21/08/2023

Starlink se espalha na Amazônia – Por Ronaldo Lemos

Starlink se espalha na Amazônia – Por Ronaldo Lemos

logo Starlink

Chegada da conectividade por satélites de baixa órbita à região é fenômeno complexo.

Há um fator de mudança se espalhando pela região amazônica. Trata-se da chegada da conexão à internet com banda larga trazida por satélites de órbita baixa. A principal empresa em expansão na região é a Starlink, projeto de Elon Musk. Curiosamente, a imprensa brasileira (e internacional) tem destacado só o lado problemático dessa conexão, que é o fato de ela estar sendo utilizada nos garimpos ilegais.

No entanto, visitando a região (para gravar a 7ª temporada do "Expresso Futuro"), dá para ver que o impacto é muito mais amplo. A nova tecnologia está sendo utilizada em regiões remotas por comunidades e povos indígenas, inclusive por escolas. Iniciativas de comunicação local usadas por diversos povos originários estão migrando do rádio para internet, como me relatou Juliana Albuquerque, do povo baré, que atua na rede de comunicação Wayuri.

O uso chegou até os barcos. Por exemplo, para ir de Manaus a São Gabriel da Cachoeira, a rota de barco "expressa" dura cerca de 24 horas. O trajeto pode ser feito hoje em embarcações que oferecem conexão de alta velocidade aos passageiros via wi-fi, usando para isso o serviço da Starlink.

A conexão se expande tão rápido que as lideranças locais já começam a debater seu impacto cultural, especialmente com relação às crianças. Há líderes preocupados se as crianças poderão perder o contato com modos de vida local por causa disso. Esse debate é importante. As decisões sobre o que cada povo originário vai fazer com a chegada da internet podem trazer lições para todos nós.

Conectar a região amazônica à rede não é um objetivo recente. Muitos projetos vinham ocorrendo nesse sentido. A conexão por satélite já existe há algum tempo, através do projeto Gesac, mas com velocidades muito baixas. O exército também possui o projeto Amazônia Conectada, com 1.900 quilômetros de fibra óptica subfluvial conectando Manaus a nove municípios.

Conectar a região amazônica é o santo graal do desenvolvimento da região. Pode trazer oportunidades, expandir a economia do conhecimento (inclusive local) e propelir projetos de educação.

Ronaldo Lemos acompanha o embarque de equipamentos Starlink no Rio Negro, na região amazônica. - foto Paulo Testolini

Starlink sendo embarcado para regiões do interior da região amazônica. - foto Paulo Testolini

No entanto, a conexão provida pela Starlink (e outras empresas que usam satélites de baixa órbita) pode trazer problemas. O primeiro deles é de dependência. A região amazônica é estratégica e essencial para o país. Não é desejável que uma de suas infraestruturas mais cruciais seja provida por um fornecedor dominante, cujos serviços terão impacto profundo nas atividades da região.

A outra questão estratégica envolve dados. O site da Starlink possui uma ampla e detalhada política de dados, em que a empresa descreve as informações que coleta, que podem incluir identidade, localização e até hábitos de navegação.

 Até agora os dados estratégicos sobre a região amazônica eram detidos pelo Brasil. Pela primeira vez, organizações privadas que operam satélites poderão ter dados mais detalhados da região do que o próprio país.

Outra questão é o cumprimento de leis locais. O Brasil tem não só a Lei de Proteção de Dados mas também o Marco Civil da Internet, que veda que provedores de conexão possam "monitorar ou analisar o conteúdo" dos dados trafegados.

Em outras palavras, a chegada da conectividade por satélites de baixa órbita à Amazônia é um fenômeno complexo, cujas repercussões estamos só começando a entender.

Já era - Amazônia desconectada

Já é - Amazônia conectada pelo Gesac, fibra e outras iniciativas locais

Já vem - Amazônia conectada por satélites de baixa órbita operados por empresas privadas globais (Ronaldo Lemos é advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro; Folha, 21/8/23)