SP: Produtor rural destrói toneladas de alimentos no cinturão verde
Legenda: Sítio Haggii na região de Jundiapeba. Os produtores do cinturão verde paulista estão descartando hortaliças por causa da crise econômica causada pelo coronavírus
Hortifruticultores tentam doar produção encalhada, mas não têm dinheiro para o transporte.
Os 7.000 produtores do chamado cinturão verde da região metropolitana de São Paulo respondem por 25% do abastecimento nacional de verduras. De suas terras saem 90% das verduras e 40% dos legumes consumidos na capital paulista.
A produção dessa extensa horta está encalhando durante a pandemia do coronavírus. Com o fechamento de bares e restaurantes, que estão entre os principais compradores, produtores estimam retração de até 80% das vendas.
Numa cena que pode ser considerada dramática, já há produtores enterrando parte das cultura para utilizar como adubo.
Na semana que passou, a reportagem da Folha acompanhou o momento em que um trator destruiu toneladas de alface, rúcula, agrião e outros tipos de verduras e temperos.
“Eu vendia 10 mil maços de almeirão, alface, agrião e rúcula em uma semana e na outra passei a vender 500. Com essa queda foi inevitável fazer o descarte dos alimentos. Cerca de 70% da produção foi jogada fora”, diz Fábio Sussumu Hagio, que produz hortaliças há 12 anos em Mogi das Cruzes.
Ele estima que já teve um prejuízo de R$ 50 mil.
Os agricultores não se sentem bem em descartar os alimentos. “Eu tenho 4 toneladas de alface, agrião e rúcula que poderiam ser destinadas para doação toda semana, mas não temos como arcar com os custos para fazer com que esses alimentos cheguem até quem precisa”, diz Simone Silotti, produtora também de Mogi das Cruzes, que já perdeu R$ 40 mil com a queda das vendas.
O cinturão verde paulista é dividido nos lados leste e oeste. Além de Mogi das Cruzes, o lado leste é composto por Santa Isabel e Suzano e concentra mais de 4 mil pequenos produtores rurais.
Na região oeste, são aproximadamente 3 mil produtores divididos entre os municípios como Ibiúna, Itapetininga, Piedade do Sul e Sorocaba.
Dados levantados pelo Sindicato Rural de Mogi das Cruzes apontam que as vendas de folhosas para a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) tiveram uma redução de 70%. Para feirantes, caíram 60%.
“Sou empregadora de cinco profissionais. A queda nas minhas vendas foi da ordem de 75% a 80%. O que eu vou fazer com tantos alimentos prontos para o consumo? Não tenho para quem escoar. A Ceagesp está aberta, mas não tem clientes. Os pequenos restaurantes, cozinhas industriais e restaurantes a quilo, que eram meus clientes, estão todos fechados”, afirma Simone.
Os produtores não têm recursos para implementar outras formas de comercialização. “Onde já se viu jogar alimento no lixo e na outra ponta pessoas passando fome. As cestas básicas que estão sendo compradas para doação contam com alimentos das grandes indústrias, que já estão cheias de dinheiro. Por que não incluir fruta, verdura e legumes de pequenos produtores?”, questiona Simone.
Levantamento feito pela Folha no sistema Datasus mostra que, entre 2010 e 2017 (dado mais recente), foram 1.251 mortes ligadas à desnutrição só na cidade de São Paulo. Para conseguir viabilizar a doação, um grupo de produtores do bairro Quatinga, em Mogi das Cruzes, se uniu para fazer uma vaquinha online e arrecadar o montante que, segundo eles, seria usado para cobrir os custos de transporte.
São 12 agricultores —Simone e Fábio entre eles— que se disponibilizaram a doar 4 toneladas por semana até agosto. O grupo tenta arrecadar R$ 300 mil. Por enquanto, conseguiram cerca de R$ 8.000.
Mesmo sem o financiamento, o grupo já doou 4 toneladas na semana passada, mas teme demissão em massa no setor. “Somos talvez o segmento que mais emprega por hectare. É uma mão de obra de baixíssima escolaridade, de alta faixa etária e muitas mulheres. A gente tem ciência de que se eles forem dispensados, vão ter dificuldade para conseguir emprego na cidade”, diz Simone.
Julio Hagio, também produtor de verduras, diz que, com a queda das vendas, não tem como sobreviver. “Terei que parar as atividades. Feirantes eram meus principais compradores, mas 90% deles estão parados. Estamos perdendo as verduras no campo”, diz.
A doação dos alimentos que estão sendo incorporados ao solo na zona rural é a única saída, dizem os produtores.
