Secretaria de Política Agrícola tem de ser a casa do produtor rural
Neri Geller - Foto Folha do Estado-Divulgação
Há menos de um mês à frente da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, o ex-ministro do governo Dilma Neri Geller quer maior participação do setor na construção das políticas públicas e apoio da bancada da agropecuária para ampliar o orçamento para o agronegócio. Um dos responsáveis pela aproximação do agro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda na campanha eleitoral, o secretário vê a necessidade de diálogo mais estreito com o setor. "Ajudarei o ministro Fávaro neste trabalho transversal, de trazer os produtores para dentro e na interlocução com os parlamentares que defendem a agropecuária. Sabemos do compromisso que eles têm com o setor e em atender os produtores e também têm de ter diálogo e capacidade para buscar os recursos", disse Geller em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro. "Não há ranço do governo com o setor", acrescentou.
Em um ano em que o setor depende mais de políticas públicas, com a quebra da safra de grãos e preços menos remuneradores, Geller aposta na modernização das linhas de crédito, na reformulação do seguro rural e no fortalecimento das medidas de comercialização para conceder maior apoio aos produtores rurais "na ponta". A Secretaria de Política Agrícola estará aberta para fazer essa interlocução, fortalecendo o Ministério da Agricultura como a casa da política agrícola, resgatar essa responsabilidade que é da Secretaria de Política Agrícola, trazendo o produtor para dentro e fazendo a interlocução com a equipe econômica e com a Casa Civil. A secretaria tem de ser a casa do produtor rural na Esplanada", ressaltou o secretário. Já antecipando o próximo Plano Safra, o secretário espera juros mais baixos nos financiamentos agropecuários.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Broadcast Agro - Quais são as prioridades do senhor neste novo momento no Ministério da Agricultura?
Neri Geller - Minha prioridade é ajudar o governo e o setor produtivo, estabelecendo um canal de diálogo forte e deixando de lado a questão ideológica. Quero trazer o setor para mais perto da Secretaria de Política Agrícola. Acredito que minha presença, aqui por ter atuado na Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja), no Executivo, nas entidades de classe, pelo trânsito como deputado federal e ex-vice presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), vai ajudar o ministro Fávaro a fazer esse varejo junto ao produtor rural. O ministro tem responsabilidades de mercado internacional e projetos macros. Estou focado realmente na implementação da política agrícola: crédito, seguro, comercialização, garantia de preço mínimo, e no diálogo diário com o setor.
Broadcast Agro - O último ano foi marcado por essa reconstrução de pontes entre o governo e o agro, especialmente com as entidades setoriais. O que ainda falta para avançar na pacificação junto aos produtores rurais?
Geller - Estamos fazendo isso agora, sob orientação do ministro Fávaro e do presidente Lula, de conversar com os produtores na ponta e levar segurança ao produtor. Já começamos isso com uma agenda no Rio Grande do Sul com a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e em Mato Grosso com a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e o Fórum Agro. Queremos ouvir o setor, receber as propostas, estar mais próximos das câmaras setoriais. Quando falamos com o setor sobre crédito agrícola, comercialização, preço mínimo, há convergência. Já fizemos isso anteriormente nos governos Lula e Dilma. A Secretaria de Política Agrícola estará aberta para fazer essa interlocução, fortalecendo o Ministério da Agricultura como a casa da política agrícola, resgatando essa responsabilidade que é da Secretaria de Política Agrícola, trazendo o produtor para dentro e fazendo a interlocução com a equipe econômica e com a Casa Civil. Eu e o ministro Fávaro faremos o enfrentamento das demandas para ajudar o produtor rural na ponta. Temos consciência que a forma de fazer política no Brasil é dialogar e, por isso, apoiamos o presidente Lula. Isso já foi feito no início do governo e avançaremos ainda mais.
Broadcast Agro - E na política agrícola, quais são as suas ideias, secretário?
Geller - Queremos trabalhar novas linhas de crédito, reposicionar o seguro rural e fortalecer o apoio à comercialização. Atuaremos na linha de melhorar o crédito e não necessariamente com recursos do Tesouro, mas passando por alternativas como expandir a linha dolarizada do BNDES para o custeio (hoje restrita a operações de investimento), fortalecer os títulos agrícolas e a regulamentar o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) indireto. São mudanças na linha de ampliar os recursos privados no financiamento do agro, mas que necessitam da participação do governo na regulamentação. Mas também é preciso aumentar recursos para equalização e queremos o apoio do setor e da Frente Parlamentar Agropecuária para avançar nessas questões e ampliar o orçamento ao setor. Não adianta parlamentares e produtores reclamarem que não há orçamento para seguro rural ou para equalizar as taxas de juros. Não há ranço do governo com o setor. O governo Lula é legalista e está cumprindo rigorosamente o que prometeu na campanha.
