05/11/2024

Recuperação Judicial no agro e o desfibrilador cardíaco

Recuperação Judicial no agro e o desfibrilador cardíaco

Por Aparecido Mostaço

 

“No meio na tempestade a prioridade do comandante é trazer a embarcação ao porto com todos em segurança.”

 

Em todas as regiões do Brasil, se você, tiver humildade de parar para ouvir as belas e inspiradoras histórias dos pioneiros, verá uma jornada construída por muito trabalho, vida dificílima no início de tudo, muita disciplina, resiliência extrema e acima de tudo uma fé inabalável no futuro. Foi assim que cidades nasceram e se transformaram em potências do agronegócio.

 

Digo isso para demonstrar que nada é fácil no agro. Sem plantio, não tem colheitas. Em todas as crises que se abate sobre o agro, ele mantém a sua estrutura sólida e uma cultura de sempre honrar seus compromissos. Pelo menos, pelo lado raiz do agro, afirmo sem medo.

 

O agro é cíclico, com períodos de forte expansão e períodos de retração. Adotar a estratégia e a gestão certa para cada ciclo, garantindo a competitividade o controle dos custos e a disciplina financeira é questão fundamental para a sobrevivência do negócio.

 

Estamos assistindo a uma quantidade considerável de Recuperações Judiciais que tem assustado muita gente, especialmente o mercado de capitais. Você já sabe, mas não custa lembrar que o crédito é hoje um “insumo” importante para as nossas lavouras. O governo liberou o Plano Safra 24/25, com R$ 400,5 bilhões, mais 108 bilhões em LCA.

 

O financiamento do setor no mercado de capitais ocorre via: Letras de Crédito do Agronegócio (LCA=R$ 487 bilhões), Cédulas de Produtor Rural (CPRs=R$ 398 bilhões), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA=R$ 147 bilhões) e Fiagros (R$ 40 bilhões), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA=R$ 39 bilhões). Portanto, o produtor pega o dinheiro, produz, vende a produção, paga e pega novamente, este ciclo é virtuoso.

 

Essa crise de RJs, não é generalizada. O índice de endividamento do agro está alto, porém, ainda é controlável e administrável. Os números continuam demonstrando a potência do agronegócio, não apenas no presente, mas, principalmente desenham um futuro muito promissor em várias culturas.

 

Das 378 RJs do agro, mais de 98% foram solicitadas por pequenos produtores e microempresas, que são os que mais sofrem quando a crise é brava. É claro que as grandes empresas também têm lugar de destaque neste cenário desafiador.

 

Parte das causas desta crise são conhecidas: quebra de safra, adversidades climáticas, queimadas, desaceleração da demanda chinesa, que só em 2023 representou 75% das exportações. Além, claro, das altas taxas de juros, pois o aumento dos custos de financiamento embute risco maior de inadimplência.

 

Mas, uma causa complementar é pouco comentada: A ineficiência na gestão.

 

Gestão mais ou menos não sobrevive mais. Você pode ter o melhor produto do mundo, mas se não tiver gestão, não irá se manter. Gestão amadora acaba com grandes legados. E não estou dizendo da gestão dita “moderna” e repleta de oba-oba, jargões, frases de efeito. Estou me referindo à gestão clássica que funciona, pé no chão, simples, objetiva, direta. Gestão bonita na terra.

 

Gestão eficiente hoje é gerar lucro, crescer e contribuir com o crescimento das pessoas. O agro precisa investir em governança (séria), com conselhos de administração, formados com talentos complementares para juntos projetar cenários possíveis de serem alcançados. Um conselho que debata os melhores caminhos com transparência e autoridade, sem medo de dizer o que precisa ser dito. E depois; escolher a liderança com perfil adequado para executar o plano desenhado. Plano sem eficiência na execução é apenas papelada.

 

Sempre fui um defensor que todo o ecossistema do agro, bancos, revendas de insumos, traders, proporcionassem para os produtores, mais do que dinheiro e insumos, oferecessem principalmente: conhecimento e capacitação na disciplina em elaborar um planejamento, um fluxo de caixa, um orçamento, treinar comportamentos adequados de uma liderança que precisa extrair das pessoas o que de melhor elas possam dar.

 

Dito isso, a realidade é sempre dura: sem dinheiro em caixa para operar, credores na porta exigindo pagamentos atrasados, fornecedores negando entregar produtos, salários e impostos atrasados é um cenário semelhante a “parada cardíaca súbita.”

 

Como dizia o poeta Virgílio: “A morte súbita, é aquele exato momento que você, está sozinho, no escuro, sem saber o que fazer, paralisado e começa o diálogo com Deus e passa um filme na sua cabeça de todos os erros e acertos e promete se tiver outra oportunidade, fará tudo diferente...”

 

Pronto é aqui que entram os desfibriladores cardíacos. Eles conseguem reanimar até 85% das mortes súbitas. É aí que entra o desfibrilador do título!

 

Você deve se lembrar, que desfibrilador é um aparelho que produz um “choque elétrico” no coração para restabelecer o ritmo cardíaco. O uso do desfibrilador é crucial em casos de parada cardíaca súbita, quando a pessoa perde a “consciência” e não apresenta pulso palpável.

 

Exatamente como uma empresa prestes a ter um “apagão” de sinais vitais. A RJ é o desfibrilador que é um direito na defesa de manter a vida, mesmo lembrando que também não consegue salvar todo o mundo. Mas, a Recuperação Judicial assim como o desfibrilador não é para se sair utilizando ao primeiro sinal de vertigem. É um último recurso para resgatar os sinais vitais de sua empresa (Aparecido Mostaço – CEO da Energia Humana Consultoria – 43 anos de agronegócio. Conselheiro de empresas em diversos segmentos e Maratonista com muito orgulho!; 3/11/24)