Seca faz hidrelétricas da amazônia operarem a menos de 10% da capacidade
SECA AMAZONAS - FOTO AGENCIA BRASIL- RAFA NEDDERMEYER
Baixo desempenho não é novidade, mas piorou com estiagem; mudança climática deve deixar situação ainda mais crítica.
As mega usinas hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, localizadas na Amazônia, foram uma aposta dos primeiros dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conhecidas como usinas "a fio d'água", têm turbinas que são movidas pelo fluxo natural do rio em vez da água que cai de reservatórios altos. Elas estão entre as cinco usinas mais potentes do país; Belo Monte, que começou a operar em 2016, tem a quarta maior capacidade do mundo.
Mas as mega usinas estão operando bem abaixo da capacidade à medida que os níveis dos rios diminuem devido à seca histórica que atinge a amazônia, evidenciando como as mudanças climáticas são um desafio crescente para as ambições de energia renovável do Brasil.
Os empreendimentos foram construídos apesar da forte oposição de ativistas, que afirmavam que elas teriam um impacto socioambiental significativo e sua produção de energia ficaria abaixo do esperado.
"Diferente das antigas usinas, o rio é quem manda, se ele fica muito seco, para de funcionar", disse um guia que levou turistas à região da barragem de Santo Antônio no começo deste ano.
Santo Antônio teve que desativar 43 de suas 50 turbinas no início de setembro, pois os níveis do rio se aproximaram dos mais baixos já registrados devido à seca. Em outubro de 2023, a usina chegou a fechar completamente por duas semanas por causa da estiagem extrema.
As três grandes usinas operaram com apenas em uma fração de sua capacidade total em setembro, exacerbando uma tendência constante de falhar em atender à produção mínima de energia estabelecida em seus contratos com o governo.
Santo Antônio funcionou apenas com menos de 10% de sua capacidade nos primeiros 20 dias de setembro, Jirau com 5%, e Belo Monte com menos de 3% de seu potencial total, de acordo com dados do governo. Em comparação, Santo Antônio e Jirau funcionaram com cerca do dobro da capacidade no mesmo período de 2021, um ano de chuvas intensas na região.
Especialistas dizem que a situação provavelmente vai piorar à medida que as secas se tornarem mais frequentes no futuro, devido às mudanças climáticas causadas pelas atividades humanas.
"Estudos indicam que períodos de seca severa se tornarão mais frequentes em todas as regiões do Brasil", disse a Norte Energia, empresa que opera Belo Monte.
Um relatório de 2015 encomendado pelo governo previu que o potencial energético dos fluxos naturais dos rios no Brasil cairá entre 7% e 30% até 2030.
O Ministério de Minas e Energia do Brasil recusou o pedido de comentário da Thomson Reuters Foundation.
Histórico de baixo desempenho
Santo Antônio, Jirau e Belo Monte não cumpriram a produção mínima de energia estabelecida em contrato em nenhum ano desde que começaram a produzir, em meados da década de 2010, de acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico.
A chamada energia assegurada mínima é definida com base nos padrões históricos de fluxo dos rios. Mas, segundo Celio Bermann, professor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da USP, a história não tem sido um bom indicativo dos níveis futuros dos rios, já que o clima vem mudando.
A Eletrobras, que opera Santo Antônio, disse que a produção de energia assegurada mínima da usina, de 2,31 gigawatts, foi baseada em níveis históricos dos rios que "não refletiram as alterações extremas observadas nos últimos anos".
Ambientalistas dizem que sua construção contribuiu para o desmatamento, a perda de biodiversidade e o deslocamento de dezenas de milhares de brasileiros.
"Para que serviu matar o rio, a floresta... e os animais?" perguntou Ana Barbosa, coordenadora do movimento Xingu Vivo, que se opõe a Belo Monte e outras barragens no rio Xingu.
"Você só tem um monumento no meio do rio para que os homens possam dizer que foram capazes de construí-lo, mesmo que não produza nada além de sangue e desastre."
À medida que os níveis dos rios caem, as empresas donas das hidrelétricas são obrigadas a comprar eletricidade de outros produtores, muitas vezes a um custo financeiro elevado, para cumprir suas obrigações contratuais.
Se os níveis de água não subirem nos próximos anos, de acordo com Mário Daher, consultor do setor de energia, essa usinas da amazônia irão à falência.
Jirau tem uma produção de energia assegurada mínima de 2,1 gigawatts e Belo Monte, de 4,41 gigawatts, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica.
A energia hidrelétrica representa 47% da capacidade energética do Brasil, enquanto solar e eólica, que têm crescido rapidamente, representam 29,4%, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética.
À medida que a produção de eletricidade das mega usinas da Amazônia diminui, porém, as autoridades recorrem a combustíveis fósseis poluentes e caros. O governo está atualmente construindo 15 usinas a gás.
No atual mandato, o governo de Lula também retomou conversas com a Bolívia para construir uma nova mega barragem no rio Madeira, na fronteira entre os dois países (Folha, 27/9/24)