Retirada de invasores de terra indígena é executada no Pará
Retirada de invasores de terra indígena Foto Bruno Kelly Amazônia Real
Ação da PF e da Força Nacional é executada no Pará sem apoio das Forças Armadas, apesar do pedido feito
A retirada de invasores e posseiros de uma terra indígena no Pará feita sem o apoio das Forças Armadas foi marcada por tumulto e bloqueio de estradas por parte das pessoas que estavam no território; pela ausência de direcionamento às famílias, que ficaram pelas vilas vizinhas; e pela retirada, sem apreensão, de cabeças de gado usadas por grileiros para dominar a região.
A Folha mostrou em reportagem publicada no último dia 4 que o Ministério da Defesa deixou de atender um pedido da Polícia Federal para que as Forças Armadas auxiliassem a complexa ação de retirada de invasores e gado da terra indígena Trincheira/Bacajá, dos kayapós, na região de São Félix do Xingu (PA).
A recusa ocorreu mesmo com a proposta da PF de ressarcimento dos gastos dos militares com o apoio logístico na região.
A operação já dura quatro semanas e ficou ainda mais difícil em razão da falta de apoio logístico dos militares.
O pedido feito foi para que acampamentos militares fossem montados para os integrantes da PF e da Força Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A polícia encerrou a participação na ação nesta terça-feira (16). A Força Nacional prossegue na região.
A desintrusão é uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), em ação que pede a retirada de invasores em sete territórios: Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Arariboia, Mundurucu, Kayapó e Trincheira/Bacajá.
O processo é relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, que já deu decisões favoráveis à retirada.
A PF e a Força Nacional promoveram a retirada de cerca de 200 famílias de posseiros da terra Trincheira/Bacajá, com bloqueios de acessos, e de cerca de 600 cabeças de gado.
Tanto as pessoas quanto os animais ficaram pelas vilas e terras vizinhas, segundo policiais que acompanham o desenrolar da operação.
Não houve cadastramento nem acompanhamento das famílias pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Sobre o gado, o plano inicial era a apreensão dos animais pela Adepará (Agência de Defesa Agropecuária do Pará), em razão de irregularidades sanitárias, como a falta de vacinas.
Os distúrbios e protestos feitos pelos posseiros impediram a apreensão, conforme policiais que monitoram a operação.
Em nota, o Incra disse que não é responsável por retirar ocupantes de terras indígenas.
"Compete à Funai (Fundação Nacional do Índio) planejar, coordenar e executar as ações de identificação, remanejamento e indenização (quando for o caso) de não indígenas dessas terras", afirmou. "Os não indígenas eventualmente identificados pela Funai como ocupantes de boa-fé são passíveis de reassentamento, a partir de indicação da fundação ao Incra."
A Folha questionou a Funai sobre o que foi feito no território, e não houve resposta.
A Adepará disse que apenas presta apoio no direcionamento da retirada dos animais e providencia um destino à carne.
"[O gado] seria destinado a um abatedouro com registro no serviço oficial. Caso a carne esteja em condições de consumo, terá essa finalidade. Caso não esteja, será destinado ao descarte", afirmou, em nota. O gado aparenta boas condições de saúde, mas apenas exames que "seriam realizados no abatedouro" poderiam confirmar isso, conforme a Adepará.
As investigações da PF mostram que um grupo de grileiros, com terras nas imediações, controla as invasões na terra indígena. A estratégia consiste em ocupar espaços com gado e em vender glebas a posseiros –estes são basicamente famílias pobres, atraídas por ofertas de lotes com valores de R$ 5.000.
A necessidade de deixar a ocupação ilegal, sem destino certo, levou ao bloqueio de estradas que dão acesso à terra indígena. Os ramais são usados pelos posseiros e grileiros, e não são usados pelos indígenas.
Entre policiais, há o temor de que invasores e gado retornem ao território tradicional, como já ocorreu uma vez.
Em novembro de 2021, uma ação de desintrusão foi feita na mesma terra indígena. Foi a primeira ação do tipo no governo Jair Bolsonaro (PL), que age contra a demarcação de novos territórios e a favor da ocupação desses espaços com atividades como a mineração de ouro.
Os acessos também foram fechados em 2021, e houve pedido para que as pessoas deixassem as áreas invadidas. Duas pontes foram destruídas. Naquela ocasião, as cabeças de gado atribuídas a grileiros permaneceram.
Na nova incursão no território, policiais constataram que as pontes foram reconstruídas, e que as pessoas voltaram aos locais invadidos. Com a nova retirada, as pontes foram destruídas outra vez.
O Ministério da Defesa disse ter informado a PF sobre "possibilidade de apoio em data posterior". A pasta afirmou, em nota à reportagem no começo do mês, levar em conta a disponibilidade de recursos financeiros e a "necessidade das medidas de preparação adequadas, por se tratar de local isolado sem qualquer estrutura de suporte".
A ausência das Forças Armadas em operações do tipo, apesar dos pedidos por ajuda em logística, passou a ser constante, especialmente o fornecimento de aeronaves para sobrevoos e acessos a áreas de garimpo ilegal.
Investigadores que cuidam de inquéritos sobre extração de ouro em terras indígenas afirmam que as Forças Armadas se recusam a fornecer aeronaves para ações que tentam coibir o avanço da estrutura logística mantida por quem explora a atividade ilegal (Folha de S.Paulo, 19/8/22)