02/04/2020

“Tempestade perfeita” arrasa cadeia produtiva sucroenergética

“Tempestade perfeita” arrasa cadeia produtiva sucroenergética

Por Ronaldo Knack

 

Preços do petróleo fecham março com maiores quedas e perdas da história  (Reuters, 31/3/20)

 

Açúcar está a caminho do pior trimestre em uma década  (Bloomberg, 31/3/20)

 

BR Distribuidora e Raízen declaram “força maior” nas compras de etanol (Bloomberg, 31/3/20)

 

Covid-19: Distribuidoras de energia notificam geradores sobre força maior (Reuters, 1/4/20)

 

 

Nunca um conjunto de fatores trágicos e simultâneos  provocou tamanha  insegurança, derrubando preços e ameaçando um setor que até então tentava-se de reeguer da crise que emergiu em 2007. Nos últimos dias, as notícias para o mercado sucroenergético não poderiam ser piores e os cenários futuros apontam literalmente para para um quadro caótico.

 

Se no final da década de70 os produtores de açúcar com, o apoio do governo militar, criaram o Proálcool, programa que colocou o Brasil na vanguarda  mundial da produção de biocombustíveis, ao mesmo tempo a iniciativa provocou sucessivos e importantes boicotes. No início o boicote veio da Petrobras.

 

Depois, no final da década de 90, houve boicote por parte das montadoras (Anfavea) que se negavam a produzir automóveis com motores a álcool. Um movimento, inicialmente tímido, a partir de Sertãozinho (SP), com o sugestivo nome de “Grito pelo Emprego e pela Produção”, reunindo produtores de cana, a indústria de bens de capital e os trabalhadores do setor, tomou corpo e obrigou o presidente FHC  (PSDB) a criar políticas públicas que contemplaram o setor, e que até 2007 dobrou de tamanho (de 300 milhões de toneladas moídas/ano para 600 milhões).

‘Milagrosamente’ as montadoras anunciaram a tecnologia dos motores flex, movidos a gasolina e/ou etanol. Esta tecnologia já estava pronta mas a indústria só decidiu colocá-la nos motores dos veículos pela pressão exercida pela cadeia produtiva sucroenergética.

A crise financeira internacional de 2008 chegou com muita força ao setor que se vergou e se iniciava aí o processo de fechamento de usinas (90) e pedidos de recuperação judicial (70). Dados da FEA-USP/RP indicam que 600 mil trabalhadores perderam seus postos de trabalho no campo. A indústria de bens de capital derreteu e deixou um rastro grande de desempregados, muitos dos quais, sem receberem seus direitos trabalhistas.

Após 2008 teve início um movimento que não aparecia no radar de nenhum dos tantos “consultore$” pois, enquanto os governos Lula e Dilma Rousseff davam passos largos para tomarem de assalto a Petrobras (e outras estatais...), “pseudo-líderes” da cadeia produtiva sucroenergética iniciavam um movimento para, a partir de algumas entidades de classe do setor, imporem ações e políticas em proveito próprio (e de seus grupos empresariais).

Em 2014 a Única – União da Indústria da Cana-de-Açúcar, anunciava a contratação do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues para a presidência do seu conselho maior. Parecia que, agora sim, haveria interlocução com o governo da presidente Dilma Rousseff. Ledo engano.

Em 2 de fevereiro de 2015, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes comandada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e preparada para  repetir a fórmula  da integração da cadeia produtiva sucroenergética – trabalhadores e fornecedores de cana estavam organizados para ‘invadirem’ Brasília e uma ‘Frente de Governadores dos Estados Produtores de Cana-de-Açúcar” estava sendo articulada – Roberto Rodrigues anunciou sua renúncia à Única.

A biografia e a história de Roberto Rodrigues nada tinha a ver com os conchavos e a falta de ética demonstrada por alguns dos maiores dirigentes de grupos de usinas do País e do mundo. Enquanto um destes ‘líderes’, publicamente, elogiava Dilma Rousseff como “patriota”, outros negociavam a exclusividade na venda de etanol anidro à Petrobras (vide delação premiada de Nestor Ceveró no processo da Lava Jato).

Ficava claro que a Única tornara-se entidade que passou a representar, não os interesses de centenas de usinas de açúcar e etanol, e sim, de grupos interessados na distribuição do biocombustível. Distribuição esta que inclui a importação de etanol de milho dos Estados Unidos, que chega aqui isento de impostos.

