“Suspensão do Carrefour de compra de carnes do Mercosul foi um tiro no pé”
Roberto Rodrigues é ex-ministro da Agricultura. Foto JF Diorio - Estadão
Para ex-ministro, o que o Brasil vende para a União Europeia é menos de 3% de tudo o que exporta.
O professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, classificou a decisão do Carrefour na França, de suspender a compra de carnes do Mercosul, como “um tiro no pé” da rede tanto economicamente quanto comercialmente. “Do ponto de vista do Carrefour, me parece, claramente, que foi um tiro no pé deles mesmos.
Segundo dados da Abiec (a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), de tudo o que a União Europeia importa de carne bovina, aproximadamente 25% é do Brasil, portanto, eles precisam da carne brasileira. Por outro lado, o que o Brasil exporta para a União Europeia é menos de 3% do tudo o que exportamos”, avaliou Rodrigues, em entrevista ao Estadão/Broadcast Agro nos bastidores do “Encontro Nacional do Agro e dos Adidos Agrícolas”, evento realizado pela ApexBrasil nesta segunda-feira,25. “Portanto, nós precisamos muito menos da União Europeia do que eles precisam da carne brasileira”, acrescentou o ex-ministro.
Para Rodrigues, a decisão da rede francesa é “hipócrita”. “Todo mundo sabe que a nossa carne é sustentável, da maior qualidade. Exportamos para quase 200 países uma carne que tem padrões de rigor, qualidade muito forte, e, se o Brasil tem esse mercado crescendo, é porque ele é reconhecido. O argumento de que não produzimos como eles (europeus) produzem é fajuto”, criticou Rodrigues.
A manifestação do ex-ministro refere-se ao comunicado recente do CEO mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, de que a varejista se compromete a não comercializar carnes provenientes do Mercosul, independentemente dos “preços e quantidades de carne” que esses países possam oferecer, afirmando que esses produtos não respeitam requisitos e normas do mercado francês.
O Carrefour França afirmou que a medida é restrita apenas às unidades francesas, enquanto o Carrefour Brasil afirmou que não há mudanças na operação local. Em represália à medida, frigoríficos brasileiros suspenderam o fornecimento de carnes ao Grupo Carrefour no Brasil e condicionam a retomada do fornecimento de produtos ao Carrefour Brasil a uma retratação pública de Bompard.
Por outro lado, o ex-ministro disse entender os países franceses que estão defendendo seus produtores. “Ele quer agradar o pessoal que produz lá para ter sua renda garantida em relação aos compradores do mercado francês. Entendo, mas acho que é uma jogada comercialmente tola e politicamente hipócrita”, acrescentou.
O ex-ministro avaliou como “lúcida e lógica” a reação da indústria e do governo brasileiro em relação ao boicote do Carrefour. “O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tem uma posição bastante forte. Ele está certo em reagir assim. Em termos das brigas comerciais, cada um defende o seu. O governo brasileiro fez muito bem defendendo o agronegócio brasileiro”, disse, acrescentando que o assunto não gera estremecimento nas relações bilaterais entre os países.
Rodrigues defendeu também que a represália da indústria de carnes brasileira, ao interromper o fornecimento ao Grupo Carrefour no Brasil, seja adotada também por demais elos da indústria de alimentos. “Tem de dar uma lição. Assim como os frigoríficos estão fazendo, todo mundo deveria deixar de vender para o Carrefour, a indústria de óleos, de tecido. Vamos secar o abastecimento e ver quem perde mais”, defendeu (Estadão, 26/11/24)
Carrefour: Embaixada da França pede encontro com ministro da Agricultura
Emmanuel Lenain, embaixador da França no Brasil. Foto Reprodução - Divulgação
Há possibilidade de embaixador levar ao governo brasileiro um novo posicionamento do Grupo Carrefour, após CEO ter dito na quarta-feira, 20, que não venderia mais carnes provenientes do Mercosul.
A Embaixada da França no Brasil pediu ao Ministério da Agricultura um encontro entre o ministro Carlos Fávaro e o embaixador francês no País, Emmanuel Lenain, ainda nesta segunda-feira, 25, segundo pessoas a par da questão. O pedido ocorre em meio à crise entre o Carrefour e a indústria brasileira de carnes. De acordo com essas pessoas ouvidas pela reportagem, Lenain quer atuar como “intermediário” na questão e aliviar a tensão entre o agronegócio brasileiro e a França.
O encontro ainda não está confirmado, enquanto a equipe do ministro verifica sua disponibilidade. Lenain já havia solicitado um encontro com Fávaro na última sexta-feira, 22, mas a agenda do ministro já estava tomada de compromissos. Procurada, a Embaixada da França no Brasil não se manifestou até a publicação desta reportagem.
O pedido do embaixador francês se deve à escalada na crise entre o Carrefour e a indústria de carnes brasileira, com frigoríficos suspendendo o fornecimento de produtos ao Grupo Carrefour - Carrefour, Atacadão e Sam’s Club - no Brasil. A represália da indústria é em resposta ao comunicado divulgado pelo CEO mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, na última quarta-feira, 20.
No comunicado, ele informava que a varejista se comprometia a não vender carnes do Mercosul, independentemente dos “preços e quantidades” do produto que esses países possam oferecer, afirmando que esses produtos não respeitam requisitos e normas do mercado francês. O Carrefour França afirmou que a medida é restrita apenas às unidades francesas, enquanto o Carrefour Brasil afirmou que não havia mudanças na operação local.
Há expectativa da divulgação de uma nova carta por Bompard ainda nesta segunda-feira, a fim de “aliviar as tensões” e “impactos já sentidos” pelo Carrefour Brasil no abastecimento de carnes, segundo apurou a reportagem. Esse novo posicionamento de Bompard tende a ser levado pelo embaixador ao ministro.
A indústria brasileira de carnes condicionou a retomada do fornecimento de produtos ao Carrefour Brasil a uma retratação pública de Bompard. “Não basta a posição do Carrefour no Brasil. A desculpa tem de vir da França e não pode ser cartinha com tom ameno”, diz uma pessoa ligada à indústria da carne. A principal queixa das empresas brasileira é que, além do boicote, a qualidade e a sanidade da carne brasileira foram questionadas. O governo brasileiro apoia a suspensão no fornecimento de carnes pela indústria brasileira ao Grupo Carrefour Brasil.
Nos bastidores, a avaliação tanto da Embaixada quanto do governo brasileiro é de que a polêmica não afeta a relação bilateral entre Brasil e França.
Mais cedo, em entrevista à GloboNews, o ministro Carlos Fávaro defendeu a “altivez” do País em relação ao boicote do Carrefour França. Para o ministro, a medida é protecionista e desrespeitosa às regras e sanidade seguidas pela pecuária brasileira. “Se não querem comprar (carne brasileira) na França, não comprem aqui também”, disse Fávaro (Estadão.com, 25/11/24)