Na região oeste a situação também é delicada. Segundo Felipe Nalesso Xavier, engenheiro agrônomo da Caisp (Cooperativa Agropecuária de Ibiúna), a queda nas vendas chegam a 40%.
“Tem produtor que chegou a jogar 15 mil pés de alface americana fora. É de cortar o coração ver o trator passando por cima. O produtor tem aquilo como filho. O perfil médio dos cooperados é da agricultura familiar a média. Se o governo não der flexibilização às linhas de crédito, ao acesso e a burocracia, muitos vão quebrar.” (Folha de S.Paulo, 19/4/20)
Fruta apodrece no pé com a queda da demanda no Nordeste
Legenda: Élcio José de Oliveira, dono da distribuidora de hortifrúti Agrobonfim, que viu seu mercado de restaurantes de alta gastronomia desaparecer com a crise do coronavírus. Adriano Vizoni/Adriano Vizoni/Folhapress
Fechamento de restaurantes e, principalmente, das feiras livres impactaram os produtores do Nordeste.
Em Bom Jesus da Lapa (780 km de Salvador), município que se destaca pela produção de bananas, o fruto sequer chega a ser colhido e apodrece no pé. Em Petrolina (526 km do Recife), no vale do São Francisco, produtores de frutas começam a dar férias coletivas para funcionários.
O fechamento de restaurantes e, principalmente, das feiras livres impactaram os produtores do Nordeste que focam o mercado regional.
Em Bom Jesus da Lapa, cerca de 800 agricultores produzem frutas no perímetro irrigado de Formoso. A banana é o carro-chefe, com uma produção que chega a 10,8 mil toneladas por mês e que segue diariamente em caminhões para Brasília, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em geral, as bananas deixam o campo ainda verdes. Com a queda na demanda, contudo, boa parte das frutas amadurece e apodrece antes mesmo de ser colhida.
Os produtores baixaram os preços do atacado em até 30%. O quilo da banana-nanica está sendo vendido a R$ 1. O da banana-prata, a R$ 2. A redução do preço, contudo, nem sempre chega ao consumidor final, diz Evino Kogler, presidente da Associação de Produtores de Banana da Bahia.
“O cenário está muito doloroso para a cultura. Baixamos os preços na esperança de que o consumo aumentasse, mas isso não aconteceu porque o valor não caiu na ponta”, afirma Evino. Com a queda nas vendas, diz, produtores já demitem funcionários.
No vale do São Francisco, que engloba 16 municípios de Pernambuco e da Bahia —destaque na produção nacional de manga e uva, com 44 mil hectares plantados—, a situação também é preocupante.
Josival Coelho de Amorim fechou temporariamente sua fazenda de manga e goiaba em Petrolina (PE). “Dei férias a 44% dos funcionários. É importante também para o isolamento. Não entra e não sai ninguém”, afirma.
Ele diz que a situação não é pior porque tem muita gente saindo da entressafra. “A produção e a procura caíram demais. Um indicador forte é a procura menor dos intermediários. Agora, de abril em diante, é que vai arrochar o nó.”
Grandes produtores voltados à exportação possuem câmaras frias que podem estocar de 30 a 40 dias as uvas colhidas, por exemplo, sem que elas percam suas características.
O presidente nacional da Associação Brasileira dos Exportadores de Frutas e Derivados, Guilherme Coelho, afirma que as exportações não foram afetadas de maneira significativa, já que grande parte deixa o país por via marítima, e não aérea.
No entanto, a venda de algumas frutas especiais também sofreram impactos no mercado externo. Há uma manga pronta para o consumo, produzida com bastante rigor, que é exportada por avião. Como os voos sofreram uma forte diminuição, o escoamento específico deste produto, que representa 10% das mangas exportadas, caiu 90%.
Na região da Chapada Diamantina, na Bahia, produtores de banana, mamão, manga, maracujá e hortaliças também começam a ver os frutos apodrecerem no pé.
Presidente da Associação Comunitária dos Irrigantes do Vale do Rio Utinga, o produtor Nelson Matias dos Santos, 65, afirma que o movimento de caminhões vindos de fora da região caiu mais de 60% e os produtores têm tido dificuldade para escoar a colheita.
Se antes vendiam carregamentos semanais até para o Paraná, agora têm praticamente só o mercado baiano. E mesmo assim, com dificuldades, porque parte das prefeituras proibiu a realização de feiras livres para tentar controlar a pandemia.
“Os preços caíram drasticamente”, diz Nelson. O quilo do mamão formosa, que deixava as fazendas a R$ 1,20 antes da crise do novo coronavírus, agora está saindo a R$ 0,30 (Folha de S.Paulo, 19/4/20)