A ‘força maior” declarada pela Raízen (vide nota oficial abaixo da BR Distribuidora) representa um dos atos mais vergonhosos e escandalosos da história da cana-de-açúcar no País, pois indica um calote ao setor que passa, ao mesmo tempo, as agruras do coronavírus, que paralisou o Brasil e o mundo, e a queda dos preços do petróleo e do açúcar como nunca se viu até então na história.

 

 

A Única distribuiu à imprensa, na manhã de ontem, nota oficial na qual “rechaça veementemente a postura (das distribuidoras de etanol e energia) e, mais do que isso, espera que esse comportamento predatório não tome o lugar da necessária solidariedade econômica que o momento exige”.

 

Diz mais a nota da Única:  “Sob o ponto de vista jurídico, as notificações (Da BR Distribuidora e da Raízen) ignoram os pressupostos legais para a alegação de força maior e pretendem criar uma verdadeira licença para não pagar. Sob o ponto de vista econômico, empresas altamente capitalizadas, com farto acesso ao crédito nacional e internacional, pretendem transferir aos elos mais frágeis as responsabilidades que competem a elas e para as quais se prepararam nos últimos anos”.

 

A ser verdade o teor da nota, a entidade passa a partir de agora a representar não mais os interesses das distribuidoras e sim dos seus associados, produtores de açúcar, biocombustíveis e bioenergia. Oxalá não seja tarde demais pois os cenários e as perspectivas para a cadeia produtiva sucroenergética são ruins, muito ruins.É esperar e conferir! (Ronaldo Knack é jornalista e bacharel em administração de empresas e direito. É também fundador e editor do BrasilAgro, o primeiro site de notícias das cadeias produtivas do agronegócio)

 


Nota Oficial: Br Distribuidora afirma que não declarou força maior

  BR Distribuidora

 

“Diante da Pandemia do COVID-19 que assola o país e o mundo, a BR Distribuidora comunicou aos seus fornecedores e parceiros, na última semana, que a partir de agora precisava distribuir os volumes contratados de acordo com as demandas e necessidades do mercado, abrindo um diálogo com cada um.

 

 

A decisão considerou o cenário atípico, fazendo com que a Companhia identificasse a necessidade de flexibilizar o percentual de variação de volume assegurado em contrato até que todo o mercado se normalize.

 

Vale ressaltar que a Companhia não declarou força maior  e nem sugeriu ou sequer cogitou o cancelamento de contratos, visando somente reduzir o volume mensal de aquisição em percentual superior ao previsto em contrato, sem que isso implique em descumprimento do mesmo.

 

Paralelamente, a BR também tomou algumas medidas junto a sua revenda, prorrogando, por exemplo, o prazo para cumprimento do volume contratado, entendendo que o momento é de espírito colaborativo, unindo forças para minimizar o impacto da crise em todos os atores envolvidos.

 

A BR segue atuando intensamente na direção de atender a todos os setores que não podem parar neste momento de isolamento social, mantendo as melhores práticas de prevenção da saúde de seus colaboradores, fornecedores e parceiros e mantendo o atendimento das demandas de cada um e contribuindo com a mobilidade da sociedade como um todo”

   


Brazilian Fuel Distributors Declare Force Majeure on Ethanol 

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BR Distribuidora, Shell-Cosan JV invoke clause on purchases. Fuel consumption has slumped in Brazil amid coronavirus.

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Brazil’s two largest fuel distributors declared force majeure on purchases of ethanol as the coronavirus pandemic hammers demand in Latin America’s largest economy.

The Raizen venture owned by Royal Dutch Shell Plc and Cosan SA sent a letter to suppliers invoking the clause for both anhydrous ethanol that’s blended in gasoline and the hydrous variety used directly in cars, a spokesperson said by telephone.

Petrobras Distribuidora SA, known as BR Distribuidora, said it also invoked the clause, adding that contracts were maintained but at reduced volume.

Brazil ethanol price collapses along with demand

The two companies, which account for most fuel sales in Brazil, said in the letters that consumption has collapsed at gasoline stations because of lockdowns to contain the spread of the disease. Raizen, which is also Brazil’s top producer of the biofuel made from sugar cane, doesn’t have enough capacity to store ethanol from third parties, according to the people.

