18/02/2025

“Recuo em ESG pós-Trump pode atingir Brasil, e temos de ser vigilantes”

“Recuo em ESG pós-Trump pode atingir Brasil, e temos de ser vigilantes”

 Foto Reprodução Blog CACB

 

Maria Silvia Bastos Marques, ex-CEO de CSN e BNDES, vê risco de retrocesso em movimento de diversidade.

 

A economista Maria Silvia Bastos Marques, que foi a primeira mulher a ocupar a presidência de instituições como BNDES e CSN, vê risco de um recuo nas políticas de diversidade corporativa mundo afora após a volta de Donald Trump à Casa Branca.

Para ela, o Brasil também está sujeito a sentir os reflexos da pressão anti-ESG que cresce com o retorno do republicano à Presidência dos Estados Unidos.

 

Em seu primeiro dia de mandato, Trump assinou uma ordem executiva determinando um desmantelamento abrangente dos programas de diversidade e inclusão do governo federal, entre outras medidas que podem ameaçar iniciativas promovidas por empresas privadas.

 

Gigantes como MetaWalmart, Ford, McDonald's, John Deere, Harley-Davidson e Amazon são algumas das que começam a desembarcar de seus programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI, na sigla em inglês).

 

"O discurso das lideranças tem impacto. Se o presidente do país mais poderoso do mundo desconsidera e, ainda pior, recua em agendas como as de meio ambiente e da diversidade, sua atitude terá consequências não somente em seu país como em outros países. Inclusive —por que não? —, possivelmente, no Brasil", afirma Bastos Marques.

 

Hoje à frente da Secretaria de Projetos Estratégicos da Prefeitura do Rio de Janeiro, posição que acaba de assumir, a economista avalia que os novos tempos sob Trump vão exigir diligência da sociedade.

 

"Não imagino que haja demissões de mulheres de postos de comando, por causa dos recuos anunciados pelo presidente americano. Mas acho sim que possa ocorrer um retrocesso nessa agenda tão importante de igualdade de oportunidades. Precisamos estar muito mais atentos e vigilantes em relação ao tema", afirma.

 

Autora do livro "Vontade Inabalável: Os Erros e Acertos de uma Executiva Pioneira" (Sextante), diz que sempre teve uma sensação de "estranha no ninho" sendo a única mulher nos espaços de poder em que ocupou durante sua trajetória, mas hoje já percebe um avanço, que também se reproduz na educação transmitida pelas mães, evoluindo a cultura de cada geração. Os filhos de Bastos Marques, segundo ela, já não aceitam trabalhar em ambientes discriminatórios.

 

"Há um aspecto cultural, que depende também de nós, mulheres, como mães, em não repetir padrões de comportamento na criação dos filhos e filhas. É ficarmos atentas às diferenças, claro, mas nos assegurarmos de que ambos tenham as mesmas oportunidades de desenvolver seus talentos", diz ela.

 

O retorno de Trump à Casa Branca já tem favorecido uma série recuos em programas de diversidade de empresas nos EUA. Essa tendência pode se refletir no Brasil nos próximos anos? O discurso das lideranças tem impacto. Se o presidente do país mais poderoso do mundo desconsidera e, ainda pior, recua em agendas como as de meio ambiente e da diversidade, sua atitude terá consequências não somente em seu país, como em outros países. Inclusive —por que não?—, possivelmente, no Brasil

 

As mudanças de governo têm esse poder todo de mudar o ritmo ou a direção da agenda de diversidade? Por exemplo, nos governos Lula e Bolsonaro, houve uma mudança sensível na disposição das empresas de impulsionar a diversidade? Ou isso depende mais de outros fatores? Retomando o que mencionei no início, a atitude dos líderes, especialmente os presidentes de nosso país e de um país como os EUA, que é uma liderança mundial, importa e tem consequências.

 

Ao desmerecerem uma agenda tão relevante para a humanidade, legitimam atitudes discriminatórias, dificultando ainda mais que possamos atingir o objetivo de viver em uma sociedade em que todos, independentemente de questões como raça, sexo ou religião, possam ter igualdade de oportunidades.


A senhora acredita que pode haver retrocesso na agenda de diversidade, com uma onda de preconceito e desrespeito às minorias? Ou apenas um congelamento do que foi feito até aqui? Pode haver demissão de mulheres em postos comando, por exemplo?

 

Inequivocamente, o fato de termos avançado nos últimos anos na agenda de diversidade do ponto de vista regulatório, com leis que protegem os indivíduos contra atitudes discriminatórias, seja por razões de gênero, seja por orientação sexual, seja por raça, bem como a postura das gerações mais jovens, que, de modo geral, não aceitam comportamentos discriminatórios, possibilitou o acesso de forma mais igualitária às oportunidades, especialmente as profissionais.

