09/10/2024

Ser de esquerda virou uma marca ruim – Por Joel Pinheiro da Fonseca

Ser de esquerda virou uma marca ruim – Por Joel Pinheiro da Fonseca

Lula e Gleisi Hoffmann. Foto Reprodução - Redes sociais

A pílula real, amarga, é uma mensagem não exatamente nova, mas que só se intensifica: o Brasil está mais conservador.

O Palácio do Planalto é mestre em dourar a pílula: comemorou o triunfo dos partidos de sua "base aliada" nas eleições municipais. Lembremos que essa base aliada - PSD, MDB e União Brasil - são aqueles amigos que conversam com a faca no pescoço do governo. Quanto a partidos de esquerda, o resultado foi bem menos favorável.

A pílula real, amarga, é uma mensagem não exatamente nova, mas que só se intensifica: o Brasil está mais conservador; pautas progressistas têm muita dificuldade. Ser de esquerda virou uma marca ruim. Políticos de esquerda têm que superar muito mais obstáculos para se comunicar com o eleitor médio.


Numa sondagem publicada em 4 de outubro, o jornal Valor perguntou aos partidos como eles se definem no espectro esquerda-centro-direita. Seguindo essa autodeclaração, vejamos como se saíram os partidos de esquerda e centro-esquerda (PT, PSB, PDT, PV, PCdoB, Cidadania, Rede e PSOL): ao todo, perderam 219 prefeituras. Agora vejamos os partidos de direita e centro-direita (PP, Republicanos, PL, Novo, União Brasil e PRD): juntos, ganharam 302 novas prefeituras.

O PT diz, com razão, que aumentou o número de prefeituras se comparado a 2020 (de 182 a 248). Mas essa recuperação foi principalmente em municípios pequenos do interior do Nordeste. Nas capitais e grandes cidades, o PT foi varrido. O "cinturão vermelho" da Grande São Paulo é uma lembrança distante, embora ainda reste esperança em Mauá e Diadema.

E esse resultado foi conseguido mesmo com a participação direta de Lula, o político mais popular da história da Nova República. Quando Lula se aposentar - o que deve acontecer, no mais tardar, em 2030 - o que será da esquerda brasileira?

Compare o PT com o PL, de Bolsonaro, que foi de 344 para 523 prefeituras, sem contar as possibilidades de vitória em 23 das 52 grandes cidades que terão segundo turno. Foi o partido com o maior número de votos no Brasil.

 


Por fim, o "centrismo" de partidos como PSD e MDB deve ser colocado em perspectiva. São legendas de centro no sentido político, ou seja, podem se aliar sem problema a governos de esquerda, como aliás acontece hoje no governo federal. Mas se fôssemos fazer uma análise ideológica e programática de grande parte dos prefeitos e vereadores desses partidos, especialmente fora do Nordeste, não tenha dúvidas: são conservadores e muito mais alinhados com Bolsonaro do que com Lula ou qualquer outro nome da esquerda.

Por que a esquerda tem tanta dificuldade? Penso que, além de considerações puramente políticas, a cultura brasileira mudou. Graças ao trabalho de anos não de partidos políticos, mas de igrejas, a população está mais conservadora. Nos costumes, oposição a bandeiras LGBT e ao feminismo; na economia, crença no poder do indivíduo; no plano internacional, simpatia com EUA e Israel. Temas que antes mal apareciam em eleições municipais, hoje são um problema real a ser contornado por uma candidatura de esquerda: Venezuela, aborto, drogas.

As redes sociais, ademais, colocaram o indivíduo no centro da comunicação, descartando as mediações institucionais que a esquerda aprendeu a dominar: sindicatos, universidades, partidos, institutos, ONGs. Nessas novas condições, a mudança da política depende de um longo trabalho cultural que deve começar fora dela (Folha, 9/10/24)