Preparando-se para o melhor?
Por Carlos Gomes Monteiro e Edno Martins da Silva Leão
Se a memória não estiver falhando, foi o nosso mestre de física no primeiro ano do ensino médio, quando perguntado pelos alunos sobre que pontos da matéria seriam abordados em uma prova afamadamente difícil, quem primeiro ouvi proclamar a máxima: “Preparem-se sempre para o pior!!!”.
Entendo que o sábio Professor Schumann respondia dessa maneira, com todas as exclamações possíveis, porque seu objetivo era nos levar a estudar muitas horas, repassando toda a matéria que ele ensinava, no entanto, definitivamente, preparar-se continuadamente para o pior não é uma boa filosofia de vida.
Quem sempre está preparado para o pior, além de desperdiçar recursos para enfrentar desafios e solucionar problemas eventualmente simples, normalmente é incapaz de perceber as oportunidades que surgem enquanto sua pior hipótese não se concretiza.
Não obstante, é preciso compreender que, sem dúvida, pior mesmo do que se preparar para o pior é preparar-se para o melhor!
Recentemente, em face do recrudescimento da ação de contraventores contra propriedades rurais, o Instituto CNA (Confederação Nacional da Agricultura), numa iniciativa louvável e extremamente oportuna, apresentou um estudo sobre a criminalidade no campo ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública.
O referido estudo é bastante assertivo, logo em sua apresentação, ao reconhecer que há falta de informações sobre a criminalidade do campo, em absoluto desequilíbrio com a importância fundamental do setor para a economia do Brasil.
No estudo são assinalados os principais gargalos para o combate da criminalidade do campo: a falta de informações e a falta de padronização dos registros.
A falta de dados confiáveis inviabiliza a realização de um trabalho analítico para produzir um conhecimento de Inteligência que propicie condições de antecipar-se a eventuais ações criminosas, por isso o estudo apresentou propostas sem estabelecer metas claras e mensuráveis, não definiu responsabilidades, não enumerou ações objetivas e tampouco propôs ações preventivas que pudessem mitigar os riscos existentes e devolver a tranquilidade do setor produtivo.
Acreditar que construiremos um “futuro melhor” para o agronegócio, como sugere o estudo, a partir das propostas formuladas, parece que é incorrer no perigoso erro de preparar-se para o melhor.
Para exemplificar, analisemos apenas a Proposta 1 do citado documento:
PROPOSTA 1 – Sob a coordenação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, seguindo a linha-mestra da Política Nacional, garantir que, ao estabelecerem suas políticas estaduais e municipais de Segurança Pública e defesa social, todos os Entes Federados incluam ações e programas específicos de redução da violência no campo, em todas as suas vertentes. (grifo do autor)
Como será possível garantir ações e programas específicos de redução da violência no campo por todos os entes federados se muitos deles não possuem (como o estudo constata) informações confiáveis a respeito das ocorrências nos seus municípios?
Cabe ressaltar que o estudo assinala como problema a falta de padronização dos registros existentes nas Secretarias de Segurança consultadas.
Uma coerente interpretação sobre o que se pretende ao enunciar o verbo garantir na Proposta 1 permite concluir que o Estudo tem a intenção de impor ações e programas de redução da violência no campo aos estados por intermédio da punição ao ente federado que não cumpri-los a contento.
Neste ponto surge o seguinte questionamento: como punir o estado que não implementar ações e programas de redução da violência no campo?
O Ministro Extraordinário da Segurança Pública declarou que o estado que não atender satisfatoriamente à Política Nacional deixará de ter recursos repassados para custear sua segurança pública.
Será mesmo?...
A experiência no acompanhamento da política brasileira permite inferir que a declaração do Ministro Jungmann deve ser considerada forçosa e naturalmente demagógica. Basta tentarmos identificar quem arcará, perante a população do estado desobediente, com o ônus político do decorrente e provável aumento da criminalidade pela supressão punitiva de recursos?
Pensando mais um pouco, consideremos que o sistema prisional é uma das colunas mestras das políticas de gestão de segurança pública.
Em alguns estados, como resultado da péssima administração do seu sistema prisional, têm ocorrido rebeliões sangrentas com assassinatos chocantes e violência desmedida, provocando indignação e repúdio de toda a sociedade.
Alguém pode imaginar que, em função das deficiências de gestão do sistema prisional desses estados, o Governo Federal intervirá reduzindo a aplicação de recursos?
Será que não ocorreria o contrário?
Nem se fossemos campeões de otimismo, se ganhássemos a Copa do Mundo da Rússia, se o Neymar tivesse sido premiado como melhor jogador, poderíamos acreditar que é possível garantir o que o estudo propõe.
Estamos em ano de eleição e, embora se cogite que a segurança pública, por depauperação, esteja entre os principais pontos dos programas dos candidatos à Presidência da República, não temos certeza da manutenção do compromisso assumido pelo Ministério da Segurança Pública que, de saída, se autodenomina como extraordinário.