 

Não imagino que haja demissões de mulheres de postos de comando, por causa dos recuos anunciados pelo presidente americano. Mas acho sim que possa ocorrer um retrocesso nessa agenda tão importante de igualdade de oportunidades. Precisamos estar muito mais atentos e vigilantes em relação ao tema.

 

A sra. foi a primeira mulher em vários postos de comando que ocupou na sua carreira, como executiva ou em conselhos. Qual é a sua avaliação do cenário atual de diversidade no Brasil, comparado ao que a sra. encontrou quando começou a sua carreira?

 

Em minha carreira, fui a primeira mulher em todas as posições de comando que ocupei, tanto no setor público quanto no privado. Muito solitário e sempre uma estranha no ninho. Isso mudou muito nos dias de hoje, o que me deixa muito feliz.

 

Há um aspecto cultural, que depende também de nós, mulheres, como mães, em não repetir padrões de comportamento na criação dos filhos e filhas. É ficarmos atentas às diferenças, claro, mas nos assegurarmos de que ambos tenham as mesmas oportunidades de desenvolver seus talentos.

 

No Brasil, avançamos bastante na visibilidade e na discussão do tema e, como eu já mencionei, as gerações jovens, nela incluídos meus filhos gêmeos com 28 anos, Catarina e Olavo, repudiam trabalhar em ambientes discriminatórios. Empresas têm criado programas de inclusão e estendido oportunidades a públicos diversos. Precisamos garantir que não tenhamos nenhum retrocesso e continuemos avançando.

 

A sra. foi convidada para os altos postos não só em instituições brasileiras mas também em multinacionais. Como compara o cenário brasileiro ao de outros países hoje? 

 

A questão de gênero no Brasil, nos altos postos de comando, não é muito diferente de países com grau de desenvolvimento similar e mesmo de países mais desenvolvidos. Ainda representamos menos da metade dessas posições e, em determinados setores, ainda uma parcela bem menor. O grande desafio ainda é a transição das profissionais da base das organizações, onde não é incomum que as mulheres representem a maioria, para o topo.

 

Como pode ser praticada essa vigilância que a sra. mencionou? 

 

Precisamos estar muito atentos e vigilantes para prevenir o retrocesso de uma agenda tão importante, que é a da igualdade de oportunidades para todos os indivíduos, e garantir o seu avanço. No mundo atual, as mídias de comunicação, imprensa e redes sociais, cumprem com muita eficácia esse papel de informar, permitindo que a sociedade se manifeste e reaja a situações discriminatórias. As ouvidorias também têm papel importante nesse processo, canalizando denúncias dentro de empresas e instituições.

 

A sra. acha que vai acabar acontecendo um movimento de boicotes por parte dos consumidores contra os produtos de empresas que se posicionarem sobre esse tema? 

 

É difícil afirmar o que vai acontecer. É possível que empresas, legitimadas pela atitude do presidente americano, retrocedam total ou parcialmente em suas políticas de diversidade e de inclusão. Por causa disso, estarão mais expostas a reações negativas por parte dos consumidores, especialmente os mais jovens, que, conforme comentei anteriormente, são, de modo geral, contrários a qualquer forma de discriminação, negando-se a trabalhar ou consumir produtos de empresas com esse tipo de comportamento.

 

Algumas pessoas dizem que as políticas de diversidade não mostraram resultado financeiro concreto. Faz sentido cobrar esse tipo de resultado de um gesto de inclusão? 

 

Essa afirmativa não é verdadeira. Partindo da premissa de que uma empresa diversa espelha melhor a pluralidade da própria sociedade, o processo decisório de empresas e instituições com um quadro diverso de funcionários e dirigentes é mais complexo e rico, levando, em geral, a decisões mais fundamentadas, com impacto positivo nos resultados financeiros. Isso se dá, exatamente, pelo fato de que as diferentes perspectivas desses públicos trazem aspectos e informações que seriam desconsiderados em outra situação.

 

Há estudos de consultorias que comprovam o retorno econômico da diversidade, mas, ainda que não houvesse resultado financeiro adicional, as políticas de diversidade e de inclusão devem ser incentivadas para garantir o acesso irrestrito de todos os públicos às oportunidades no mercado de trabalho.

 

Raio-X | Maria Silvia Bastos Marques, 68

Doutora em economia pela FGV, foi presidente do BNDES durante o mandato de Michel Temer (MDB). Ocupou ainda presidências de empresas como Goldman Sachs Brasil, CSN e Icatu Seguros, além de cadeiras em conselhos como Petrobras, Vale, Vallourec e outras. Neste ano, assumiu a Secretaria de Projetos Estratégicos do Rio de Janeiro, nomeada pelo prefeito Eduardo Paes (Folha, 17/2/25)