Senado aprova venda direta de etanol das usinas aos postos
Projeto é criticado pelas maiores entidades do setor e defendido por representantes do Nordeste.
Contrariando a pressão de entidades, o Senado aprovou nesta terça-feira (19) projeto que libera a venda direta de etanol das usinas aos postos de combustível. O texto, aprovado por 47 votos a dois, segue para a análise da Câmara dos Deputados.
A medida é criticada por representantes dos postos de combustível, das distribuidoras e da maior parte das usinas do país. Produtores da região Nordeste, por sua vez, são favoráveis.
O projeto de decreto legislativo acaba com o efeito de uma norma instituída pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) em 2009. O dispositivo da agência reguladora impede a comercialização direta do produto. O etanol deve ser vendido pelos produtores às distribuidoras, que, por sua vez, comercializam com os postos de combustível.
Autor da proposta, o senador Otto Alencar (PSD-BA) argumenta que permitir a venda direta entre produtores e postos aumentará a concorrência no setor, levando a uma redução no preço do etanol para o consumidor.
Durante a sessão, senadores tentaram adiar a votação e propuseram que o tema fosse melhor debatido.
“A minha sugestão é fazer uma audiência pública, nem que seja um compromisso de, em menos de 30 dias, darmos uma solução à sociedade”, disse a líder do MDB, Simone Tebet (MS). “Apenas a simples sustação da resolução não torna viável a proposta, muito menos a redução de preço na bomba ao consumidor”, ressaltou.
Os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO) e José Serra (PSDB-SP) apoiaram a iniciativa da senadora, mas foram derrotados. O projeto foi votado e teve apenas os votos contrários de Airton Sandoval (MDB-SP) e Marta Suplicy (MDB-SP).
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), a mudança na regra vai provocar uma queda no preço do etanol, o que também pode forçar uma redução no valor da gasolina nas bombas.
“Vamos garantir a possibilidade de que os produtores de etanol possam diretamente vender o seu produto aos postos de gasolina, evitando assim a intermediação desnecessária, muitas vezes pela própria proximidade entre o produtor e o local da venda no varejo”, disse.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) afirma que a liberação da venda direta exigirá mudanças na tributação que hoje não estão previstas em lei. De acordo com o documento, a incidência de PIS/Cofins e ICMS sobre as distribuidoras não teria como ser aplicada nesses casos, o que levaria a uma queda de arrecadação do governo estimada em R$ 2,2 bilhões ao ano.
A União Nacional da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) afirma que pulverizar a distribuição de etanol permitindo a venda direta a mais de 40 mil postos vai dificultar a fiscalização, o que pode levar a uma piora na qualidade do produto e uma elevação na sonegação de impostos. A entidade afirma que os custos vão aumentar, elevando preços ao consumidor (Folha de S.Paulo, 20/6/18)
Quem apregoa livre mercado deve exercitá-lo, diz Sindaçúcar
Senado aprovou a venda direta do etanol das refinarias para os postos na noite de terça.
Uma das lideranças na proposta de mudança no modelo de venda de etanol no Brasil, o presidente do Sindaçúcar-PE (Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco), Renato Cunha, defende que ela dá mais opções ao consumidor.
Cunha afirma que o modelo atual, que garante exclusividade às distribuidoras de combustíveis, é excludente e gera ineficiências. E que credita que a revisão ocorrerá "mais dia, menos dia", já que o tema é objeto de outros projetos no Congresso —na Câmara, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) tenta alterar as regras de venda de etanol.
Cunha argumenta que a nota fiscal eletrônica impede a sonegação de tributos e que a qualidade do combustível é garantida pelas usinas. "Só é contra quem tem temor perder lugar na cadeia [de suprimento]", disse à Folha nesta terça (19), momentos antes da votação do projeto no Senado.
O sr. acha que terá apoio político para aprovar a venda direta?
É inevitável. Outros parlamentares têm projetos semelhantes. Mais dia, menos dia, a sistemática que permite aos postos adquirirem produtos de outra fonte vai se tornar realidade. Hoje, é exclusividade da distribuidora. Nossa proposta não é excludente, ela só vai criar uma nova opção. O modelo atual não tem mais sentido, principalmente com o código do consumidor, com a nota fiscal eletrônica. Ficou ultrapassado.
O benefício não seria só localizado, para consumidores que estão perto das usinas?
Não tem nada de localizado. O maior produto do etanol é o hidratado, é o que vende mais. E o posto que está perto da usina não pode ter essa alternativa? Só é contra quem tem o temor de perder lugar na cadeia [de suprimento]. É preciso ser muito ineficiente, com toda a estrutura que as distribuidoras têm. Esse pessoal que apregoa livre mercado tem que exercitar o livre mercado. Quem imaginava há dez anos que seria possível vender energia elétrica direto para um consumidor não cativo das distribuidoras de energia?
Mas são necessárias mudanças na tributação.
O ICMS não muda nada. No caso dos impostos federais, o governo teria que se adequar. Mas essa preocupação não tem que ser da Única (União da Indústria de Cana-de Açúcar) nem de ninguém. O governo federal é maduro na cobrança de impostos, ainda mais em combustíveis, que têm grande arrecadação. Os argumentos contrários parecem coisa de quem quer se perpetuar.
Como fiscalizar a qualidade?
O certificado de qualidade hoje já é gerado na usina, que também tem que gerar contraprovas. Não tem nada que impeça a mudança no modelo.
A greve dos caminhoneiros ajudou no convencimento pela mudança?
O Brasil quer fazer revisões das ineficiências. Sem dúvida nenhuma, esse momento de greve mostrou o quão ineficiente é o modelo rodoviário de transporte no país, mostrou o quão ineficiente é o modelo de distribuição de combustíveis. Essa é uma bandeira antiga, que o setor sempre perseguiu. O dono do posto vai ter duas opções. E, no momento em que ele tiver duas opções, o consumidor também vai ter.
A venda direta valeria apenas para bandeira branca ou para postos com bandeiras de distribuidoras?
Poderia ser para qualquer bandeira. O próprio Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] já se manifestou contra essa fidelidade de bandeiras. Tem usina que tem distribuidora e posto, essa verticalidade é positiva? Precisa dar um freio de arrumação para que o mercado tenha mais equilíbrio. Nós queremos o direito de vender. Só. Ponto. Por que eu não posso vender ao posto se ele pode? (Folha de S.Paulo, 20/6/18)