Ethanol producers affected by the decision are looking to begin talks with distributors to contest the rationale for declaring force majeure, the people said. If that fails, they could turn to a formal arbitration process. Force majeure allows companies to remove liability for natural and unforeseeable catastrophes

Read More: Green Fuel Plants Are Shutting Down and Some May Never Come Back

Fuel consumption in Brazil has plunged by about 50% in a week as drivers hunker down at home, Paulo Miranda Soares, president of a group representing gas stations, said March 25. Brazil’s oil regulator, known as ANP, said in a note that the drop will only get worse in the coming weeks.

The glut is set to widen as a new cane harvest begins in the country. Industry group Unica estimates that mills in the Center-South, the nation’s largest cane-producing region, have capacity to hold 60% of total annual ethanol production in tanks.

The coronavirus and cheap oil are hitting the fuel business across the world. In the U.S., Valero Energy Corp. is temporarily closing two ethanol plants, Andersons Inc. is suspending operations at its biofuel plants while Pacific Ethanol Inc. is cutting output by as much as 60% (Adds comment from BR Distribuidora in third paragraph) (30/3/20)

 


Associação de usinas de etanol pede que ANP ‘coiba excessos’ de distribuidoras

A NovaBio, que representa 40 usinas do Nordeste, Norte e algumas do Centro-Sul, pediu à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) que interceda para “coibir excessos” diante da decisão de algumas distribuidoras de combustíveis de cancelar ou flexibilizar contratos de compra de etanol.

Em carta enviada ao presidente interino da agência reguladora, José Gutman, a NovaBio pede que a ANP “busque uma solução regulatória menos recessiva para nossos produtores” e que dê um parecer sobre as quebras de contrato “que vise à normalidade e restauração das relações saudáveis entre os agentes de produção e distribuição”.

Segundo a associação, “as usinas, na qualidade de fornecedoras, prepararam e estocaram o etanol, deixando de vender ao mercado, a fim de salvaguardar os fornecimentos contratuais”, enquanto as distribuidoras “sequer tentaram dialogar ou repactuar algumas condições”.

No documento, assinado pelo presidente do conselho da NovaBio, Pedro Robério Nogueira, e pelo presidente da associação, Renato Cunha, a entidade afirmou ainda que os “excessos” das distribuidoras “levarão a mais desempregos no setor da indústria da cana-de-açúcar” (SIAMIG, Valor Econômico, 31/3/20)

 


Unica: Rompimento de contratos por distribuidoras vai causar desemprego e recessão

O mercado foi surpreendido com anúncios privados e públicos de rompimento de contratos previamente firmados sob alegação de cláusula de força maior por distribuidores de energia e de combustíveis. Em resumo, alegam que os efeitos econômicos da pandemia do COVID-19 seria causa suficiente para desobrigá-los das aquisições de etanol e de energia elétrica, nos termos das obrigações assumidas. A prevalecer essa lógica, as usinas não receberam o que estava previsto e, por sua vez, deixariam de pagar milhares de fornecedores e colaboradores, gerando efeitos impensáveis em mais de 1200 municípios brasileiros.

 A UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar) rechaça veementemente essa postura e, mais do que isso, espera que esse comportamento predatório não tome o lugar da necessária solidariedade econômica que o momento exige. Tal movimento tem força suficiente para destruir, sem qualquer fundamento jurídico ou econômico, uma parte importantíssima da cadeia sucroenergética, que, em sua base, é formada por milhares de produtores rurais e seus colaboradores às vésperas de uma safra desafiadora.

 Sob o ponto de vista jurídico, as notificações ignoram os pressupostos legais para a alegação de força maior e pretendem criar uma verdadeira licença para não pagar. Sob o ponto de vista econômico, empresas altamente capitalizadas, com farto acesso ao crédito nacional e internacional, pretendem transferir aos elos mais frágeis as responsabilidades que competem a elas e para as quais se prepararam nos últimos anos.

 As associadas da UNICA entendem que o momento atual exige comportamentos socioeconômicos responsáveis, abertos e inclusivos. Justamente por isso, lutará para garantir, por todos os meios, que os contratos sejam cumpridos e, assim, contribuir para a sobrevivência do setor e daqueles que dele dependem (Assessoria de Comunicação, 1/4/20)