18/04/2018

Raízen não está mais disposta a priorizar os contratos pelo Consecana

Raízen não está mais disposta a priorizar os contratos pelo Consecana

A Raízen está a caminho de transformar o perfil da sua cadeia de suprimento e gerar um racha entre as indústrias de açúcar e álcool. Não é de hoje que a maior companhia global de sucroenergia pensa em dar mais peso à cana de fornecedores no total de sua moagem, mas o processo começa a ganhar contornos cada vez mais acelerados, especialmente porque o grupo Cosan-Shell não está mais disposto a priorizar os contratos pelo Consecana.

Ao menos três fontes com trânsito no colegiado que precifica a matéria-prima, e próximas da indústria, e que acompanharam o impasse recente quando do endurecimento em relação à reforma do modelo proposto pela Orplana (a entidade que rege as associações regionais do Centro-Sul), confirmaram ao Notícias Agrícola que a Raízen vai partir para negociações caso a caso. Em última instância, o setor pode entrar numa fase de mercado livre.

A decisão teria sido tomada mais firmemente quando um grupo de usinas nem quiseram discutir a proposta da Orplana, que olha pela meritocracia ao invés do preço comoditizado, e a Raízen optou pela composição desse novo processo. “Dito isto, significa que já houve um racha entre as usinas, e se a Raízen levar em frente esse processo o racha se aprofundará, porque certamente outros grupos terão que aderir mesmo em regiões onde não há muita concorrência pela cana”, avaliou uma das fontes.

Primeiro, pela pressão que vai existir em suas respectivas cadeias de suprimentos, mais ainda onde nas unidades com menor volume de cana própria; depois, porque o ganho de escala e margem do maior grupo mundial de cana/açúcar/etanol vai mudar o jeito das usinas operarem – boa parte com dívidas sendo carregadas por muitos anos à frente -, e CNPJs mudarão de donos.

Dona de 61 milhões de toneladas na safra passada, e a caminho de 63-67 na 18/19 – se fosse um país, a companhia seria o segundo maior produtor do mundo, depois do Brasil -, a Raízen, por meio de sua assessoria de comunicação, mandou dizer que não faria comentários. Para um dos empresários ouvidos, não é de se estranhar, porque além de fazer parte na União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), o sistema que deverá acelerar daqui por diante “já causava estranheza no setor desde 2011, quando o grupo já começou a apontar que pretendia fazer crescer o montante de cana de terceiros, para 50%”.

Traumas

Pelo Consecana ‘seco’, como rege os contratos, não há espaço para valorar a matéria-prima pela qualidade, menor teor de impurezas minerais, entrega, enfim, eficiência. “Eles até podem manter o Consecana como referência, mas bonificar de acordo com uma régua que está sendo estudada internamente”, afirmou um terceiro interlocutor, da região central de São Paulo. Em última instância, até mesmo um outro indicador de referência poderia ser adotado.

Nessa rota de buscar uma cana melhor e diminuir seus custos de arrendamento, neste caso aumentando a participação de terceiros, haverá traumas entre os produtores, sem dúvida, concordam as fontes. O mais direto seria a Raízen começar a não renovar os contratos “com os pequenos e médios mais ineficientes”, na medida em que fossem vencendo, escolhendo estrategicamente as regiões onde não haveria uma falta de matéria-prima até que novos fornecedores assumissem. São 26 unidades espalhadas no Centro-Sul.

O segundo seria eleger “franqueados”, grandes produtores que arrendariam desses outros fornecedores, com compensações financeiras maiores que justificassem essa operação de “troca de mãos dos contratos”. A outra situação é a que está mais em tela e já em andamento: a Raízen já estaria repassando suas áreas para os grandes.

“Mas não tenha dúvida que vai haver uma depuração, infelizmente com um custo até social, porém a verdade é que não haverá lugar para todos em um mercado com margens cada vez mais estreitas”, comentou uma dos entrevistados por Notícias Agrícolas.

Consecana

O Conselho de Produtores de Cana de Açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo foi criado em 1998 e a sua metodologia de calculo de remuneração deveria premiar 60% da matéria-prima.

Desde então, a cana “é outra cana”. O fim da queima deixa a cana com um teor de fibra mais alto e que na “sua regressão linear suspeita-se que não está sendo bem representada”, explica tecnicamente uma das fontes.

Também, por exemplo, hoje não se destina aos produtores o valor do ganho com o bagaço na geração de bionenergia, quando, lá atrás, só existia cana e muito menos etanol que hoje. Os custos adicionais das lavouras também não são acompanhados pela metodologia atual.

Se algumas dessas variáveis não estavam previstas na formação do ATR, estava prevista, sim, a necessidade de revisões que fossem se adequando ao tempo, e isso deveria ser de 5 em 5 anos. E há sete não ocorre.

Para um dos empresários ouvidos nesta reportagem, mesmo que o sistema do Consecana fosse reformado, não conseguiria mais se alinhar às necessidades dos produtores. E daí que a Raízen viu também, segundo ele, que não adianta muito para ela, enquanto maior player mundial, ganhar em produtividade mantendo o regime de contrato atual.

Vale dizer, que, guardadas algumas particularidades, o que a companhia agora estaria começando a agir está de certa forma alinhada ao que a Orplana chegou a propor – com a diferença de que esta gostaria de ver mantidos os contratos. Eduardo Romão, presidente da Orplana, foi procurado, aceitou falar do tema, mas em viagem não conseguimos depois contato telefônico (Notícias Agrícolas, 17/4/18)