29/09/2020

Salles revoga regras que protegem restingas e manguezais

Salles revoga regras que protegem restingas e manguezais

Legenda: Outras resoluções revogadas tratavam da queima de lixo tóxico e do licenciamento ambiental para projetos de irrigação

 

Conselho presidido pelo ministro derruba quatro resoluções de preservação ambiental, duas delas de proteção às áreas de vegetação nativa. Esvaziado por Bolsonaro, Conama é controlado majoritariamente pelo governo.

    

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou nesta segunda-feira (28/09) quatro resoluções que tratavam de preservação ambiental em todo o país, sendo duas delas referentes à proteção de áreas de vegetação nativa, como manguezais e restingas.

As decisões foram tomadas na 135ª reunião do conselho, que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Esvaziado pelo presidente Jair Bolsonaro, o Conama é hoje controlado majoritariamente por ministérios e membros do governo federal, e conta com participação praticamente nula da sociedade civil.

As resoluções nº 302 e nº 303, derrubadas nesta segunda-feira, definiam regras rígidas de proteção às áreas de manguezais e restingas do litoral brasileiro, restringindo o desmatamento e a ocupação nesses locais de preservação ambiental. As normas entraram em vigor em 2002.

Os manguezais e restingas são regiões ricas em biodiversidade. Citados pela imprensa brasileira, especialistas disseram temer que a revogação das duas resoluções prejudique áreas sensíveis do meio ambiente marinho do país.

O fim dessas regras abre caminho, por exemplo, para a especulação imobiliária nas áreas de vegetação das praias do litoral brasileiro – as resoluções consideravam como áreas de preservação ambiental (APPs) as regiões de restinga de 300 metros a partir da linha do mar.

O Conama ainda revogou outras duas resoluções nesta segunda-feira. Uma delas, de 1999, proibia a queima de resíduos de agrotóxicos – como materiais de embalagem – em fornos usados para a produção de cimento. Isso porque a queima, além de liberar substâncias tóxicas na atmosfera, pode contaminar produtos de cimento produzidos mais tarde nesses fornos.

A regra seguia uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que lixos tóxicos sejam incinerados apenas em ambientes controlados, pois podem causar danos à saúde humana.

A outra resolução revogada, datada de 2001, previa a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para projetos de irrigação, definindo critérios de eficiência de consumo de água e energia para a aprovação desses empreendimentos.

Esse tipo de licenciamento é importante para que a retirada da água autorizada considere o impacto no ambiente do entorno, na vegetação, nas nascentes dos rios, no uso comunitário e coletivo da água. Mas agora a regra foi abolida.

Especialistas preveem diversos impactos negativos com a medida, especialmente na agricultura familiar, que é grande fonte de alimento saudável para o país.

"A crise socioambiental vai acelerar. Se não houver água, uma bacia hidrográfica fluente, todo o conjunto de biodiversidade será prejudicada", disse Paulo Roberto Martini, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-conselheiro do Conama, em entrevista à DW.

O Ministério Público Federal (MPF) participou da reunião nesta segunda-feira, mas não tinha poder de voto. A representante do órgão, a procuradora regional da república Fátima Borghi, se posicionou contrária à revogação das resoluções, e afirmou que as decisões serão questionadas na Justiça. "Reitero que o MPF tomará as providências cabíveis", disse a procuradora.

Segundo Borghi, as mudanças nas regras foram feitas sem as audiências públicas necessárias, e o Conama não tem competência jurídica para derrubar tais resoluções.

Esvaziamento do conselho

O Conama é o principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente, sendo responsável pelas regras para uso dos recursos, controle da poluição e da qualidade do meio ambiente em geral.

O conselho foi alvo de um decreto controverso de Bolsonaro em 2019, que reduziu o número de cadeiras do órgão de 96 para 23 e praticamente anulou a participação da sociedade civil.

Com a reformulação, os ministérios da Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Desenvolvimento Regional, Casa Civil e a Secretaria de Governo mantiveram representantes no conselho.

A sociedade civil, que tinha 23 representantes no colegiado e contava com ambientalistas, membros de povos indígenas e tradicionais, trabalhadores rurais, policiais militares e corpos de bombeiros e cientistas, agora tem direito a apenas quatro cadeiras.

"O Conama é um órgão de proteção ambiental, e se a maioria dos assentos é dada para os que defendem interesses que nada têm a ver com o propósito de proteger o meio ambiente, as propostas vencedoras serão sempre as deles. Qualquer coisa proposta já passa, porque eles [o governo] têm maioria", disse à DW José Leonidas Bellem de Lima, procurador do MPF em São Paulo.

Em nota nesta segunda-feira, a organização ambientalista Greenpeace afirmou que as revogações das resoluções são reflexo do esvaziamento do órgão e da limitação da participação da sociedade civil, promovidos pelo governo Bolsonaro.

"Enquanto as queimadas devastam nossos biomas e prejudicam nossa biodiversidade, a saúde e o sustento da população, o ministro Ricardo Salles, mais uma vez, mostra que, ao ser inimigo da participação social, o governo é inimigo da coletividade", diz o texto.

