07/04/2025

Sir José Eduardo e os Cavaleiros da Farsa Redonda

Sir José Eduardo e os Cavaleiros da Farsa Redonda

Conheça as prováveis inspirações do juiz Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield (imagem criada por inteligência artificial)

 

As prováveis - e improváveis - inspirações por trás do nome mais aristocrático da magistratura brasileira: Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield.

A essa altura do campeonato, o leitor de Migalhas já está familiarizado com o enredo que mais parece roteiro de série da BBC: um juiz paulista, aposentado desde 2018, foi denunciado pelo Ministério Público por ter vivido nada menos que quatro décadas sob uma identidade inventada.

 

O Tribunal, ao descobrir a esparrela na qual caiu por décadas, deliberou suspender os vencimentos do magistrado. Aliás, é bom notar: nunca o famigerado exame de vida pregressa falhou tanto quanto neste caso.

Quem era

 

O nome real do magistrado? José Eduardo Franco dos Reis, nascido na tranquila e aprazível cidade paulista de Águas da Prata.

 

Mas o nome com o qual construiu uma respeitável carreira na magistratura foi outro - bem mais pomposo: Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield.

 

Diante de tamanho capricho onomástico, uma dúvida paira no ar da toga nacional: de onde veio tanta criatividade?

 

Esquartejando o nome

 

Migalhas reuniu especialistas de diversas áreas para tentar solucionar o mistério. Fizemos uma incursão especulativa, quase literária, nas possíveis referências que teriam inspirado o ilustre José Eduardo na construção de seu alter ego aristocrático.

 

Eis o que encontramos:

 

Edward Albert - Nada mais apropriado que começar com um nome de rei. Ou quase isso. Edward Albert foi o nome de nascimento do Duque de Windsor, que abdicou do trono britânico por amor a Wallis Simpson. Já Edward Laurence Albert, ator americano dos anos 70, talvez tenha emprestado um charme cinematográfico à escolha. Ou seria o nome comum o suficiente para parecer plausível? Fica o mistério. O fato é que parece que o Zé Eduardo de Águas da Prata resolveu pregar uma peça digna de nobres farsantes: pegou o "Reis" que encerra seu nome verdadeiro e, com um golpe de criatividade tropical, colocou um quase-rei para abrir seu nome de guerra.

 

Lancelot - Aqui, o ex-juiz foi direto ao ponto: Lancelot, o cavaleiro mais nobre da Távola Redonda, símbolo de bravura, lealdade, e - ironicamente - de traição, por sua famosa história com a rainha Guinevere. Um toque de cavalheirismo shakespeariano (ou farofeiro?) ao currículo.

 

Dodd - Sobrenome de origem inglesa, comum nas regiões do norte da Inglaterra. Simples, curto, sonoro. Nada extravagante, mas o suficiente para dar equilíbrio e credibilidade à avalanche nobiliárquica que se seguiria.

 

Canterbury - Sede da Igreja Anglicana, símbolo da fé britânica, lar do famoso arcebispo. Se a escolha foi religiosa ou literária, não se sabe. Mas soa sofisticado o suficiente para que qualquer um se imagine tomando chá às cinco em um jardim com roseiras bem cuidadas.

 

Caterham - Cidadezinha pacata no condado de Surrey. Também é o nome de uma tradicional fabricante de carros esportivos britânicos. Teria o nosso magistrado nutrido um carinho especial por carros ingleses? Ou foi só pela sonoridade elegante?

 

Wickfield - Essa é para poucos: no romance David Copperfield, de Charles Dickens, o personagem Mr. Wickfield é um advogado honesto, mas com um fraco: o álcool. Vulnerável à manipulação, acaba sendo joguete nas mãos de personagens mais ardilosos. Um toque de ironia? Um aceno involuntário ao que viria a ser descoberto décadas depois?

 

Resultado

 

Como se vê, a construção da identidade de nosso tupiniquim Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield não foi uma simples falsificação: foi uma obra literária, com capítulos, referências cruzadas, ambientação britânica, e uma boa dose de pretensão. A única coisa que talvez tenha faltado foi um editor dizendo: "Querido, menos é mais".

 

Mas, cá entre nós, que outro José Eduardo sairia de Águas da Prata (ou seria Silver Waters?) direto para a Távola Redonda do Fórum, passando por Oxford (da imaginação), Canterbury (do RG) e Caterham (do sonho)?

 

Enquanto a Justiça decide seu destino, nós, meros espectadores, só podemos agradecer por esse raro momento em que o surreal ultrapassa o verossímil, e o Judiciário encontra Dickens em plena Avenida Paulista (https://www.migalhas.com.br/quentes/427817/sir-jose-eduardo-e-os-cavaleiros-da-farsa-redonda; 5/4/25)