19/08/2022

Retirada de invasores de terra indígena é executada no Pará

Retirada de invasores de terra indígena é executada no Pará
Retirada de invasores de terra indígena Foto Bruno Kelly Amazônia Real

Ação da PF e da Força Nacional é executada no Pará sem apoio das Forças Armadas, apesar do pedido feito

A retirada de invasores e posseiros de uma terra indígena no Pará feita sem o apoio das Forças Armadas foi marcada por tumulto e bloqueio de estradas por parte das pessoas que estavam no território; pela ausência de direcionamento às famílias, que ficaram pelas vilas vizinhas; e pela retirada, sem apreensão, de cabeças de gado usadas por grileiros para dominar a região.

Folha mostrou em reportagem publicada no último dia 4 que o Ministério da Defesa deixou de atender um pedido da Polícia Federal para que as Forças Armadas auxiliassem a complexa ação de retirada de invasores e gado da terra indígena Trincheira/Bacajá, dos kayapós, na região de São Félix do Xingu (PA).

A recusa ocorreu mesmo com a proposta da PF de ressarcimento dos gastos dos militares com o apoio logístico na região.

A operação já dura quatro semanas e ficou ainda mais difícil em razão da falta de apoio logístico dos militares.

O pedido feito foi para que acampamentos militares fossem montados para os integrantes da PF e da Força Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A polícia encerrou a participação na ação nesta terça-feira (16). A Força Nacional prossegue na região.

A desintrusão é uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), em ação que pede a retirada de invasores em sete territórios: Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Arariboia, Mundurucu, Kayapó e Trincheira/Bacajá.

O processo é relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, que já deu decisões favoráveis à retirada.

A PF e a Força Nacional promoveram a retirada de cerca de 200 famílias de posseiros da terra Trincheira/Bacajá, com bloqueios de acessos, e de cerca de 600 cabeças de gado.

Tanto as pessoas quanto os animais ficaram pelas vilas e terras vizinhas, segundo policiais que acompanham o desenrolar da operação.

Não houve cadastramento nem acompanhamento das famílias pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Sobre o gado, o plano inicial era a apreensão dos animais pela Adepará (Agência de Defesa Agropecuária do Pará), em razão de irregularidades sanitárias, como a falta de vacinas.

Os distúrbios e protestos feitos pelos posseiros impediram a apreensão, conforme policiais que monitoram a operação.

Em nota, o Incra disse que não é responsável por retirar ocupantes de terras indígenas.

"Compete à Funai (Fundação Nacional do Índio) planejar, coordenar e executar as ações de identificação, remanejamento e indenização (quando for o caso) de não indígenas dessas terras", afirmou. "Os não indígenas eventualmente identificados pela Funai como ocupantes de boa-fé são passíveis de reassentamento, a partir de indicação da fundação ao Incra."

Folha questionou a Funai sobre o que foi feito no território, e não houve resposta.

A Adepará disse que apenas presta apoio no direcionamento da retirada dos animais e providencia um destino à carne.

"[O gado] seria destinado a um abatedouro com registro no serviço oficial. Caso a carne esteja em condições de consumo, terá essa finalidade. Caso não esteja, será destinado ao descarte", afirmou, em nota. O gado aparenta boas condições de saúde, mas apenas exames que "seriam realizados no abatedouro" poderiam confirmar isso, conforme a Adepará.

 

As investigações da PF mostram que um grupo de grileiros, com terras nas imediações, controla as invasões na terra indígena. A estratégia consiste em ocupar espaços com gado e em vender glebas a posseiros –estes são basicamente famílias pobres, atraídas por ofertas de lotes com valores de R$ 5.000.

A necessidade de deixar a ocupação ilegal, sem destino certo, levou ao bloqueio de estradas que dão acesso à terra indígena. Os ramais são usados pelos posseiros e grileiros, e não são usados pelos indígenas.

Entre policiais, há o temor de que invasores e gado retornem ao território tradicional, como já ocorreu uma vez.

Em novembro de 2021, uma ação de desintrusão foi feita na mesma terra indígena. Foi a primeira ação do tipo no governo Jair Bolsonaro (PL), que age contra a demarcação de novos territórios e a favor da ocupação desses espaços com atividades como a mineração de ouro.

Os acessos também foram fechados em 2021, e houve pedido para que as pessoas deixassem as áreas invadidas. Duas pontes foram destruídas. Naquela ocasião, as cabeças de gado atribuídas a grileiros permaneceram.

Na nova incursão no território, policiais constataram que as pontes foram reconstruídas, e que as pessoas voltaram aos locais invadidos. Com a nova retirada, as pontes foram destruídas outra vez.

O Ministério da Defesa disse ter informado a PF sobre "possibilidade de apoio em data posterior". A pasta afirmou, em nota à reportagem no começo do mês, levar em conta a disponibilidade de recursos financeiros e a "necessidade das medidas de preparação adequadas, por se tratar de local isolado sem qualquer estrutura de suporte".

ausência das Forças Armadas em operações do tipo, apesar dos pedidos por ajuda em logística, passou a ser constante, especialmente o fornecimento de aeronaves para sobrevoos e acessos a áreas de garimpo ilegal.

Investigadores que cuidam de inquéritos sobre extração de ouro em terras indígenas afirmam que as Forças Armadas se recusam a fornecer aeronaves para ações que tentam coibir o avanço da estrutura logística mantida por quem explora a atividade ilegal (Folha de S.Paulo, 19/8/22)