14/02/2025

Suspeita de propina faz Caramuru Alimentos revisar balanço financeiro

Suspeita de propina faz Caramuru Alimentos revisar balanço financeiro

Segundo Marcus Thieme, da Caramuru, apuração da denúncia começou no início de 2024. Foto Caramuru - Divulgação

 

 

Companhia identificou pagamentos indevidos de R$ 6,2 milhões após denúncia anônima.

 

Caramuru Alimentos terá de revisar seus três últimos balanços financeiros para apurar eventuais inconsistências decorrentes de um potencial “relacionamento indevido” entre funcionários da empresa e um auditor fiscal da Receita Federal. Segundo apuração da própria Caramuru, o agente recebeu, entre 2014 e 2017, pagamentos que totalizaram R$ 6,2 milhões.

 

Em entrevista ao Valor, Gustavo Loyola, presidente do conselho de administração da Caramuru, disse que a Deloitte Touche Tohmatsu, responsável pela auditoria dos balanços da empresa, recebeu denúncia anônima segundo a qual funcionários da companhia de alimentos pagaram o montante ao auditor para que ele reduzisse os valores de autos de infração relativos a PIS/Cofins. A denúncia ocorreu no início do ano passado.

 

“Assim que o conselho recebeu a denúncia da Deloitte, criamos um comitê independente de auditoria, com a consultoria PwC e o escritório de advogados Maeda, Ayeres & Sarubbi. Finalizamos o processo de investigação em dezembro e constatamos a irregularidade de funcionários, que tomaram decisões inadequadas antes do aprimoramento de nossas políticas de governança”, afirmou o executivo.

 

Caramuru — que tem registro de companhia aberta na categoria A, mas ainda não fez sua oferta pública inicial de ações — divulgou comunicado ao mercado sobre o caso na quinta-feira (13/2). No documento, a empresa relatou que, ao longo dos trabalhos de investigação, “o comitê independente manteve reuniões periódicas com o conselho de administração e o comitê de auditoria, reportando achados preliminares e apresentando recomendações”.

 

Ainda segundo a companhia, no dia 2 de janeiro de 2025, o comitê independente enviou ao comitê de auditoria o relatório final com o resultado das apurações. O documento identificou algumas irregularidades envolvendo “interações de colaboradores da Caramuru com um agente público da Receita Federal, supostamente para reduzir valores de autos de infração relacionados a fiscalizações tributárias ocorridas entre 2014 e 2017”. O relatório não informou o nome do auditor.

 

O agente teria recebido o montante de R$ 6,2 milhões em quatro “potenciais interações”, segundo a investigação. Além de afastar os colaboradores envolvidos no caso, a Caramuru contratou um presidente independente para o comitê de governança e anunciou a revisão das áreas de auditoria e compliance.

 

Ao Valor, Marcus Erich Thieme, o CEO da Caramuru, disse que os impactos financeiros que a empresa já identificou são “irrelevantes”. Thieme assumiu o cargo no início deste ano em substituição a Júlio César da Costa, que renunciou em dezembro passado. Antes de assumir o cargo, o novo presidente executivo era o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa.

 

Caramuru definiu ainda que, a partir de 31 de dezembro de 2024, a Ernest & Young será responsável pela auditoria das demonstrações financeiras. Segundo Thieme, a troca não se deve a eventuais problemas com a Deloitte.

 

A empresa de alimentos pediu o registro de companhia aberta na Comissão Valores Mobiliário (CVM) em 2021, mas, com a piora das condições de mercado, acabou decidindo adiar o plano de fazer a oferta de ações. A abertura de capital continua sem data definida, mas Thieme disse que a empresa está preparada.

 

“Estamos preparados para o IPO e queremos provar isso com as políticas de governança que demonstramos agora, com o comitê de auditoria e acompanhamento das investigações”, afirmou. “Mas não é o momento”.

 

Como a maioria das empresas de porte similar, a Caramuru capta recursos no mercado de capitais por meio de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Thieme afirma que, no momento, a companhia tem R$ 2,5 bilhões em caixa.

 

A empresa tem buscado outras linhas para levantar os recursos para os investimentos de R$ 2,2 bilhões que anunciou no fim de 2024. O maior dos desembolsos será para a construção de uma usina de etanol de milho em Nova Ubiratã (MT), em parceria com a Biocen. Nesse caso, a empresa pode obter recursos com o BNDES, mas ela não revelou mais detalhes.

 

Caramuru ainda não fechou o balanço financeiro de 2024, que agora está sob escrutínio, mas, segundo Thieme, o faturamento deve ter ficado no mesmo patamar de 2023, quando foi de R$ 7,6 bilhões. Os biocombustíveis provenientes de soja representam cerca de 30% do total, mas a fatia deve crescer após a finalização da nova planta, provavelmente em 2026.

 

A companhia, que origina cerca de 2 milhões de toneladas de grãos por ano, é especialista em produtos de valor agregado, como farelos, lecitina e glicerina. Do volume total de soja que a empresa origina, 40% vão para o exterior, mas apenas 10% em forma de grãos (Globo Rural, 13/2/25)