Broadcast Agro - O senhor citou reformulação do seguro rural. Qual é a revisão pretendida? Ela passa também pela suplementação do orçamento? Os recursos para subvenção econômica deste ano estão estimados em R$ 964 milhões, um terço da demanda prevista pelo setor, de R$ 3 bilhões.
Geller - Trabalharemos para aumentar o orçamento de duas frentes: seguro rural e equalização para comercialização. Para comercialização, os recursos estão muito baixos historicamente. De 2013 a 2016, o orçamento era de R$ 6 a R$ 7 bilhões para garantia de preço mínimo e agora estamos com pouco mais de R$ 1 bilhão, o que é pouco para fazer preço mínimo, estoque público e abastecimento. Já estamos trabalhando isso com a Casa Civil, alinhados ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social e à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). É uma política transversal: garantir preço mínimo ao produtor e depois destinar o estoque público a programa social.
Para o seguro, o orçamento não avançou como deveria. Fomos designados pelo ministro Fávaro a remodelar o modelo de seguro rural. Na safra 2022/23, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro, seguro custeado pela União) liberou R$ 10 bilhões e entendemos que esse recurso não foi bem investido. A ideia é destinar parte desses recursos gastos com o Proagro, aquela fatia extra que é complementada ao longo do ano, para o Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR). Além do orçamento, precisamos ter uma gestão eficiente na aplicação do recurso no momento certo, sem venda casada e com a descentralização para atender o produtor na ponta, não somente aquele que faz financiamento para custeio. Já tivemos 14 milhões de hectares de área segurada nos governos anteriores do PT e agora Fávaro assumiu o Ministério com a área segurada pela metade, de 7 milhões de hectares. Entendemos que a gestão pode ser melhor implementada, juntamente com as seguradoras e agentes financeiros.
Broadcast Agro - Secretário, para a próxima safra temos uma tendência de redução da Selic. O senhor já vê juros menores e talvez abaixo de dois dígitos no Plano Safra 2024/25?
Geller - O governo passado deixou um passivo enorme para os produtores. Esses juros de 14% a 17% ao ano em linhas de crédito de médio e longo prazos para investimento vão criar uma bolha de endividamento, especialmente havendo crise hídrica. Sem dúvida, trabalharemos com a possibilidade de redução das taxas de juros, mas é algo a ser discutido com cautela. Não podemos criar expectativa para o mercado e depois não corresponder. Temos que considerar também o espaço fiscal, o humor do Congresso Nacional e a disposição do setor para a articulação. Ainda é cedo para projetarmos qual será o patamar de juros, mas a tendência, acompanhando a queda da Selic, é de redução das taxas.
Broadcast Agro - Esse endividamento citado pelo senhor pode aumentar com a quebra da safra e menor rentabilidade dos produtores. Consultorias apontam que mais produtores vão recorrer à recuperação judicial neste ano. Neste sentido, há alguma ação específica que pode ser estruturada pelo Ministério, uma espécie de Desenrola no campo?
Geller - Estamos acompanhando isso de perto. A ideia é criar algumas linhas de crédito para refinanciar os passivos de custeio, principalmente nas regiões com quebra de safra. Pensamos em trabalhar uma linha de crédito em dólar para fazer o financiamento da indústria de insumos agrícolas e das revendas para que possam renegociar diretamente com os produtores. Trabalharemos nessa linha juntamente com o BNDES, mas antes precisamos ver realmente qual é o tamanho da quebra de safra e até que ponto o produtor está capitalizado e receber a demanda do setor. Definiremos as condições e parâmetros junto ao BNDES. No primeiro momento, a ideia é fazer o refinanciamento pelas linhas alternativas de crédito sem necessidade de recursos do Tesouro. Mas se a situação se agravar, teremos que conversar com a equipe econômica e buscar mecanismos para solução.
Broadcast Agro - Temos um ano desafiador para o agro com quebra de safra, menor rentabilidade, produtor reduzindo investimento. Na sua avaliação, o agro entrou em um ciclo baixista e de retração? Há um sinal vermelho no Ministério em relação ao estímulo futuro do produtor para plantio?
Geller - Precisamos ficar atentos e eventualmente estimular mais algumas regiões ou algumas culturas, mas isso precisa ser uma política perene com crédito, seguro rural e comercialização bem definidas. Esse momento de baixa deve-se a uma junção de fatores: o maior estoque mundial, a queda dos preços dos grãos e dos insumos. Teremos dois a três anos de ajuste de mercado. O governo segue atento e participando quando necessário, como fez com os leilões de trigo para garantia do preço mínimo ao produtor no ano passado. No horizonte, há espaço para crescimento da produção no País para garantir a segurança alimentar e econômica. É preciso introduzir políticas de apoio ao produtor de médio a longo prazo (Broadcast, 19/1/24)