16/02/2023

Redução de imposto da gasolina derruba resultados de usinas de etanol

Redução de imposto da gasolina derruba resultados de usinas de etanol

MAQUINA COLHENDO CANA Foto  Delfim Martins Pulsar Imagens

Setor tenta impedir prorrogação de isenção de impostos federais, que vence no fim do mês.

A desoneração de impostos federais sobre os combustíveis, aprovada pelo governo Jair Bolsonaro, teve forte impacto sobre o resultado das usinas produtoras de cana-de-açúcar, que passaram a ser pressionadas pela competição com a gasolina mais barata.

O setor tenta impedir nova prorrogação do benefício tributário, que vence no fim do mês, alegando que a medida tem impactos econômicos, ambientais e sociais e pode desincentivar investimentos em energia renovável, diferencial competitivo do Brasil na transição energética.

Nesta quarta-feira (15), por exemplo, a Raízen reportou queda de 79% em seu lucro líquido ajustado do último trimestre de 2022, que foi de R$ 255,7 milhões. As erdas são atribuídas à redução na moagem de cana e ao desempenho de suas operações com combustíveis diante dos baixos preços.

A empresa diz que conseguiu ampliar em 33% o volume de vendas de etanol de suas usinas para clientes externos e suas próprias operações, mas seu preço médio caiu 11,2% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, para R$ 3.769 por metro cúbico.

Afirmou ainda que "foi um mais um trimestre desafiador para a indústria de distribuição de combustíveis no Brasil" que ainda absorve efeitos das mudanças na tributação dos combustíveis sobre os preços da gasolina e, consequentemente, do etanol.

Entre a primeira semana de fevereiro de 2022 e a primeira de fevereiro de 2023, o preço médio do etanol hidratado nos postos brasileiros caiu 36%, considerando a inflação do período, para R$ 3,82 por litro. Em abril, auge da entressafra e antes da desoneração, chegou a bater R$ 5,68, em valor corrigido pelo IPCA.

A queda de preços poderia ser favorável às vendas. Mas, com a gasolina mais barata, o etanol perdeu competitividade e fechou 2022 com o menor consumo desde 2017, 15,5 bilhões de litros. Foi o terceiro ano seguido de queda.

Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) mostram que hoje o etanol não leva vantagem sobre a gasolina nos postos em nenhum estado brasileiro, considerando que o biocombustível precisa custar até 65% do preço do concorrente para compensar menor autonomia.

O mais próximo desse patamar é o Mato Grosso, com 67,2%. Em São Paulo, onde normalmente há vantagem, o percentual é de 74,7%. A Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica) considera que, se o percentual está entre 65% e 75%, não há vantagens nem desvantagens na escolha do combustível.

Outra empresa que já divulgou balanço, a usina São Martinho reportou lucro líquido de R$ 429,7 milhões, queda de 38,3% em relação ao mesmo período de 2021, também citando a redução dos preços do etanol pelo impacto das medidas tributárias, aprovadas entre maio e agosto de 2022".

A desoneração de impostos federais sobre os combustíveis foi aprovada pelo Congresso no fim de maio. Ao mesmo tempo, os estados foram obrigados a baixar o ICMS sobre a gasolina até o limite de 18%, o que pressionou ainda mais os preços.

O benefício terminaria em dezembro de 2022, mas foi prorrogado por dois meses pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar pressão inflacionária e impactos à imagem do governo logo no início do mandato.

Prevendo prorrogação, a Jalles Machado alterou sua estratégia e concentrou as vendas em etanol anidro, que é misturado à gasolina, comercializando grande parte de seu estoque entre outubro e dezembro.

O volume de vendas foi 244% maior do que no mesmo trimestre do ano anterior, mas o preço médio do produto comercializado pela companhia caiu 25,4%, para R$ 3,02 por litro.

O balanço da Jalles mostra um crescimento de 166% no lucro do último trimestre de 2022, para R$ 450,9 milhões, mas o resultado foi beneficiado por ganhos na aquisição da Santa Vitória Açúcar e Álcool. Sem considerar o efeito contábil, o lucro caiu 69%, para R$ 39,4 milhões.

"A desoneração, como temos anunciado desde o ano passado, é trágica sobre a perspectiva econômica, ambiental e social", diz Evandro Gussi, diretor presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), que tenta impedir nova prorrogação dos benefícios.

Ele ressalta que o impacto ambiental já foi mensurado: estudo do Observatório de Bioeconomia da FGV indica que a troca do etanol pela gasolina elevou em 6,52% as emissões de gases do efeito estufa no consumo de combustíveis leves no Brasil.

 

Do ponto de vista social, argumenta, União e estados perdem recursos que poderiam ser destinados a educação e saúde para subsidiar um combustível fóssil. Ele diz ter expectativa de que o governo retome a cobrança ao fim do prazo estipulado (Folha de S.Paulo, 16/2/23)