04/02/2021

Sem rede privada para governo preço mínimo do leilão do 5G pode subir

Sem rede privada para governo preço mínimo do leilão do 5G pode subir

Legenda: A discussão gira em torno da telefonia de quinta geração, o 5G, cuja capacidade de transmissão de dados é muito maior do que a velocidade do 4G Pau Barrena/AFP/

 

Investimento entrou como contrapartida na proposta de edital como forma de não se restringir equipamentos da chinesa Huawei.

O ministro Fábio Faria (Comunicações) subiu o tom com as operadoras de telefonia. Ele disse que poderá elevar o preço das licenças no leilão do 5G caso as empresas resistam a construir uma rede fechada para o governo federal.

A medida é uma das contrapartidas de investimento impostas pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido). Com um rede própria, o governo não deverá impor restrições à presença de equipamento da chinesa Huawei no 5G.

Caso digam não à estrutura própria para Bolsonaro, Faria disse às operadoras que concordaria com o ministro Paulo Guedes (Economia) e defenderia um leilão arrecadatório —com lances mínimos elevados—, uma forma de reforçar o caixa da União.

O recado foi dado pelo ministro das Comunicações em conversas antes de embarcar para uma missão oficial rumo aos países-sede das fabricantes de equipamentos de telefonia de quinta geração.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) pretendia votar as regras do leilão na sessão de segunda-feira (1º). Porém, o presidente do órgão, Leonardo de Moraes, decidiu pedir vista diante das controvérsias com as teles.

 

O processo deverá ser retomado em 24 de fevereiro a tempo de garantir a realização do certame no final do primeiro semestre.

 

Pelas regras apresentadas pelo conselheiro-relator, Carlos Baigorri, as teles farão investimentos obrigatórios no lugar do governo. Essa fórmula segue orientação dada por uma portaria do Ministério das Comunicações publicada em edição extraordinária do Diário Oficial na sexta-feira (29).

Em troca desses investimentos, a União abrirá mão de receber tanto dinheiro em lances no leilão pelas licenças de exploração das faixas de frequências 5G. Frequências são como avenidas no ar por onde as teles fazem trafegar os sinais.

O valor dessas contrapartidas será descontado do preço das licenças 5G.

A construção da rede privada é uma dessas obrigações e foi definida de última hora para que o governo Bolsonaro pudesse manter o discurso de restrições à chinesa de equipamentos 5G Huawei. Nessa rede, a Huawei estaria de fora, embora não haja um veto explícito na portaria, nem na proposta de edital.

 

Diante do impasse, Faria ameaçou jogar esse valor para o preço das licenças, como quer Guedes. O chefe da Economia propõe menos investimentos em todas as faixas de frequências para receber mais pelas licenças.

O edital propõe a criação de uma empresa independente, que conduzirá a execução dessas contrapartidas. A nova companhia será abastecida com recursos das teles vencedoras do leilão.

Cerca de R$ 1,6 bilhão serão necessários para a distribuição de aparelhos que permitirão a captação de sinais de satélites —que passarão a operar em outra faixa de frequência. A atual será usada no 5G.

Outra tarefa da nova empresa será a construção da rede de Bolsonaro, que deve girar em torno de R$ 1 bilhão.

Quando discutiram sobre essa rede, ficou acertado que ela ficaria restrita aos órgãos da administração pública federal em Brasília. No entanto, a portaria foi publicada incluindo setores de segurança pública e de fiscalização nos estados —muito mais do que previamente acordado.

Pouco depois, o governo sinalizou que outros Poderes também poderão aderir a essa rede, que será tanto fixa quanto móvel.

As teles afirmam que não será possível construir essa infraestrutura, mesmo via uma empresa independente. Com ações listadas em Bolsa, não conseguiriam explicar aos acionistas porque estão destinando recursos para uma rede que será operada por um concorrente público —a Telebras.

Essa situação também gerou dissabores para Guedes. Ele reclamou com Faria de que a proposta era uma manobra para tentar turbinar a estatal e, assim, retirá-la do programa de desestatização do governo.

Faria afirmou que, se for o caso, modificará o decreto que delega à Telebras o papel de operador de políticas públicas.

Segundo as empresas, a vinculação de seus executivos —que terão assento no conselho e na diretoria da nova empresa— ao escrutínio do TCU (Tribunal de Contas da União) será outra barreira. Para eles, haveria uma questão incontornável de governança corporativa por causa da mistura entre público e privado.

Dificulta ainda as conversas o fato de que as teles não podem assumir um compromisso de investimento sem saber exatamente que rede terão de construir, a cobertura que terão de ofertar e com quais equipamentos deverão operar.

Hoje, as companhias já administram redes privadas dedicadas para os órgãos da administração pública e geram receita com essa prestação de serviço.

Cálculos ainda grosseiros feitos pelas operadoras indicam que os blocos das quatro faixas de frequência a serem leiloadas valem algo entre R$ 25 e 28 bilhões.

As obrigações definidas pelo governo e incluídas na proposta de edital pela Anatel já se equiparam a esse valor. Ou seja: a rede privativa se torna um problema porque, sem especificação exata, pode custar tanto R$ 500 milhões quanto R$ 3 bilhões, dependendo das exigências da Presidência da República.

Da forma como o leilão foi idealizado pelo governo, o valor dos investimentos (contrapartidas) será descontado do valor das frequências. Há representantes de operadoras avaliando que o governo trabalha com valores muito elevados para as frequências, motivo para tantas obrigações.

Dizem que no 5G a curva de receita será negativa por bastante tempo, especialmente se o padrão tecnológico for o mais moderno, que exigirá a construção de uma rede totalmente nova e independente da que já está em funcionamento com tecnologias 3G e 4G.

Por isso, Faria considerou retirar a obrigação da construção de uma rede privada federal e jogar esse valor diretamente no preço das licenças. As teles, no entanto, ainda querem uma outra solução (Folha de S.Paulo, 4/2/21)