R$ 70 bi: Leilão do pré-sal frustra por atrair apenas Petrobras e chinesas
O governo brasileiro negociou nesta quarta-feira duas áreas do excedente da cessão onerosa por cerca de 70 bilhões de reais, no que foi considerado por autoridades como o maior certame petrolífero da história, mas classificado como frustrante por alguns representantes do mercado devido à baixa participação de petroleiras estrangeiras.
A licitação, que poderia gerar cerca de 106,6 bilhões de reais em bônus se as quatro áreas do pré-sal tivessem sido vendidas, ficou concentrada em lances da Petrobras e de duas empresas chinesas.
A Petrobras arrematou dois blocos, incluindo o mais desejado e caro do leilão, Búzios, fazendo oferta de 61,38 bilhões de reais para ter 90% de participação nessa área —as chinesas CNODC e CNOOC ficaram com o restante, com 5% cada.
A estatal ainda levou sozinha Itapu, com bônus de 1,77 bilhão de reais pago à União pelo bloco.
Mesmo com o investimento elevado, a Petrobras fechará o ano sem elevação de dívida, uma vez que utilizará caixa, disse o presidente da companhia, Roberto Castello Branco, que comemorou o resultado ao citar que a empresa tem como foco a exploração do pré-sal, altamente produtivo.
“Não haverá um dólar de aumento de dívida e continuaremos a executar nossa estratégia que inclui como parte importante a gestão ativa de portfólio, disciplina na alocação de capital”, declarou ele.
O resultado do leilão foi considerado positivo pelo governo, uma vez que pode contribuir para redução do déficit para até 82 bilhões de reais em 2019.
Além disso, a licitação tinha complexidades, por envolver áreas em que a Petrobras já tem operação, pelo contrato original da cessão onerosa, na avaliação do diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone.
“O leilão foi um sucesso, o maior já realizado, levantou o maior bônus para um leilão dessa natureza no mundo e principalmente foi possível destravar um conjunto de investimentos”, afirmou Oddone.
Segundo ele, as expectativas agora se voltam para o leilão de quinta-feira, quando cinco áreas do pré-sal serão leiloadas, sob regime de partilha, em uma licitação considerada como convencional, por ofertar áreas que pertencem apenas à União e sem atividades exploratórias.
Diante do lance agressivo por Búzios, com 90% de participação no consórcio, a ação da Petrobras chegou a cair mais de 5%, mas operava em baixa de 1% por volta das 16h.
As áreas ofertadas já são operadas pela Petrobras, sendo que Búzios entrou em operação no ano passado. As vencedoras do leilão teriam que ressarcir a petroleira por investimentos já realizados no passado. Autoridades reconheceram que essa questão limitou o interesse no certame.
“DESASTRE”
“Total desastre é a melhor forma de descrever a rodada desta manhã. Nenhuma grande petroleira participar é uma falha flagrante para a ANP, enquanto o governo perdeu 9 bilhões de dólares em bônus de assinatura”, disse o chefe da consultoria Welligence, Ivan Cima, em nota a clientes.
Segundo Cima, em geral, a rodada foi “condenada” por altos bônus de assinatura, necessidade de reembolsos excessivamente complexos e não transparentes para a Petrobras.
A Shell, maior produtora no pré-sal após a Petrobras, decidiu ficar fora do leilão devido ao elevado custo do bônus de assinatura.
“Vários motivos para (não entrar)... são ofertas caras para os blocos, e o fato de a companhia ter disciplina de capital muito forte, não tínhamos como passar esses projetos este ano”, explicou o presidente da Shell no Brasil, André Araújo, a jornalistas.
Já André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, destacou ser possível dizer que o leilão da cessão onerosa deixou muito a desejar por falta de demanda de estrangeiros pelos campos em disputa.
Segundo ele, o fato de duas áreas (Sépia e Atapu) não terem tido nenhuma proposta deixou um “gosto amargo” entre os investidores, “sem contar que não houve ágio algum sobre as propostas mínimas obrigatórias”.
Por Búzios, onde a estatal já opera, a Petrobras e suas parceiras fizeram a oferta mínima de 23,24% de excedente em óleo à União, informou a ANP, que organiza o certame.
Não houve outra oferta pelo bloco, arrematado por um total de 68,2 bilhões de reais em bônus de assinatura à União, considerando o valor que será pago juntamente com as duas chinesas.
O campo de Búzios já está em produção pela Petrobras, que tem o direito de explorar até 3,15 bilhões de barris de óleo equivalente no ativo, volume já declarado comercial pela petroleira, a partir do contrato original da cessão onerosa.
Os volumes excedentes do ativo, no entanto, poderão ser explorados pelo consórcio vencedor.
A Petrobras ainda arrematou sozinha nesta quarta-feira o bloco Itapu, no mesmo leilão, com a oferta de 18,15% de excedente em óleo à União.
O campo de Itapu já foi declarado comercial pela Petrobras, que tem o direito de explorar até 350 milhões de barris de óleo equivalente no ativo, a partir do contrato original da cessão onerosa.
Para o analista Régis Cardoso, do Credit Suisse, o resultado foi positivo para a Petrobras, considerando que a estatal levou Búzios com o mínimo de oferta de óleo à União.
