06/07/2021

Tecnologia a serviço do futuro sustentável – Por Paulo Hartung

Tecnologia a serviço do futuro sustentável – Por Paulo Hartung

A indústria de base florestal vem semeando um caminho para construir o futuro verde.

O avanço da tecnologia tem alterado o comportamento da humanidade. Estamos diante de uma revolução no caminhar civilizatório, uma mudança de paradigma que se dá sob a lógica de uma economia baseada em informação digital e que opera em rede global, de conexões e complementaridades.

Marco desta era – só que, infelizmente, trágico e nefasto –, a pandemia do novo coronavírus está sendo atravessada nos termos da digitalidade, seja pela capacidade ultraveloz de processar conhecimento e criar meios de enfrentamento do vírus, seja pelas mudanças que implicou no cotidiano alterado pelas medidas de distanciamento social e vida remota, transformando o trabalho, a educação, o comércio, a medicina, enfim, os mais diversos laços sociais passando do presencial para o virtual. Um cenário que será potencializado à medida que o 5G avance.

A adesão efetiva à economia informacional é questão de sobrevivência neste novo milênio. Todos os processos produtivos, de ponta a ponta, geram e demandam dados, saberes e conhecimentos, atualizados em tempo real, sob a prescrição de produtividade, rentabilidade e sustentabilidade.

Um exemplo é o setor brasileiro de árvores cultivadas, cujo uso intensivo das novas tecnologias já tem história e incrementa dia a dia ações para ajudar a construir um futuro verde, constituindo mais uma frente de mitigação de emissões de carbono.

Para atingir esse objetivo, a indústria de base florestal vem semeando um caminho baseado em ciência, utilizando de forma inteligente e respeitosa os recursos postos à disposição pela floresta plantada para fim industrial.

A partir de muita pesquisa, o setor tem descoberto novos usos para elementos que já estavam em suas mãos. As fibras, que representam 75% da árvore, agora estão sendo trabalhadas também a partir da nanotecnologia. Elas dão origem à celulose, que em escala milimétrica ganha novas propriedades como resistência, impermeabilidade e leveza, tornando-se um potencial substituto de materiais de origem fóssil em milhares de produtos do cotidiano.

A Klabin investiu US$ 2,5 milhões na startup israelense Melodea, que possui tecnologia para extração de celulose nanocristalina. Na prática, a tela do celular terá partículas de madeira imperceptíveis ao olho humano, mas que tornarão o aparelho mais sustentável. Recentemente a Suzano anunciou parceria com a startup finlandesa Spinnova para investimento de € 22 milhões na construção de planta comercial de fabricação de tecido a partir da celulose microfibrilada, diminuindo em até 90% o uso de água e químicos no processo fabril.

Tão atuais e demandadas, até mesmo as embalagens de papel, já conhecidas pela origem renovável e alta reciclabilidade, serão beneficiadas pela inovação. Com uso da nanocelulose será possível eliminar camadas de plástico e alumínio de caixas de leite ou suco, por exemplo, facilitando a reciclagem e biodegradação do material, conferindo a mesma eficácia nas barreiras para retenção de líquidos e gorduras.

Já a lignina, que constitui os 25% restantes de uma árvore, está se tornando uma molécula aliada do futuro. Hoje é utilizada na geração de energia limpa para o setor, mas, com base em estudos, está ganhando mais valor agregado e poderá ser utilizada em resinas aplicadas em móveis, no concreto ou em peças internas de veículos automotivos.

Todas essas novas possibilidades se somam ao longo portfólio de bioprodutos, como livros, filtros de café, fraldas, papel higiênico, máscaras cirúrgicas, pisos laminados e painéis de madeira, entre outros. Até mesmo a indústria têxtil experimenta os frutos da floresta cultivada. Um mercado gigantesco, que tem uma fatia de 6% dominada pela viscose, produzida com celulose solúvel e que tende a crescer. Para esse fim a Bracell está investindo cerca de R$ 8 bilhões no Projeto Star, em Lençóis Paulista (SP); já a LD Celulose, joint venture entre a Duratex e a austríaca Lenzing, está aportando mais de R$ 5 bilhões numa nova planta no Triângulo Mineiro.

Com bioeconomia e inovação correndo em suas veias, o setor joga luzes para um horizonte construído a partir das árvores cultivadas, que muitos já chamam de biorrefinaria, comparando a enorme gama de possibilidades que essa fonte verde pode oferecer ao que hoje está na dependência da base do petróleo.

Ao escrever sobre as tecnologias como insumo estrutural de novas capacidades produtivas e renovados arranjos sociais da humanidade, Milton Santos reclamou sua democratização, alertando que só assim, verdadeiramente, “essas técnicas doces estarão a serviço do homem”.

Os benefícios e os malefícios de qualquer tecnologia estão muito mais na dependência dos usos e aplicações que delas se fazem do que propriamente das suas possibilidades. As escolhas é que fazem as diferenças na história, até mesmo e principalmente quando se tem no meio da jornada uma revolução tecnológica sem precedentes. Que nossas escolhas sejam capazes de “atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e, também, do planeta”, nas palavras do saudoso geógrafo (Paulo Hartung, presidente executivo do IBÁ, foi governador do Espírito Santo; O Estado de S.Paulo, 6/7/21)