Para o Greenpeace, com as mudanças nas regras ambientais a gestão Bolsonaro ainda mostra que "governa para os setores que mais se beneficiam em curto prazo da desregulamentação da proteção ambiental, como o agronegócio, imobiliários e industriais" (DW, 28/9/20)

 


Deputados apresentam projetos para derrubar decisão que elimina regras de proteção de manguezais

Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, presidido pelo ministro Ricardo Salles, revogou resoluções que delimitavam áreas de proteção permanente de manguezais e restingas.

Deputados federais apresentaram nesta segunda-feira (28) projetos de decreto legislativo para derrubar uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que extingue regras de proteção a áreas de preservação ambiental de vegetação nativa, como restingas e manguezais.

Em outra frente, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que vai entrar com ação popular na Justiça Federal para anular a decisão.

Além de revogar duas resoluções que delimitavam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro, o Conama decidiu em reunião nesta segunda-feira:

  • liberar a queima de lixo tóxico em fornos usados para a produção de cimento;
  • derrubar uma outra resolução que determinava critérios de eficiência de consumo de água e energia para que projetos de irrigação fossem aprovados.

O órgão é presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e é responsável por estabelecer critérios para licenciamento ambiental e normas para o controle e a manutenção da qualidade do meio ambiente.

Desde maio do ano passado, por decisão do governo, é menor o número de representantes de entidades da sociedade civil no conselho.

Até o momento, há três projetos de decreto legislativo na Câmara para sustar a decisão do Conama. Para derrubar a decisão, porém, as propostas precisam ser aprovadas por maioria nos plenários da Câmara e do Senado.

Para o líder da Minoria na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), autor de um dos projetos apresentados, a decisão do Conama é "totalmente inconstitucional".

"Direitos ambientais já consolidados não podem ser flexibilizados", justificou o parlamentar ao apresentar a proposta. Guimarães também argumenta que não houve participação da sociedade civil nem audiências públicas que embasassem a revogação das resoluções anteriores.

O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), afirma na justificativa de um dos projetos que o órgão "foi desidratado em relação a sua estrutura anterior”, o que concentrou "nas mãos do governo federal e de representantes do setor produtivo a maioria dos votos".

O deputado também lembrou declaração de Salles durante reunião ministerial no dia 22 de abril em que defendeu "passar a boiada" e mudar regras enquanto atenção da mídia estivesse voltada para a Covid-19.

“Infelizmente, foi isso que ocorreu na reunião de hoje do Conama. Nós já demos entrada em um PDL [projeto de decreto legislativo] para anular essa decisão do Conama e vamos lutar no Congresso e na Justiça para reverter esse ataque ao meio ambiente, que é inaceitável”, afirmou Molon.

Para a bancada do PSOL, que também protocolou projeto com a mesma finalidade, "a reunião [do Conama] ocorre em um contexto de crise ambiental nacional e internacional e de contínuo desmonte das estruturas de fiscalização que atuam em defesa do meio ambiente".

Senado

No Senado, Jaques Wagner (PT-BA) protocolou nesta segunda um projeto para sustar a resolução definida pelo Conama.

Ao justificar, o senador afirmou que o ato é "inconstitucional" porque, segundo ele, "direitos ambientais já consolidados não podem ser flexibilizados".

"Vê-se mais uma vez que tal procedimento visa atender a setores econômicos e beneficiar empreendimentos imobiliários, ferindo, mais uma vez, a Constituição Federal. O Conama está enfraquecido, concentrando nas mãos do governo federal e de representantes do setor produtivo, a maioria dos votos. Estados e entidades civis perderam representação, de 96 para 23 representantes", argumentou Wagner.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), Fabiano Contarato, disse que vai apresentar uma ação popular na Justiça Federal pedindo a anulação da decisão desta segunda-feira do Conama.

Segundo o parlamentar, caberá ao Judiciário "frear" o "retrocesso" promovido pelo colegiado. Ele também afirmou que o governo se omitiu diante do aumento do desmatamento na Amazônia e das queimadas no Pantanal.

"Os mangues são o berçário da biodiversidade costeira e sua degradação traz um alto impacto ambiental e social. O ministro do Meio Ambiente quer transformá-los em resorts de luxo e fazendas de carcinicultura. É mais um crime devastando o meio ambiente. A sociedade precisa reagir a essa barbaridade”, disse Contarato.

O líder da minoria, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também manifestou a intenção de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter o resultado da votação, do conselho.

"Não vamos permitir que Salles continue passando sua boiada", disse o senador em referência à declaração do ministro na reunião de abril do presidente Jair Bolsonaro com os ministros do governo, que teve a gravação divulgada pelo Supremo Tribunal Federal.

O senador Humberto Costa (PT-PE), classificou a decisão do Conama como "inaceitável". Para ele, "a boiada está passando por todos os lados".

O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), avaliou que o ministro Ricardo Salles "esvaziou o Conselho do Meio Ambiente, diminuindo a participação da sociedade civil". Segundo ele, a votação do Conama "ataca a proteção ambiental".

O senador Styvenson Valentim (Pode-RN) disse que, em seu estado, os mangues protegem as áreas da erosão e várias famílias dependem da cata e comercialização de caranguejos.

"Não podemos andar para trás quando o assunto é proteção da vida (marinha e humana) e fontes de geração de renda", afirmou (G1, 28/9/20)