Já os blocos Sépia e Atapu, na Bacia de Santos, não receberam ofertas na rodada. Ambos tinham um bônus de assinatura somados de cerca de 36,6 bilhões de reais (Reuters, 6/11/19)
Por que o leilão do pré-sal resultou no ‘pior cenário’ para o governo
Legenda: Governo afirmou que áreas que não tiveram lances serão leiloadas novamente em 2020
O governo pediu um valor alto demais pelos quatro campos de petróleo do pré-sal da Bacia de Santos que foram a leilão nesta quarta-feira (6/11) e o resultado acabou sendo frustrante, avaliaram especialistas em mercado internacional do petróleo ouvidos pela BBC News Brasil.
A expectativa do governo era receber R$ 106,5 bilhões por quatro áreas de exploração, e o valor arrecadado foi de R$ 69,9 bilhões por dois desses campos (Búzios, o mais valioso, por R$ 68,2 bilhões, e Itapu por R$ 1,7 bilhão). Os outros dois campos (Sépia e Atapu) não receberam ofertas.
Além do valor abaixo do previsto, o leilão atraiu poucas empresas estrangeiras.
Em um dos campos, o de Búzios, a oferta foi vencida por um consórcio formado pela Petrobras com as empresas chinesas CNOOC e CNODC. Os chineses, porém, vão entrar com apenas 10% do total, menos de R$ 7 bilhões, e o restante será pago pela Petrobras. Já para o outro campo, o de Itapu, a única oferta foi a da Petrobras.
Como não houve concorrência (e as únicas estrangeiras a participar foram as que se uniram à Petrobras), os campos foram arrematados pelo lance mínimo previsto. Nesse tipo de leilão, além do valor fixo a ser pago para cada um dos campos, a disputa se dá pela oferta de petróleo ao governo durante o período de contrato (30 anos).
"Ficou muito claro que o governo errou a mão na definição dos bônus, cobrou caro demais. O fato de a geologia na área ser de baixíssimo risco, e a oferta era por campos com petróleo já descobertos, expõe esse erro ainda mais", disse o economista Edmar Fagundes de Almeida, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"Isso resultou no pior cenário possível para esse leilão. Dois campos arrematados pela própria Petrobras, sem concorrência, e pelo lance mínimo possível para os dois campos", disse Fagundes.
"Então, não é apenas o fato de ter recebido um valor inferior ao que esperava, mas também de que no futuro o lucro vai ser mais baixo. O governo ficou preso com um contrato com valor mínimo por 30 anos. É preocupante."
Para Fagundes, a estratégia definida pela Petrobras foi "inadequada". "Um leilão bem feito é o que tem competição. O governo falhou ao não dar margem para essa competição acontecer, ao colocar o preço lá no alto, o mais caro já cobrado no país, os R$ 106,5 bilhões que o governo esperava receber, e acabaram frustrados."
Para o economista Helder Queiroz Pinto Junior, professor da UFRJ especialista em financiamento e regulamentação do setor energético, a indefinição em relação ao ressarcimento a ser pago para a própria Petrobras — que investe na área desde 2010 e, por isso, na definição do modelo do leilão, deveria receber de volta parte desse investimento — desestimulou a entrada de concorrentes.
A Petrobras pedia R$ 45 bilhões de ressarcimento pelo que investiu na área desde 2010 — nos cálculos do Tribunal de Contas da União, o valor deveria ser de R$ 34 bilhões.
"As empresas temeram que a negociação sobre esse ressarcimento levasse muito tempo, ou que fosse parar na Justiça, e, por isso, decidiram não concorrer", disse Queiroz. "É um resultado frustrante porque é sabido que o volume de petróleo nessa área é elevado e com possibilidade de a produção começar rapidamente. Se não atraiu investidores, é porque o modelo definido pelo governo foi falho."
Justificativas
Em coletiva de imprensa depois do leilão, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, minimizou a ausência de empresas estrangeiras e afirmou que os resultados "cumpriram com as expectativas". "Foi o maior valor arrecadado em bônus em leilões de petróleo no Brasil, é um motivo de orgulho para o governo", afirmou.
Questionado sobre o motivo de as grandes multinacionais não terem participado, Albuquerque disse que "é necessário avaliar" as razões que fizeram com que essas empresas não participassem.
O ministro afirmou, no entanto, que após o novo leilão de cinco campos do pré-sal nesta quinta-feira (7/11), o governo vai avaliar a participação de empresas estrangeiras, para verificar se será necessário "rever a metodologia" para as próximas ofertas.
"A Petrobras exerceu o direito de preferência sobre duas áreas, e já era prevista sua participação. Duas petroleiras chinesas que já se encontram em operação no Brasil e em outras áreas do mundo e são importantes também participaram, mas, como sabemos, amanhã será realizado novo leilão do pré-sal, com outras características, temos que aguardar para ver qual será a participação das outras empresas para, depois, termos um cenário em que possa talvez rever a metodologia e outros parâmetros para o sucesso dos próximos leilões."
Já o presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, disse que a participação da Petrobras no leilão teve impacto na decisão de outras empresas participarem. "O fato da Petrobras ser a companhia que tem prioridade para escolher operação inibe a concorrência", afirmou, na entrevista coletiva (BBC Brasil, 6/11/19)