Uma réstia de esperança decorreria da aprovação recente do projeto de lei que cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, que pode representar um avanço no contexto geral da Segurança Pública no Brasil, na medida em que favorece a atuação conjunta e coordenada das ações em nível nacional, inclusive com a criação de sistemas compartilhados de informações entre as forças policiais e também entre os estados.
No entanto, a efetividade das ações propostas é uma incógnita, ao menos no curto e médio prazos. O simples fato de a aprovação do texto ter ocorrido às vésperas de uma eleição para que o próximo governo realize sua implementação e o caráter extraordinário do ministério responsável pela coordenação das ações já permitem questionar sua eficácia.
Sem contar que iniciativas semelhantes, ainda que revestidas de outras embalagens, vêm sendo anunciadas e implementadas ao longo do tempo com mínima efetividade.
Para não fatigar o leitor citamos apenas o Decreto 3695 de 21 de dezembro de 2000 que cria o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública; e a Resolução Nº 1 de 15 de julho de 2009 da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SISP que regulamenta o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública.
Qualquer que seja a embalagem do remédio ele promete sempre a mesma “cura”: “a partir de agora teremos uma atuação conjunta e coordenada das ações em nível nacional, inclusive com a criação de sistemas compartilhados de informações entre as forças policiais e entre os estados.”
Um mínimo conhecimento a respeito das forças de segurança pública é suficiente para compreender a dificuldade de compartilhamento de informações entre forças policiais e a eficácia da promessa de “cura”.
Para não incorrer no erro proposto pelo velho professor de nos prepararmos para o pior, vale destacar que, atualmente, dispomos de condições mais favoráveis à obtenção da efetividade pretendida e até agora não atingida, sobretudo pela pressão dos diversos setores da sociedade, que sofrem os efeitos da insegurança.
No entanto, um obstáculo de vulto a ser transposto é a profunda inviabilidade estrutural dos órgãos de segurança pública da maioria dos estados brasileiros.
Hoje, profissionais de segurança pública, na maioria dos estados, operam verdadeiros “milagres” para desempenhar suas atribuições.
Dentre muitos óbices reconhecidos podemos enumerar: viaturas antigas e sem manutenção; armas e equipamentos obsoletos; delegacias sem computadores; e falta de recursos para a limpeza, para o pagamento da concessionária de energia elétrica e custeio dos provedores de internet.
Como garantir a padronização dos registros e a disponibilidade de acesso a um banco de dados com a totalidade de ocorrências policiais sem computadores e acesso à internet em muitas delegacias?
A fim de prover recursos para a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, o Governo Federal previu na Medida Provisória 847/2018 a aplicação emergencial de recursos das loterias, às custas da frustração das previsões orçamentárias do Ministério dos Esportes e do Ministério da Cultura.
Em absoluto desalinho com a política do governo, os Ministros dos Esportes e da Cultura manifestaram-se publicamente a respeito da inconveniência de subtrair recursos de suas pastas para a implementação do Sistema Único de Segurança Pública, declarando que iriam, inclusive, se mobilizar para fazer alterações na Medida Provisória durante sua tramitação no Congresso.
Sugeriu-se que ao realizar sua aposta na loteria, o apostador/contribuinte exercesse seu direito de optar por destinar parte dos recursos captados com sua aposta à Cultura, aos Esportes ou à Segurança Pública.
Difícil ser otimista diante de uma situação como essa.
É como se estivéssemos diante do Mar Vermelho, com o inimigo a poucos quilômetros de nós e sem podermos contar com a ajuda de Moisés para nos mostrar o caminho a seguir.
Assim, diante desta complexa situação, embora o estudo feito pelo Instituto CNA seja oportuno, os dados nele contidos podem atender a outros objetivos, mas não se prestam à análise de inteligência porque não respondem às necessidades específicas e não permitem a produção de conhecimentos de Inteligência úteis, que favoreçam o aprofundamento do contexto estratégico que abrange o risco de aumento da violência no campo.
A conclusão a que chegamos é que o “futuro melhor” proposto pelo estudo configura um cenário muito otimista com baixíssima probabilidade de se concretizar.
O setor produtivo pode esperar por esse futuro, pela “ajuda de Moisés”, mantendo um olho na dificuldade de transpor a imensidão do mar e o outro no inimigo insidioso se aproximando cada vez mais.
Esperar pelo melhor pode custar muito caro!
O momento é de considerar as hipóteses possíveis, construir cenários de risco, buscar informações para acompanhar a evolução dos fatores de risco críticos e formular uma estratégia efetiva para enfrentamento da situação no próprio setor, compreendendo o contexto, tendo uma visão realista das inúmeras dificuldades existentes e cooperando com os órgãos de segurança pública no esforço de redução da criminalidade no campo.
É isso, ou preparar-se para o melhor, esperar por Moisés que, pelo andar da carruagem, chegará bem atrasado (Carlos Gomes Monteiro e Edno Martins da Silva Leão são Coronéis da Reserva do Exército Brasileiro e sócios da consultoria Linha Limite – Soluções Integradas em Gerenciamento de Riscos)