Suspeita de propina faz Caramuru Alimentos revisar balanço financeiro

Segundo Marcus Thieme, da Caramuru, apuração da denúncia começou no início de 2024. Foto Caramuru - Divulgação
Companhia identificou pagamentos indevidos de R$ 6,2 milhões após denúncia anônima.
A Caramuru Alimentos terá de revisar seus três últimos balanços financeiros para apurar eventuais inconsistências decorrentes de um potencial “relacionamento indevido” entre funcionários da empresa e um auditor fiscal da Receita Federal. Segundo apuração da própria Caramuru, o agente recebeu, entre 2014 e 2017, pagamentos que totalizaram R$ 6,2 milhões.
Em entrevista ao Valor, Gustavo Loyola, presidente do conselho de administração da Caramuru, disse que a Deloitte Touche Tohmatsu, responsável pela auditoria dos balanços da empresa, recebeu denúncia anônima segundo a qual funcionários da companhia de alimentos pagaram o montante ao auditor para que ele reduzisse os valores de autos de infração relativos a PIS/Cofins. A denúncia ocorreu no início do ano passado.
“Assim que o conselho recebeu a denúncia da Deloitte, criamos um comitê independente de auditoria, com a consultoria PwC e o escritório de advogados Maeda, Ayeres & Sarubbi. Finalizamos o processo de investigação em dezembro e constatamos a irregularidade de funcionários, que tomaram decisões inadequadas antes do aprimoramento de nossas políticas de governança”, afirmou o executivo.
A Caramuru — que tem registro de companhia aberta na categoria A, mas ainda não fez sua oferta pública inicial de ações — divulgou comunicado ao mercado sobre o caso na quinta-feira (13/2). No documento, a empresa relatou que, ao longo dos trabalhos de investigação, “o comitê independente manteve reuniões periódicas com o conselho de administração e o comitê de auditoria, reportando achados preliminares e apresentando recomendações”.
Ainda segundo a companhia, no dia 2 de janeiro de 2025, o comitê independente enviou ao comitê de auditoria o relatório final com o resultado das apurações. O documento identificou algumas irregularidades envolvendo “interações de colaboradores da Caramuru com um agente público da Receita Federal, supostamente para reduzir valores de autos de infração relacionados a fiscalizações tributárias ocorridas entre 2014 e 2017”. O relatório não informou o nome do auditor.
O agente teria recebido o montante de R$ 6,2 milhões em quatro “potenciais interações”, segundo a investigação. Além de afastar os colaboradores envolvidos no caso, a Caramuru contratou um presidente independente para o comitê de governança e anunciou a revisão das áreas de auditoria e compliance.
Ao Valor, Marcus Erich Thieme, o CEO da Caramuru, disse que os impactos financeiros que a empresa já identificou são “irrelevantes”. Thieme assumiu o cargo no início deste ano em substituição a Júlio César da Costa, que renunciou em dezembro passado. Antes de assumir o cargo, o novo presidente executivo era o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa.
A Caramuru definiu ainda que, a partir de 31 de dezembro de 2024, a Ernest & Young será responsável pela auditoria das demonstrações financeiras. Segundo Thieme, a troca não se deve a eventuais problemas com a Deloitte.
A empresa de alimentos pediu o registro de companhia aberta na Comissão Valores Mobiliário (CVM) em 2021, mas, com a piora das condições de mercado, acabou decidindo adiar o plano de fazer a oferta de ações. A abertura de capital continua sem data definida, mas Thieme disse que a empresa está preparada.
“Estamos preparados para o IPO e queremos provar isso com as políticas de governança que demonstramos agora, com o comitê de auditoria e acompanhamento das investigações”, afirmou. “Mas não é o momento”.
Como a maioria das empresas de porte similar, a Caramuru capta recursos no mercado de capitais por meio de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Thieme afirma que, no momento, a companhia tem R$ 2,5 bilhões em caixa.
A empresa tem buscado outras linhas para levantar os recursos para os investimentos de R$ 2,2 bilhões que anunciou no fim de 2024. O maior dos desembolsos será para a construção de uma usina de etanol de milho em Nova Ubiratã (MT), em parceria com a Biocen. Nesse caso, a empresa pode obter recursos com o BNDES, mas ela não revelou mais detalhes.
A Caramuru ainda não fechou o balanço financeiro de 2024, que agora está sob escrutínio, mas, segundo Thieme, o faturamento deve ter ficado no mesmo patamar de 2023, quando foi de R$ 7,6 bilhões. Os biocombustíveis provenientes de soja representam cerca de 30% do total, mas a fatia deve crescer após a finalização da nova planta, provavelmente em 2026.
A companhia, que origina cerca de 2 milhões de toneladas de grãos por ano, é especialista em produtos de valor agregado, como farelos, lecitina e glicerina. Do volume total de soja que a empresa origina, 40% vão para o exterior, mas apenas 10% em forma de grãos (Globo Rural, 13/2/25)