Ibama, sobre exploração da Foz do Amazonas
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho - Amanda Perobeli - 7 mar. 2023-Reuters
Presidente do Ibama, da Petrobras e ministros discutem questão em reunião no Planalto.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, descartou nesta terça-feira (23) um acerto político para a questão da exploração de petróleo na foz do Amazonas, tema que vem dividindo o governo, colocando de um lado a ala ambiental e de outro a chamada ala desenvolvimentista e parlamentares da região Norte.
Agostinho participou na tarde desta terça-feira de uma reunião na Casa Civil com a participação do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e dos ministros das Minas e Energia e do Meio Ambiente, Alexandre Silveira e Marina Silva, respectivamente.
"Eu emito 3.000 licenças por ano, não tenho como ficar em cada licença chamando todas as partes, buscando uma composição, porque não cabe composição [política] em decisões que são técnicas. Muitas vezes a gente vai tomar decisões que vão agradar um grupo de pessoas, desagradar outro grupo de pessoas", afirmou o presidente do órgão.
Agostinho ainda disse que, em caso de acidentes, embarcações chegariam ao local cerca de 48 horas depois, apenas, aumentando assim o risco de que óleo atinja a costa brasileira.
O presidente do Ibama também argumentou que as condições de exploração na foz do Amazonas não podem ser comparadas com a de países vizinhos, que executam essas atividades.
"A Venezuela está na mesma linha do Equador, na mesma faixa equatorial, mas está muito mais distante da foz do rio Amazonas. Então existe uma série de implicações diferentes ali. Na Venezuela, você tem uma situação de um certo abrigo por conta da presença do lago Maracaibo, você tem uma série de situações ali, a gente já está falando do mar do Caribe, um pouco diferente da foz do Amazonas", afirmou.
Agostinho acrescentou que chegou a pedir complementação de informações para a Petrobras, antes de o órgão tomar a sua decisão. No entanto, não foi detectada viabilidade ambiental e segurança.
Para o dirigente do Ibama, decisão não significa que o órgão tenha fechado as "portas" para a Petrobras, que pode reapresentar os pedidos de licença. Agostinho ressaltou que vários pedidos foram aceitos neste ano, e que todos são analisados tecnicamente.
"O Ibama pediu para a Petrobras por oito vezes complementações nos estudos, e as complementações não foram suficientes para comprovar a viabilidade. A Petrobras pode como empreendedora, a qualquer momento, fazer uma nova solicitação de licença. Não estamos fechando portas. Mas a gente vai continuar debruçado tecnicamente e as respostas serão no âmbito técnico do processo."
Na quarta-feira passada (17), Agostinho acompanhou parecer técnico do órgão e negou o pedido feito pela Petrobras para perfurar a bacia da foz do rio Amazonas com objetivo de explorar petróleo na região.
A decisão foi tomada após o Ibama demonstrar preocupação com as atividades da petroleira em uma região de vulnerabilidade socioambiental.
O instituto afirma que os planos apresentados pela empresa são insuficientes para garantir a segurança do empreendimento e que não foi entregue uma AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar), estudo que analisa se a região, e não só o bloco específico da perfuração, é apta ou não para ser explorada, considerando as características do meio ambiente.
O Ibama diz ainda que o pedido estava incompleto em pontos como plano de proteção à fauna e plano de comunicação social para as comunidades indígenas. Segundo nota técnica do instituto, houve "a constatação de impactos ambientais não previstos no EIA [estudo de impacto ambiental] e sem medidas mitigadoras elaboradas de forma fundamentada e passíveis de verificação de efetividade".
A decisão provocou grande divisão no mundo político, inclusive dentro do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Políticos da região, como o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, do Amapá, criticaram a decisão do Ibama, assim como o ministro Alexandre Silveira e o presidente da Petrobras. Randolfe deixou a Rede, partido de Marina Silva, horas após a decisão do Ibama.
Por outro lado, Marina Silva defendeu a decisão do órgão ambiental. Em palestra na CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) nesta segunda (22), Marina não mencionou o impasse, mas disse que não se pode destruiu "o presente" dado por Deus.
"Muita contradição dizer que ama o Criador e desrespeita a criação, dizer que ama o Criador e destrói a criação, dizer que ama o Criador e está mais preocupado em ganhar dinheiro com a criação do que cuidar desse jardim, que Ele nos colocou para cultivar e guardar. Pode cultivar, usar, mas guarda, protege", afirmou.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, evitou tomar uma posição clara sobre a questão do petróleo na foz do Amazonas.
"Esse é um tema técnico. A condução fundamental tem a ver [com] como a gente combina a necessidade de desenvolvimento econômico, da exploração de riquezas naturais importantes, como o petróleo, com a preservação ambiental. O Brasil já mostrou que é possível fazer isso. É possível fazer isso", afirmou o ministro, ao sair de uma reunião com Lula no Palácio da Alvorada.
Padilha afirmou que não participou da reunião na tarde desta terça-feira, na Casa Civil, envolvendo vários ministérios. No entanto, acrescentou que o país tem capacidade de ser um "modelo do desenvolvimento econômico" e combinar a exploração de riquezas com a proteção ambiental.
"Para nós, a questão ambiental é um ativo importante do desenvolvimento, a sustentabilidade é uma questão central", disse (Folha de S.Paulo, 24/5/23)